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quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Para pesquisador de Harvard, 'digital não ameaça bibliotecas' - Cassiano Elek Machado

folha de são paulo
Matthew Battles, diretor do metaLAB, abre ciclo sobre a literatura no tempo da internet
CASSIANO ELEK MACHADODE SÃO PAULOAinda moleque, o americano Matthew Battles estava jogando beisebol quando acertou a vidraça da biblioteca da cidadezinha onde vivia. Ao buscar a bola, o garoto de 12 anos encontrou filas e filas de prateleiras cheias de livros.
Seria possível dizer que Battles e as bibliotecas "viveram felizes para sempre", caso soubéssemos se bibliotecas como a de Petersburg viverão felizes para sempre.
É justamente sobre o futuro delas, as bibliotecas, especialidade de Battles, que o pesquisador fala hoje, no Rio.
Diretor do laboratório de cultura digital da Universidade Harvard (EUA), o metaLAB, Battles faz a palestra de abertura do seminário "Múltiplos e Contemporâneos: A Literatura.com", do Centro Cultural Banco do Brasil.
O ciclo, com curadoria das pesquisadoras Valéria Lamego e Cristiane Costa, terá outros quatro debates, até dezembro, com escritores, críticos literários e editores. A ideia é debater os desafios da literatura contemporânea diante das novas tecnologias.
Battles diz que não são poucos. "As novas mídias estão alterando completamente a maneira como escrevemos e experimentamos a leitura", diz ele à Folha.
"Um dos maiores efeitos disso é o caráter imediato que a escrita passou a ter. Pode vir a público, a um grande público, logo após ser concluída, sem passar por longos processos de edição."
Battles diz não ter dúvida nenhuma de que nunca se escreveu e leu tanto quanto nos tempos atuais. E o que será feito de tanta escrita?
"A efemeridade e o dinamismo da internet são enormes desafios para a preservação. Como preservaremos fenômenos que aparecem subitamente, florescem e morrem logo depois?", pergunta.
Autor de um livro chamado "A Conturbada História das Bibliotecas" (ed. Planeta, 2004), ele começou sua carreira trabalhando numa das bibliotecas de mais prestígio do mundo, a Widener, de Harvard, onde guardam as obras raras da instituição.
"Lá aprendi que os meios de escrever e publicar mudaram de forma radical na história, mas as bibliotecas continuam. O digital não será uma ameaça", diz Battles, que é consultor da Digital Public Library of America (www.dp.la), a maior biblioteca digital do mundo (onde bolas de beisebol não entram).

