Em nome da história
Com filme sobre escravidão, Steve McQueen pode se tornar o primeiro diretor negro a ganhar o Oscar. O prêmio coroaria uma trajetória artística que extrapola o cinema
Júlio Cavani
Estado de Minas: 23/02/2014
O britânico Steve McQueen é o terceiro negro indicado ao Oscar de melhor diretor nos 86 anos da premiação |
Antes de fazer o primeiro longa-metragem, o britânico Steve McQueen (não confundir com o famoso ator norte-americano, que morreu em 1980) já era um artista consagrado nas maiores bienais e museus de arte contemporânea do mundo. Com 12 anos de escravidão, favorito ao Oscar de melhor filme, com nove indicações, ele agora alcança o reconhecimento massivo da indústria de Hollywood. Torna-se também o terceiro cineasta negro a ser indicado como melhor diretor em 86 anos de premiação (os anteriores foram John Singleton, por Os donos da rua, em 1992, e Lee Daniels, por Preciosa, em 2010).
No cinema, McQueen já começou bem. O primeiro longa, Hunger (Fome em tradução literal, nunca lançado no Brasil), venceu o troféu Câmera de Ouro, um dos principais prêmios do Festival de Cannes em 2008. O segundo, Shame, ganhou quatro prêmios no Festival de Veneza em 2011. Os longas ainda revelaram Michael Fassbender (o Magneto de X-Men: Primeira classe), indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante por 12 anos de escravidão.
Como artista plástico, Steve McQueen (nascido em Londres, em 1969) apresentou trabalhos no Brasil, três deles sob curadoria do pernambucano Moacir dos Anjos, nas bienais de São Paulo (2010) e do Mercosul (2007). A relação entre o corpo e a liberdade é um dos temas mais recorrentes em sua obra, na qual carne, pele e osso muitas vezes simbolizam libertação, prisão ou proteção. Em 2 de março, esses questionamentos ressurgirão com toda a força em plena Hollywoody, quando ele poderá subir ao palco para se tornar o primeiro cineasta negro a ganhar um Oscar de melhor filme.
12 anos de escravidão, que concorre a nove Oscars, está sendo apontado como o favorito à estatueta de melhor filme |
Obra polêmica
» Shame (2011) – Os valores morais são a prisão que oprime o personagem interpretado por Michael Fassbender, um homem viciado em sexo no filme (Vergonha em tradução literal). É justamente por causa dessa carga pesada de culpa que o longa, disponível no Brasil em DVD, divide opiniões.
» Static (2010) – Apresentado na Bienal de São Paulo em 2010, o vídeo mostra a Estátua da Liberdade filmada em detalhes com o uso de uma câmera presa a um helicóptero. Os enquadramentos fechados e os contrastes com a paisagem ao redor da escultura gigante levam a questionamentos sobre significados originais no contexto político dos EUA e de Nova York (sobretudo depois do 11 de Setembro).
» Giardini (2009) – Exibido no Pavilhão da Grã-Bretanha na Bienal de Veneza, o filme, projetado em duas telas simultâneas, apresenta cães caçadores, lixo e insetos nos jardins desertos do local da megaexposição internacional. Ele cria uma subversão de tempo-espaço ao usar uma combinação entre ficção e realidade para simular clima de tensão e fantasia no exterior de onde o público assiste à obra.
» Hunger (2008) – Longa-metragem de ficção, com Michael Fassbender raquiticamente magro, que reconstitui a greve de fome de trabalhadores irlandeses presos depois de protestos contra a primeira-ministra britânica Margaret Thatcher.
» Charlotte (2004) – O olho da atriz Charlotte Rampling (Melancolia) é mostrado em um plano-detalhe, sob iluminação vermelha, enquanto um dedo ameaça tocar seu olho, em uma metáfora sobre agressões sexuais.
» Western deep e Carib’s leap (2002) – São duas projeções (uma com duas telas, em uma videoinstalação) exibidas em salas diferentes, mas na mesma exposição. A primeira mostra a trajetória de um elevador que
desce às profundezas da terra enquanto transporta mineradores em um escuro ambiente claustrofóbico. Na interpretação do curador Moacir dos Anjos (em texto no catálogo da Bienal do Mercosul), é “um espaço regido por condições de trabalho que miram e replicam, de modo violento, as institucionalizadas relações políticas, econômicas e raciais vigentes fora da mina”. A segunda apresenta o clarão do ambiente aberto de uma praia onde homens e mulheres surgem e desaparecem diante de um bote em chamas na areia, um velório, crianças brincando e atividades de pesca artesanal. Para Moacir, “as situações insinuam latente incômodo social, como se houvesse, naquele espaço de vida comum, o risco de ruptura iminente de um modo partilhado de existência”.
» Bear (1993) – No curta-metragem que revelou o artista, Steve McQueen e outro ator são filmados, nus, em uma espécie de luta livre, com elementos de atração sexual, em uma relação corporal de sedução e ódio. “Agressão e ternura são temas do vídeo”, disse ele, quando fez sua primeira exposição no Brasil, em 2001, no MAM-SP.
Saiba mais
12 ANOS DE ESCRAVIDÃO
Teve nove indicações ao Oscar: melhor filme, diretor (Steve McQueen), ator (Chiwetel Ejiofor), ator coadjuvante (Michael Fassbender), atriz coadjuvante (Lupita Nyong’o), roteiro adaptado, direção de arte, figurino e montagem.
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