Dilma vai a Davos tentar mudar percepções negativas sobre a economia brasileira. Terá que ser convincente
Estado de Minas: 19/01/2014
Neste fim de
semana, a presidente Dilma Rousseff pretendia avançar na preparação das
duas falas que fará no Fórum Econômico Mundial de Davos, na sexta-feira,
dia 24. Uma delas, aberta ao público. Outra, reservada, com inscrições
já esgotadas. Em ambas, Dilma tentará mudar percepções externas
negativas que se adensaram ao longo de seu governo, sobre um Brasil que
“bombou” no cenário externo durante a era Lula. Sob Dilma e os reflexos
da crise mundial, o crescimento encolheu, a inflação subiu, vieram as
críticas à política fiscal, a um suposto estatismo intervencionista da
presidente e à baixa competitividade do país. Finalmente, ao azedume de
algumas publicações estrangeiras, somaram-se ameaças das agências de
risco, de retirar do país o distintivo “grau de investimento”. Dilma
acha que tem bons argumentos para desconstruir o que seus auxiliares
chamam de “percepções falsas” sobre o Brasil.
Muito antes de
projetar-se como sede da reunião anual dos grandes do mundo, a bucólica
cidadela sob os cumes nevados dos Alpes suíços fez fama como cenário de A
montanha mágica, um dos livros prediletos de Dilma, que valeu a Thomas
Mann o Prêmio Nobel de Literatura em 1929. Naquele mesmo ano, Davos foi
palco de um duelo intelectual entre dois gigantes da filosofia do século
passado, o existencialista Martin Heidegger e o cartesiano Ernst
Cassirer. A vocação telúrica para a reflexão deve ter pesado na escolha
do lugar como sede do que, desde 1969, ali reúne estadistas, políticos,
empresários e executivos globais, investidores, economistas e pensadores
em geral para debater a situação e os rumos do mundo.
Dilma, nos
últimos três anos, recusou os convites e enviou ministros como
representantes, mas um fórum tão exclusivo prefere ouvir diretamente os
governantes. Com o pessimismo sobre o Brasil se ampliando no ano de sua
tentativa de reeleição, Dilma resolveu ir à montanha. O fundador e
dirigente do fórum, Klaus Schwab, mediará sua apresentação, uma
deferência já precedida de uma declaração favorável: “O Brasil tem todos
os ingredientes para superar a crise de meia-idade que afeta os
emergentes”.
O pessimismo externo é alimentado por indicadores
indiscutíveis, como o baixo crescimento e a inflação teimosa, e também
por implicâncias com sotaque ideológico, seja com ações do governo ou
com o estilo de sua presidente. Haverá, portanto, um alto ceticismo na
plateia da conferência reservada de Dilma, composta basicamente por
executivos e investidores, que terão direito a lhe fazer perguntas.
Lula, em suas participações em Davos, pregou o combate à pobreza e
difundiu as políticas sociais que implementou. Ele falava a favor do
vento: a crise mundial do capitalismo tornara o fórum mais sensível às
questões sociais, a um papel mais forte do Estado, ao ressurgimento dos
interesses nacionais em detrimento do mundo global. Dilma vai a Davos
com o vento um pouco virado, pedindo mais mercado e menos Estado,
ecoando palavras como liberação, competitividade e produtividade. Seu
discurso não pode ser o de Lula, que naquela conjuntura seduziu Davos e
ajudou a forjar a imagem do Brasil como emergente promissor, um dos
Brics, potências do futuro. Agora, porém, trata-se de derrotar o
ceticismo, vendendo o Brasil como terra de oportunidades para
investidores.
Dilma pode dar suas pinceladas sociais no quadro
brasileiro, mas vai se concentrar na defesa da solidez da economia e das
contas públicas e, principalmente, na apresentação do repertório de
concessões ao setor privado lançadas por seu governo. Citará cada um dos
leilões já realizados ou programados, nas áreas de petróleo (com
destaque para o campo de Libra), energia, ferrovias, rodovias e portos.
Outras oportunidades virão, dirá ela, na medida em que foram
bem-sucedidas as parcerias entre o Estado brasileiro e os investidores
privados, impulsionando o crescimento de um país dotado de um grande
mercado interno e de enormes riquezas naturais. Beijará a cruz
reiterando compromisso com a estabilidade e a saúde fiscal. Nesse
sentido, dizem os analistas, Dilma leva como sinal de zelo monetário a
recente elevação da taxa interna de juros a 10,5% anuais, depois de
constatado que o IPCA de 2013 fechou em 5,91%. O anúncio do presidente
Barack Obama, na sexta-feira, de que os EUA não mais investigarão
“governos amigos” também jogará mais luz sobre sua figura. Foi ela,
seguida pela chanceler alemã, Angela Merckel, que primeiro se insurgiu
contra a bisbilhotagem americana. Tudo conta, mas ela terá de ser
convincente no que diz respeito à economia.
Rolezinho e segregação
Diferenças
partidárias para lá, governantes e políticos entraram em rara sintonia,
com petistas, tucanos, socialistas e outros istas falando a mesma
coisa: não se deve criminalizar o “rolezinho” nem apelar para a
repressão policial, que pode virar “fogo na gasolina”, como disse o
ministro Gilberto Carvalho. Não haveria motivação política, mas apenas
comportamental/cultural, no afluxo de centenas de jovens aos shopping:
eles querem apenas “zoar”, se divertir, compartilhar os espaços e os
símbolos que a sociedade elegeu como indicadores de prestígio.
Na
reunião em que Dilma tratou do assunto com alguns ministros, houve quem
lembrasse uma das primeiras reações ao rompimento da segregação urbana.
Brizola governava o Rio e autorizou linhas de ônibus ligando
diretamente a Zona Norte à Zona Sul do Rio. Os pobres, pardos e pretos
do subúrbio começaram a frequentar as praias. Os da Zona Sul se
incomodaram com suas farofas e maus modos, reclamando da falta de lazer
nas periferias. Garotinho virou governador e construiu o Piscinão de
Ramos. É verdade que a elite e a classe média tradicional passaram a
reclamar da invasão de outras praias: da piora do trânsito com o maior
acesso ao carro, dos aeroportos cheios e, agora, da invasão dos
shoppings pelos da periferia. Tudo isso procede, mas, no caso dos
rolezinhos, fica a pergunta: todos têm direito de ir ao shopping, ainda
que só para zoar. Mas tem que ser em grupos de 200, 500, 1 mil?
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