Joan Baez entre nós
Affonso Romano de Sant'Anna
affonsors@uol.com.br
Estado de Minas: 23/02/2014
Estou vendo este retrato da Joan Baez. Ela está vindo ao Brasil. E aparece com cabelos brancos, uma respeitável senhora. Tenho ímpetos de fazer uma confissão. Teve um tempo em que fui apaixonado por Joan Baez. Ela não sabia. E acho que, se soubesse, nem ligaria.
Eu morava na Califórnia. Ela também. Não é que ficasse rondando a casa dela, fazendo serenatas, mandando cartas de amor. Nada disso. Apenas escutava seus discos. E admirava aquele sorriso, que, aliás, achava erótico. Vejo que andaram elegendo-a uma das mulheres mais sexies do mundo. Muita concorrência. O que faz o amor! Tinha qualquer coisa de garota do Sion, de jovem bem-comportada. E rebelde.
Mas era paixão musical. Musicalmente, ia também atrás de outros ícones da época. Algumas canções constroem a nossa personalidade. E ponho-me a lembrar dos anos 60. Já fui um garoto que amava os Beatles e os Rolling Stones. Mais os Beatles do que os Stones. Bob Dylan era um jovenzinho contestador que eu ouvia naquele apartamento perto do câmpus da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, onde lecionava. Ouvia também Marianne Faithfull, era tão bonitinha e se meteu em drogas com Mick Jagger. Lembro-me do dia em que fui ao Village comprar aquele disco dos Beatles, Sgt. Pepper’s: puro encantamento. Sobre ter visto os Beatles, já contei em outra crônica.
Não vou continuar essas rememoracões. Antes, faço uma revelação: entre 1965 e 1967, publiquei aqui no Estado de Minas minhas impressões americanas – crônicas desse período. Eram anotações ingênuas, sem pretensão literária, o espanto do jovem inconfidente e provinciano ao sair do século 18 em Minas e cair noutra realidade. Aqui era a ditatura e o fim da utopia, lá era a utopia dos hippies, a luta contra a guerra do Vietnã, marchas, maconha, Heighs e Ashbury St, em San Francisco. Eu ensinando colocação de pronomes em português, enquanto bombas caíam no Vietnã.
– Where have all the flowers gone?
– Were you there when they crucified My Lord?
Vejo os cabelos brancos da senhora Joan Baez. Esta menina (esta senhora) faz parte do século 20 e ainda testemunha os espantos no século 21. A biografia dela é uma agitação só. Se tivesse se casado comigo, como teria sido sua vida no Brasil? Daria-se bem em Belo Horizonte ou no Rio? Frequentaria o Maletta, iria à praia, ao píer de Ipanema cheio de bichos-grilos?
Certamente, ela teria feito melhor negócio se casando comigo em vez de ser espoliada por aquele marido complicado ou de ter aquele entrevero com Bob Dylan. Mas como é que ia segurar esta mulher pássara volante e cantante que queria defender causas várias na União Soviética, Tchecoslováquia, Vietnã do Norte, Inglaterra, Irlanda, Alemanha, Espanha, Portugal, França, Itália, Polônia, Nicarágua, Chile, Argentina, Brasil, Camboja, Austrália, Canadá, Islândia, Israel, Cisjordânia, Faixa de Gaza, Bósnia etc.
Nosso casamento não ia dar certo. Penso nisso olhando esta outra mulher ao meu lado que sobe a serra de Nova Friburgo, enquanto no carro ouvimos um CD de Joan Baez. Agora Joan está cantando aquela história sobre a dura vida de espécie feminina, sempre controlada e confinada, seja pelo pai, seja pelo marido. Também canta a utópica We shall overcome, que os pretos entoavam por toda parte. E vai musicalmente se expressando em meia dúzia de línguas, como naquela balada da moça mais velha que se casa com um menino e morre antes de ele virar homem. Bem que gostaria de tocar ao violão o dramalhão mexicano do Prisioneiro número 9. Ali, o assassino da esposa e do amante diz que vai continuar a persegui-los até o inferno!
Sim, tem também o Happy days. Não preciso nem me levantar para ouvir Joan Baez. Ela está na internet. Ao alcance dos meus ouvidos.