    domingo, 11 de agosto de 2013

    Entrevista Will Gompertz - Cassiano Elek

    folha de são paulo
    Um mar de tubarões
    Crítico traça guia para navegar por 150 anos de produção artística
    CASSIANO ELEK MACHADO
    RESUMO
    Autor de "Isso é Arte?", Will Gompertz afirma que os artistas nunca se guiaram tanto como agora pela relação com o dinheiro e diz que isso define a ausência de crítica quanto ao que se produz e exibe. Para o editor da BBC, falta ao grande público informação que permita ficar à vontade para avaliar a produção atual.
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    O cliente que pede "quero esta em azul" e que ouve o lojista responder "esta só vou ter bege", numa loja da cadeia Gap na 5ª Avenida, em Nova York, não tem como saber, mas naquela mesma esquina começou o maior terremoto da arte do século 20.
    Numa segunda-feira de início de abril, em 1917, outro cliente entrou no estabelecimento que então ocupava o número 118 da avenida, a tradicional loja de ferragens J.L. Mott e, daquela barafunda de maçanetas, pias e banheiras de ferro, saiu carregando no colo um mictório de porcelana branca.
    O nome do rapaz, claro, era Marcel Duchamp (1887-1968), e o tal urinol, igual aos que eram instalados em milhares de banheiros comuns, se converteria pouco depois na "obra de arte mais influente criada no século 20".
    As aspas são do inglês Will Gompertz, 47, editor de artes da emissora britânica BBC e ex-diretor da Tate Gallery, em Londres. E é com este episódio emblemático, do mictório que o artista francês transformou numa "escultura" chamada "Fonte", que ele abre o seu livro "Isso É Arte?" [Zahar, tradução Maria Luiza X. de A. Borges, R$ 59,90, 464 págs.], recém-lançado no Brasil.
    Pouco importa que Duchamp não tenha conseguido à época expor o urinol e que a peça "original" tenha se perdido. Até a concepção de "Fonte", era o meio (tela, madeira, papel, mármore) que ditava o modo como o artista trataria da realização de sua obra. "Duchamp queria inverter isso. Considerava o meio secundário: o primordial era a ideia", escreve.
    Gompertz não nos conta nada de revolucionário com isso. Há muitas décadas críticos e historiadores de arte de todo o mundo vêm mascando nervosamente esse momento de epifania artística. Mas não haveria outro começo para o livro que ele decidiu escrever.
    Ao longo de centenas de páginas, o autor se propõe a discutir a pergunta expressa no título, segundo ele bastante frequente a espectadores cada vez mais numerosos de mostras mundo afora --e a fonte da questão foi o urinol.
    O visitante do museu olha a cama desfeita e amarfanhada, com lençóis manchados (obra de 1998 da britânica Tracey Emin), ou o tubarão-tigre num aquário com formol (escultura de 1991 do também inglês Damien Hirst), coça o queixo e questiona: "Isso é arte?".
    O escritor peruano Mario Vargas Llosa responderia que não, como expressa com veemência em "A Civilização do Espetáculo" [Alfaguara, tradução Ivone Benedetti, R$ 34,90, 208 páginas], analisado no texto ao lado.
    Mas, para Gompertz, obras como o célebre tubarão de Hirst não só são arte como constituem grandes marcos do maior movimento em voga hoje, que ele ensaia batizar de "artetenimento" ou simplesmente de "empreendedorismo". O autor inglês, que virá ao Brasil pela primeira vez em setembro, como convidado da Bienal Internacional do Livro do Rio, conversou com a Folha por telefone sobre o cenário da mercantilização da arte.
    Folha - Em "Isso É Arte?" o sr. enfatiza os aspectos financeiros do universo artístico e toma o leilão promovido por Damien Hirst em 2008 como um marco de um "movimento" atual, o empreendedorismo. Por que tamanho destaque para essa mercantilização?
    Will Gompertz - É um encontro muito interessante o da arte com o dinheiro. Quase sempre foram sinônimo, como vimos no tempo dos Médici, em Florença, e na relação de Leonardo da Vinci com as cortes italianas. A novidade do momento que vivemos é que a relação entre dinheiro e arte ficou mais explícita, até um ponto, recente, no qual o artista virou literalmente um homem de negócios. Os artistas estão cumprindo a profecia de Andy Warhol de que a arte seria feita em fábricas. Artistas como Jeff Koons estabeleceram verdadeiras indústrias para elaborar obras para um mercado em crescimento constante. Antes abasteciam Europa e EUA, agora vendem para todo o planeta.
    Como a relação entre dinheiro e arte tende a afetar a qualidade da produção artística?
    Ela tem um efeito ruim para a arte em geral. Não acho que, de um ponto de vista histórico, a relação do artista com seus mecenas ou com homens de negócios tenha sido negativa. O impressionismo e o expressionismo abstrato, por exemplo, provavelmente não teriam sobrevivido sem o apoio inicial de agentes e outros investidores. Mas agora as coisas mudaram: o dinheiro assumiu um protagonismo inédito. E artistas gastam milhões de libras para produzirem objetos gigantescos e lustrosos, que parecem menos interessantes do que o que realizavam quando não tinham dinheiro algum.
    Por outro lado, o sr. aponta que nunca tantas pessoas frequentaram exposições de arte como agora. Esse movimento não pode funcionar como um antídoto para a "mercantilização" artística?
    É por isso que decidi escrever o livro. Há um grande público que precisa das informações históricas, para que possa decidir por conta própria o que acha que é boa ou má arte. Vivemos numa época em que nos é imposta a ideia de que tudo o que está em museus ou galerias é maravilhoso. Não há mais crítica a nada. Isso tem claramente relação com a mercantilização da arte e com todos esses museus que escolhem colecionadores milionários para serem conselheiros. Uma vez que o nome de um artista é estabelecido, não interessa a ninguém que seu valor de mercado seja afetado.
    Há, portanto, desonestidade e corrupção no sistema. Isso significa que nós, os espectadores de arte, nunca temos ajuda. Um filme de Woody Allen ou um livro de um escritor famoso pode ser bem ou mal avaliado. Na arte é tudo bom.
    O sr. faz um grande esforço para explicar por que centenas de artistas são realmente artistas, e não charlatões, mas não para mostrar que algum grande artista é um enganador. Por quê?
    Acho que os verdadeiros charlatões são alguns colecionadores. O artista faz suas obras, e esse é o papel que cabe a ele. Se o colecionador ganancioso decide comprá-las só porque o nome do artista é conhecido, ele é que é o enganador.
    Não existem obras de arte ruins que mereçam ser apontadas como tal?
    O que eu tento fazer no livro é guiar as pessoas para o que é bom, o que não significa afirmar, e é o que eu acho, que 99% da arte produzida hoje é ruim, da mesma forma que a maior parte dos livros, filmes ou peças recentes não são muito bons. Não creio que faça sentido escrever um livro sobre a arte que não é boa. Seria estimular as pessoas a verem o que é ruim. Quero ajudar as pessoas a fugirem do que é um lixo apontando obras que merecem seu tempo.
    No ensaio "O Pintor da Vida Moderna", de 1863, Charles Baudelaire dizia que "poucos homens são dotados da capacidade de ver". Após 150 anos, nós enxergamos melhor?
    Acho que não. Talvez ainda pior do que há 150 anos. Tornamo-nos obcecados por nós mesmos. É a geração "eu". Você vê pessoas andando nos parques olhando para seus celulares, sem nem conseguirem manter uma conversa com o vizinho. Hoje há muito pouca gente apta a enxergar a vida além de suas experiências mais pessoais. A objetividade parece ser uma ação em queda no mercado.
    A aproximação de multidões de pessoas à cultura da fotografia, com a difusão do digital e de aplicativos como o Instagram, não pode ajudar a educar o olhar?
    Acho que isso só faz as pessoas se interessarem cada vez mais por elas mesmas e pararem de prestar atenção no universo do outro.
    O sr. faz um trabalho de grande síntese, ao aglutinar 150 anos de arte. O sr. acredita que tenha conseguido acrescentar elementos novos à narrativa dessa história?
    Acho que a razão de existir do livro é olhar a arte moderna a partir do século 21. Muitos o fizeram no século 20, mas faltava uma visão nova. O realmente novo, entretanto, seria um olhar para o que aconteceu nesse período fora da Europa e dos EUA. O que acontecia na China, na África, na América da Sul, nas áreas ignoradas pelo "establishment"? Esse talvez seja o tema de meu próximo livro.
    Em sua história da arte, o sr. faz referências ao universo pop, como "Onde Está Wally?", Beyoncé, "Os Simpsons" e Susan Boyle. O sr. usou esses elementos a fim de atrair um público novo?
    Sim, eu considero essas referências muito importantes para meu trabalho. O que quero afirmar ao citá-los é que a arte não existe só dentro da bolha dos artistas. Ela reflete a vida cotidiana. Deveríamos nos sentir tão confortáveis com a arte quanto nos sentimos com "Os Simpsons".
    O sr. cita o Brasil em três ocasiões no seu livro, ao se referir ao Carnaval do Rio, a Brasília e ao artista contemporâneo Cildo Meireles. O sr. já esteve no país?
    Não, e estou ansioso para chegar aí para a Bienal do Livro do Rio. Cito Meireles porque, na minha opinião, é um dos melhores artistas do mundo. É um gênio. Também sou um grande fã de Helio Oiticica e de Caetano Veloso, um de meus cantores preferidos.
    Você tomou a decisão de não citar as fontes bibliográficas de sua pesquisa. Houve alguma obra central para a sua pesquisa?
    Não. Usei muitos catálogos de mostras individuais de artistas. Também consultei instituições de pesquisa, visitei acervos e falei com curadores e críticos. Foram fontes mais importantes do que livros gerais de história da arte.
    O sr. não menciona no livro diversos artistas contemporâneos destacados, como Anselm Kiefer, Gerhrad Richter, Anish Kapoor, Bill Viola. O sr. não acha que eles sejam de grande importância? Ou foi por uma questão de espaço?
    A estrutura do livro foi construída em torno das escolas de arte moderna, não dos artistas. Trato essencialmente dos artistas que estabeleceram esses movimentos. No universo do expressionismo, por exemplo, eu começo em Van Gogh, em 1880. Mas o expressionismo continua até hoje, com grandes artistas como Kiefer. Eu poderia ter feito um livro inteiro só sobre o expressionismo, ou sobre Picasso, mas, por conta do formato que escolhi, tive de deixar alguns autores icônicos de lado.
    É impressão ou o sr. gosta mais de Cézanne do que de Picasso?
    Essa é difícil. Os dois foram colossos. Foram mestres e gênios e não consigo pensar numa obra da qual eu goste mais do que a pintura "O Retrato de Gertrude Stein" (1906), de Picasso. Mas Cézanne foi mais consistente e inovador. Picasso não poderia ter acontecido sem Cézanne.

