Ninguém entende
É muito de desejar que todos os grandes escritores em língua portuguesa tenham seus textos simplificados para entendimento dos que não leem
Estado de Minas: 14/06/2014
Obrou muitíssimo bem a
senhora Patrícia Secco ao conseguir que o Ministério da Cultura,
superiormente ministrado pela senhora Marta Suplicy, encomendasse
600.000 exemplares (seiscentos mil) de uma simplificação do conto O
alienista, de Machado de Assis. Faturando um real por exemplar, a
senhora Secco molha o seu bolsinho com R$ 600.000, importância mais que
justa para brasileira que se propõe a melhorar o texto de Machado.
Onde o Bruxo do Cosme Velho escreveu “sagacidade”, Patrícia modificou para “esperteza”, sagacíssima que é, por entender que hoje ninguém conhece o substantivo feminino que entrou em nosso idioma no ano de 1540, do latim sagacitas,atis, de mesmo significado. O contrato com o Ministério da Cultura foi esperto e sagaz, ou sagaz e esperto.
É muito de desejar que todos os grandes escritores em língua portuguesa tenham seus textos simplificados para entendimento dos que não leem. “O raquitismo exaustivo do mestiço neurastênico do litoral”, de Euclides da Cunha, pede “a malemolência do escurinho abilolado tipo Fernandinho”. Fernandinho todo mundo sabe que é o Beira Mar, enquanto beira-mar é litoral; escurinho é mestiço, abilolado serve para neurastênico e a malemolência pode ser a exaustão do raquitismo.
Outra simplificação necessária e mais urgente deve ser na letra do Hino Nacional. “De um povo heroico o brado retumbante” pede simplificação para ser entendido nas arquibancadas, nos gramados, nas ruas: o som da galera. Povo heroico virou galera e brado retumbante ninguém entende, mas o país inteiro sabe que o som retumba, sobretudo à noite nos bares belo-horizontinos.
Machado de Assis e a senhora Secco me lembram episódio que presenciei no Banco do Brasil, onde havia funcionário de pouquíssimas letras, cuja única função era acompanhar na prefeitura o processo do Edifício Visconde de Itaboaí, recebido em pagamento de dívida, imenso prédio na esquina das principais avenidas do Rio. Acontece que o processo estava sumido, como deve estar até hoje.
Nomeado para moralizar o departamento de engenharia do BB, o novo chefe chamou o funcionário, quis saber do andamento do processo e foi informado sobre o sumiço. Perguntou: “É uma datio in solutum?”. E o analfa: “Insolúvel, sim, senhor: ninguém entende”. Donde se conclui que Machado de Assis, sem revisão de Marta Suplicy e Patrícia Secco, é uma datio in solutum, dação em pagamento no português das padarias: ninguém entende.
Equipas
A Copa das Copas redefiniu as equipes de futebol, que em Portugal são equipas. Agora, cada equipa se compõe de 11 jogadores mais seis no banco, médico, massagista, roupeiro, treinador, helicóptero com atiradores de elite, 2.500 soldados do Exército fortemente armados com sprays de pimenta, 62 policiais federais, um batalhão da PM, quatro cães farejadores, uma fragata da Marinha a postos no Atlântico, mesmo que a equipa jogue em Cuiabá, quatro caças da FAB sobrevoando o estádio, 18 motociclistas batedores e a garantia do ministro Lobão, com novas luzes em seus belos cabelos, de que não faltará luz nos estádios.
O artista
Se você gosta da pintura, da escultura, do texto, da arte de alguém, e me permite um palpite, aqui vai: evite conhecer o artista. Limite-se à arte do fulano ou da fulana e não procure saber quem é ou quem foi o artista. Freud (1856-1939) e Dostoiévski (1821-1881) estão entre os melhores e mais elogiados textos da história. Tudo bem: limite-se ao que foi escrito pelos dois e não procure esmiuçar as vidas de um e outro, porque vai encontrar em Freud referência ao relacionamento sexual de Dostoiévski com uma criança e vai encontrar em diversos autores referências ao relacionamento sexual de Freud e Minna Bernays (1865-1941), sua cunhada.
Com os artistas brasileiros contemporâneos, gente que encontramos nas reuniões ou conhecemos das tevês, é recomendável e prudente triplicar a desconfiança. Continue curtindo a arte deles e delas, sem procurar saber como são e o que fazem fora dos livros, dos quadros, dos palcos, dos estúdios.
O mundo é uma bola
14 de junho: faltam 200 dias para terminar o ano e menos de um mês para terminar a Copa. O pacientíssimo leitor já deve ter notado que evito escrever sobre futebol: não é a minha praia. Notícia que não interessa a ninguém é a seguinte: em 14 de junho de 1276, enquanto a corte da Dinastia Sung estava exilada em Fuzhou, por conta da invasão mongol, o jovem príncipe Zhao Shi foi coroado imperador Duanzong de Sung. A Wikipédia faz questão de informar que Fuzhou fica na China, para evitar que alguém possa pensar que fica perto de Montes Claros, MG.
Em 1287, Kublai Khan derrota as forças de Nayan e outros príncipes tradicionais Borjigin no leste da Mongólia e Manchúria. Agora, uma notícia fresca: em 1821, Badi VII, rei de Sennar, entrega seu trono a Ismail Paxá, general do Império Otomano, encerrando a existência do Reino do Sudão.
