Vitor Gomes Pinto
Escritor, analista internacional
Estado de Minas: 14/06/2014
Sucessor indicado
pelo Generalíssimo Francisco Franco e empossado em novembro de 1945,
dois dias após a morte por causas naturais do ditador que ao longo de
três décadas comandara a Espanha, Juan Carlos I reinou até abdicar do
trono 39 anos e meio depois, em 2 de junho. Felipe VI de Borbón assume,
aos 45 anos de idade, um legado quase tão desafiador quanto o do pai,
que – nascido na Itália e criado em Portugal – à sua época teve a missão
de transformar o país em uma democracia, ao lado de Sofia, a confiável e
reservada aristocrata vinda da Grécia. Agora, a nova rainha é Letícia,
uma tranquila e plebeia divorciada, ex-âncora de TV e com um aborto
feito numa época em que a prática era proibida. O país tem uma longa
tradição monárquica, mas viveu dois períodos republicanos exemplares, um
em 1873 e 1874, outro mais recente, de 1931 a 1939, derrubado por
Franco na sangrenta guerra civil espanhola que deixou mais de meio
milhão de vítimas.
O legado da crise econômica, que se estendeu de 2008 a 2012, são os atuais 6 milhões de desempregados (26% da população ativa), mas este não é o único problema da nova Coroa. Talvez o maior deles seja manter a unidade nacional. A federação espanhola divide-se em 17 comunidades (estados) autônomas e duas delas – Catalunha (a mais rica, onde está Barcelona) e o País Basco – forçam a separação. O plebiscito catalão está marcado para 9 de novembro próximo. Em Bilbao, o ETA, sigla do movimento Euskadi Ta Askatasuna (Pátria Basca e Liberdade), em outubro de 2011, decidiu pelo fim definitivo da luta armada, mas reafirmou o direito basco à independência.
A grande discordância não é sobre o conteúdo democrático do regime e sim sobre a sua forma. Os espanhóis discutem se desejam uma monarquia como a sueca, uma república como a Síria ou continuam com sua atual estrutura de um “país europeu normal”, uma democracia parlamentar cujo atual presidente (equivale ao posto de primeiro-ministro) é Mariano Rajoy, do PP – Partido Popular, conservador. O cenário político não é favorável a qualquer dos partidos tradicionais. Nas últimas eleições nacionais, três anos atrás, o PP e o PSOE (centro-esquerda), 1º e 2º colocados, obtiveram os votos de apenas 53% dos eleitores. Quase todo mundo quer formar um novo partido, local ou nacional. Desde que os Indignados levaram 8 milhões de pessoas às ruas entre maio e dezembro de 2011, a cada dois dias um novo agrupamento pede sua inscrição à corte eleitoral. O recém-criado Podemos, que propõe nacionalizar os bancos, devolver ao sistema público os hospitais privatizados e reduzir os gastos militares, acaba de obter cinco cadeiras no Parlamento Europeu agora renovado.
A questão migratória é outra preocupação sempre latente. Os 197 mil estrangeiros que viviam na Espanha em 2008 transformaram-se nos 5,7 milhões de hoje. A maioria é do Leste Europeu, mas 19% vêm da África do Norte e subsaariana, forçando continuamente as barreiras em Celta e Melilla, onde, além das profundas valas divisórias, malhas “antitrepa” (redes metálicas para impedir os invasores de segurar e escalar) e a soldadesca lutam dia e noite contra hordas de invasores que fluem via Marrocos.
Juan Carlos só ganhou o respeito dos súditos quando em 1981 impediu o golpe de Estado orquestrado pelo tenente-coronel Antonio Tejero. Depois viu a Espanha consolidar-se economicamente, ao ponto de se tornar o segundo maior investidor na América Latina, região que visitou inúmeras vezes. Numa delas, durante cúpula iberoamericana em Santiago do Chile, irritado com Hugo Chávez que não cessava de interromper o discurso do então primeiro-ministro José Zapatero, gritou-lhe o famoso “por qué no te callas?”. Felipe VI, cuja posse ocorre dia 19 de junho, não tem carisma. É visto como um homem discreto, sério e bem preparado, sem participação nos escândalos em que se envolveram o genro do rei e outros membros da família real. A aposta é de que será um rei bem mais profissional, ou seja, exatamente aquilo que a Espanha atualmente mais necessita.
O legado da crise econômica, que se estendeu de 2008 a 2012, são os atuais 6 milhões de desempregados (26% da população ativa), mas este não é o único problema da nova Coroa. Talvez o maior deles seja manter a unidade nacional. A federação espanhola divide-se em 17 comunidades (estados) autônomas e duas delas – Catalunha (a mais rica, onde está Barcelona) e o País Basco – forçam a separação. O plebiscito catalão está marcado para 9 de novembro próximo. Em Bilbao, o ETA, sigla do movimento Euskadi Ta Askatasuna (Pátria Basca e Liberdade), em outubro de 2011, decidiu pelo fim definitivo da luta armada, mas reafirmou o direito basco à independência.
A grande discordância não é sobre o conteúdo democrático do regime e sim sobre a sua forma. Os espanhóis discutem se desejam uma monarquia como a sueca, uma república como a Síria ou continuam com sua atual estrutura de um “país europeu normal”, uma democracia parlamentar cujo atual presidente (equivale ao posto de primeiro-ministro) é Mariano Rajoy, do PP – Partido Popular, conservador. O cenário político não é favorável a qualquer dos partidos tradicionais. Nas últimas eleições nacionais, três anos atrás, o PP e o PSOE (centro-esquerda), 1º e 2º colocados, obtiveram os votos de apenas 53% dos eleitores. Quase todo mundo quer formar um novo partido, local ou nacional. Desde que os Indignados levaram 8 milhões de pessoas às ruas entre maio e dezembro de 2011, a cada dois dias um novo agrupamento pede sua inscrição à corte eleitoral. O recém-criado Podemos, que propõe nacionalizar os bancos, devolver ao sistema público os hospitais privatizados e reduzir os gastos militares, acaba de obter cinco cadeiras no Parlamento Europeu agora renovado.
A questão migratória é outra preocupação sempre latente. Os 197 mil estrangeiros que viviam na Espanha em 2008 transformaram-se nos 5,7 milhões de hoje. A maioria é do Leste Europeu, mas 19% vêm da África do Norte e subsaariana, forçando continuamente as barreiras em Celta e Melilla, onde, além das profundas valas divisórias, malhas “antitrepa” (redes metálicas para impedir os invasores de segurar e escalar) e a soldadesca lutam dia e noite contra hordas de invasores que fluem via Marrocos.
Juan Carlos só ganhou o respeito dos súditos quando em 1981 impediu o golpe de Estado orquestrado pelo tenente-coronel Antonio Tejero. Depois viu a Espanha consolidar-se economicamente, ao ponto de se tornar o segundo maior investidor na América Latina, região que visitou inúmeras vezes. Numa delas, durante cúpula iberoamericana em Santiago do Chile, irritado com Hugo Chávez que não cessava de interromper o discurso do então primeiro-ministro José Zapatero, gritou-lhe o famoso “por qué no te callas?”. Felipe VI, cuja posse ocorre dia 19 de junho, não tem carisma. É visto como um homem discreto, sério e bem preparado, sem participação nos escândalos em que se envolveram o genro do rei e outros membros da família real. A aposta é de que será um rei bem mais profissional, ou seja, exatamente aquilo que a Espanha atualmente mais necessita.
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