domingo, 23 de fevereiro de 2014

EM DIA COM A PSICANÁLISE » Sobre a agressividade‏

EM DIA COM A PSICANÁLISE » Sobre a agressividade

Regina Teixeira da Costa
reginacosta@uai.com.br
Estado de Minas: 23/02/2014


O Brasil deixou de parecer um país pacífico. De um povo pacato, alegre e até ingênuo, e fácil de manejar, passamos para outra fase. A fase em que o povo sai para protestar, as pessoas se encontram nas redes sociais para articular encontros, opiniões, movimentos e manifestações. Enfim, um povo que descobre que democracia se faz com participação.

Por um lado, é bom ver as pessoas participarem. Por outro, é custoso constatar o real com seus furos e impossibilidades. Ideais como a harmonia, paridade e alguma perfeição são inalcançáveis porque esse real é como uma rede de pescador. Cheia de laços e nós que a sustentam e, claro, furos. Tantos furos quanto nós, talvez mais.

Nossa realidade é assim, embora com o imaginário tentemos preencher os furos, mas não podemos ficar livres deles nunca, tampamos um furo, abre-se outro, e a coisa sempre foge do controle absoluto.

As diferenças aparecem e não nos poupam da intolerância. Como se elas fossem uma ameaça de fato intolerável. Até mesmo entre duas pessoas, um casal por exemplo, sempre há a reivindicação por justiça e igualdade. Eu faço isto e você não, ou o que custava você ceder um pouco, etc. Agora, projetamos isto para um número muito maior de pessoas, uma comunidade.

Ceder sempre não é possível, porque anula o particular que nos faz ser quem somos. Não se pode simplesmente anular as diferenças. O medo da discordância existe porque ela nos separa do outro. Cria discórdia.

Não somos iguais, não dá para colar e ser igual. Há diferenças que separam e às vezes, para mantermos nossa fidelidade e dignidade próprias, perdas são necessárias e saudáveis. Isso não impede um amor que aceita o outro como alteridade absoluta. Podemos nos amar se cada um é um. Embora muitos prefiram se anular na alienação ao gosto do outro.

Assim é. A mesma lógica vale para o social. Uns mostram a cara, outros a escondem. E, destes, alguns desejam a destruição, o quebra-quebra. Seriam oportunistas isolados? Seriam articulados a algum partido ou grupo político? Marginais e aproveitadores que liberam a testosterona e agressividade? Por que o medo de ser identificado se a manifestação é um movimento que se bem praticado deveria ser honroso?

Diz-se haver infiltrados politizados e políticos insuflando atos de violência para desestabilizar o governo, implantar o caos, a fim de tomar o poder. Há os que temem um golpe direitista e veem todo movimento de rua como grande ameaça. Não se pode descartar que intenções escusas se aproveitem da situação. Como disse o poeta, viver é perigoso.

Lamentavelmente, o rojão atingiu o cinegrafista Santiago Andrade. A violência não construiu nada novo e com ela perde a democracia. Não é difícil entender que um movimento sério precisa de posições éticas e responsáveis, não se combate o que se considera ruim com algo ainda pior...

O real é todo furado, impossível de controlar, e daí tudo é possível, pois não há limites para o que passa na cabeça de cada um e com que intenção cada um sai de casa. De tudo isso, a psicanálise nos vem em auxílio com a certeza de que a agressividade é força constitutiva na estruturação do ser falante. E que ela sai sempre misturada com outros conteúdos, mas presente sempre.

A agressividade inclusive é pioneira. Antes do amor, quando nos reconhecemos como alguém, rivalizamos com o que é externo. Desde a origem do eu, a tendência agressiva se revela fundamental. Como se tudo que se referisse ao corpo e ao ser próprio fosse bom e o outro, o que está no campo externo, o diferente, fosse ruim, ameaçador.

E assim é com os seres humanos, como vimos também na manifestação retrógrada de racismo no Peru contra Tinga. Isso demonstra que estamos diante de um real duro e sempre com uma pedra no caminho. Diante disso, não podemos desistir; mesmo sabendo que a Copa do Mundo trará maiores enfrentamentos, é bom lembrar de não perder a ternura jamais. 

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