Em 1965, Paulo VI cria a Diocese de Itabira, no que obrou muitíssimo bem. Consta que Giovanni Battista Enrico Antonio Maria Montini está para ser canonizado pelo papa Francisco. Hoje é o Dia Mundial do Doador de Sangue.
Ruminanças
“Onde anda a OAB que não defende a advogada especializada em matar porteiros e ex-companheiros?” (R. Manso Neto).
Onde o Bruxo do Cosme Velho escreveu “sagacidade”, Patrícia modificou para “esperteza”, sagacíssima que é, por entender que hoje ninguém conhece o substantivo feminino que entrou em nosso idioma no ano de 1540, do latim sagacitas,atis, de mesmo significado. O contrato com o Ministério da Cultura foi esperto e sagaz, ou sagaz e esperto.
É muito de desejar que todos os grandes escritores em língua portuguesa tenham seus textos simplificados para entendimento dos que não leem. “O raquitismo exaustivo do mestiço neurastênico do litoral”, de Euclides da Cunha, pede “a malemolência do escurinho abilolado tipo Fernandinho”. Fernandinho todo mundo sabe que é o Beira Mar, enquanto beira-mar é litoral; escurinho é mestiço, abilolado serve para neurastênico e a malemolência pode ser a exaustão do raquitismo.
Outra simplificação necessária e mais urgente deve ser na letra do Hino Nacional. “De um povo heroico o brado retumbante” pede simplificação para ser entendido nas arquibancadas, nos gramados, nas ruas: o som da galera. Povo heroico virou galera e brado retumbante ninguém entende, mas o país inteiro sabe que o som retumba, sobretudo à noite nos bares belo-horizontinos.
Machado de Assis e a senhora Secco me lembram episódio que presenciei no Banco do Brasil, onde havia funcionário de pouquíssimas letras, cuja única função era acompanhar na prefeitura o processo do Edifício Visconde de Itaboaí, recebido em pagamento de dívida, imenso prédio na esquina das principais avenidas do Rio. Acontece que o processo estava sumido, como deve estar até hoje.
Nomeado para moralizar o departamento de engenharia do BB, o novo chefe chamou o funcionário, quis saber do andamento do processo e foi informado sobre o sumiço. Perguntou: “É uma datio in solutum?”. E o analfa: “Insolúvel, sim, senhor: ninguém entende”. Donde se conclui que Machado de Assis, sem revisão de Marta Suplicy e Patrícia Secco, é uma datio in solutum, dação em pagamento no português das padarias: ninguém entende.
Equipas
A Copa das Copas redefiniu as equipes de futebol, que em Portugal são equipas. Agora, cada equipa se compõe de 11 jogadores mais seis no banco, médico, massagista, roupeiro, treinador, helicóptero com atiradores de elite, 2.500 soldados do Exército fortemente armados com sprays de pimenta, 62 policiais federais, um batalhão da PM, quatro cães farejadores, uma fragata da Marinha a postos no Atlântico, mesmo que a equipa jogue em Cuiabá, quatro caças da FAB sobrevoando o estádio, 18 motociclistas batedores e a garantia do ministro Lobão, com novas luzes em seus belos cabelos, de que não faltará luz nos estádios.
O artista
Se você gosta da pintura, da escultura, do texto, da arte de alguém, e me permite um palpite, aqui vai: evite conhecer o artista. Limite-se à arte do fulano ou da fulana e não procure saber quem é ou quem foi o artista. Freud (1856-1939) e Dostoiévski (1821-1881) estão entre os melhores e mais elogiados textos da história. Tudo bem: limite-se ao que foi escrito pelos dois e não procure esmiuçar as vidas de um e outro, porque vai encontrar em Freud referência ao relacionamento sexual de Dostoiévski com uma criança e vai encontrar em diversos autores referências ao relacionamento sexual de Freud e Minna Bernays (1865-1941), sua cunhada.
Com os artistas brasileiros contemporâneos, gente que encontramos nas reuniões ou conhecemos das tevês, é recomendável e prudente triplicar a desconfiança. Continue curtindo a arte deles e delas, sem procurar saber como são e o que fazem fora dos livros, dos quadros, dos palcos, dos estúdios.
O mundo é uma bola
14 de junho: faltam 200 dias para terminar o ano e menos de um mês para terminar a Copa. O pacientíssimo leitor já deve ter notado que evito escrever sobre futebol: não é a minha praia. Notícia que não interessa a ninguém é a seguinte: em 14 de junho de 1276, enquanto a corte da Dinastia Sung estava exilada em Fuzhou, por conta da invasão mongol, o jovem príncipe Zhao Shi foi coroado imperador Duanzong de Sung. A Wikipédia faz questão de informar que Fuzhou fica na China, para evitar que alguém possa pensar que fica perto de Montes Claros, MG.
Em 1287, Kublai Khan derrota as forças de Nayan e outros príncipes tradicionais Borjigin no leste da Mongólia e Manchúria. Agora, uma notícia fresca: em 1821, Badi VII, rei de Sennar, entrega seu trono a Ismail Paxá, general do Império Otomano, encerrando a existência do Reino do Sudão.
Em 1965, Paulo VI cria a Diocese de Itabira, no que obrou muitíssimo bem. Consta que Giovanni Battista Enrico Antonio Maria Montini está para ser canonizado pelo papa Francisco. Hoje é o Dia Mundial do Doador de Sangue.
Ruminanças
“Onde anda a OAB que não defende a advogada especializada em matar porteiros e ex-companheiros?” (R. Manso Neto).
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