Affonso Romano de Sant'Anna
affonsors@uol.com.br
Estado de Minas: 23/02/2014
Musa dos agitados e utópicos anos 1960, Joan Baez canta no Brasil em março |
Estou vendo este retrato da Joan Baez. Ela está vindo ao Brasil. E aparece com cabelos brancos, uma respeitável senhora. Tenho ímpetos de fazer uma confissão. Teve um tempo em que fui apaixonado por Joan Baez. Ela não sabia. E acho que, se soubesse, nem ligaria.
Eu morava na Califórnia. Ela também. Não é que ficasse rondando a casa dela, fazendo serenatas, mandando cartas de amor. Nada disso. Apenas escutava seus discos. E admirava aquele sorriso, que, aliás, achava erótico. Vejo que andaram elegendo-a uma das mulheres mais sexies do mundo. Muita concorrência. O que faz o amor! Tinha qualquer coisa de garota do Sion, de jovem bem-comportada. E rebelde.
Mas era paixão musical. Musicalmente, ia também atrás de outros ícones da época. Algumas canções constroem a nossa personalidade. E ponho-me a lembrar dos anos 60. Já fui um garoto que amava os Beatles e os Rolling Stones. Mais os Beatles do que os Stones. Bob Dylan era um jovenzinho contestador que eu ouvia naquele apartamento perto do câmpus da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, onde lecionava. Ouvia também Marianne Faithfull, era tão bonitinha e se meteu em drogas com Mick Jagger. Lembro-me do dia em que fui ao Village comprar aquele disco dos Beatles, Sgt. Pepper’s: puro encantamento. Sobre ter visto os Beatles, já contei em outra crônica.
Não vou continuar essas rememoracões. Antes, faço uma revelação: entre 1965 e 1967, publiquei aqui no Estado de Minas minhas impressões americanas – crônicas desse período. Eram anotações ingênuas, sem pretensão literária, o espanto do jovem inconfidente e provinciano ao sair do século 18 em Minas e cair noutra realidade. Aqui era a ditatura e o fim da utopia, lá era a utopia dos hippies, a luta contra a guerra do Vietnã, marchas, maconha, Heighs e Ashbury St, em San Francisco. Eu ensinando colocação de pronomes em português, enquanto bombas caíam no Vietnã.
– Where have all the flowers gone?
– Were you there when they crucified My Lord?
Vejo os cabelos brancos da senhora Joan Baez. Esta menina (esta senhora) faz parte do século 20 e ainda testemunha os espantos no século 21. A biografia dela é uma agitação só. Se tivesse se casado comigo, como teria sido sua vida no Brasil? Daria-se bem em Belo Horizonte ou no Rio? Frequentaria o Maletta, iria à praia, ao píer de Ipanema cheio de bichos-grilos?
Certamente, ela teria feito melhor negócio se casando comigo em vez de ser espoliada por aquele marido complicado ou de ter aquele entrevero com Bob Dylan. Mas como é que ia segurar esta mulher pássara volante e cantante que queria defender causas várias na União Soviética, Tchecoslováquia, Vietnã do Norte, Inglaterra, Irlanda, Alemanha, Espanha, Portugal, França, Itália, Polônia, Nicarágua, Chile, Argentina, Brasil, Camboja, Austrália, Canadá, Islândia, Israel, Cisjordânia, Faixa de Gaza, Bósnia etc.
Nosso casamento não ia dar certo. Penso nisso olhando esta outra mulher ao meu lado que sobe a serra de Nova Friburgo, enquanto no carro ouvimos um CD de Joan Baez. Agora Joan está cantando aquela história sobre a dura vida de espécie feminina, sempre controlada e confinada, seja pelo pai, seja pelo marido. Também canta a utópica We shall overcome, que os pretos entoavam por toda parte. E vai musicalmente se expressando em meia dúzia de línguas, como naquela balada da moça mais velha que se casa com um menino e morre antes de ele virar homem. Bem que gostaria de tocar ao violão o dramalhão mexicano do Prisioneiro número 9. Ali, o assassino da esposa e do amante diz que vai continuar a persegui-los até o inferno!
Sim, tem também o Happy days. Não preciso nem me levantar para ouvir Joan Baez. Ela está na internet. Ao alcance dos meus ouvidos.
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