    sábado, 10 de agosto de 2013

    Cassiano Elek Machado - Filósofo debate 'revoluções morais' atuais

    folha de são paulo
    Britânico Kwame Anthony Appiah fala em São Paulo sobre grandes transformações recentes de condutas sociais
    Morte por honra no Paquistão e casamento gay nos EUA são temas de palestra do 'Fronteiras do Pensamento'
    CASSIANO ELEK MACHADODE SÃO PAULOAo final de uma resenha do "New York Times" sobre um livro de Kwame Anthony Appiah, o autor do texto afirmava "o detetive Appiah está trabalhando no caso mais difícil de todos: quem somos, moralmente falando, e como chegamos até o ponto atual?".
    É esta complexa pergunta que o teórico cultural inglês, de origem ganesa, vai tentar responder no palco de um teatro de São Paulo, na noite da próxima quarta-feira.
    Referência mundial em estudos sobre a moral, o professor da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, virá ao país para participar do ciclo de conferências "Fronteiras do Pensamento".
    "Pretendo tratar das revoluções morais que estão acontecendo neste momento, enquanto nós conversamos", adianta Appiah, 59, em entrevista à Folha por telefone, de Nova York, onde vive.
    A palestra "As Revoluções Morais do Século 21" retomará conceitos apresentados no livro mais recente de Appiah, tema da resenha citada, que o qualificou como "um dos filósofos mais relevantes da atualidade".
    "O Código de Honra" (Companhia das Letras, 2012, tradução de Denise Bottmann) trata de grandes mudanças de padrões morais, ou "revoluções morais", e de como questões relacionadas à honra são decisivas para tal.
    No livro, Appiah discute sobretudo revoluções do passado longínquo: o fim do costume chinês de amarrar os pés das meninas, para que não crescessem, ou a abolição da prática do duelo na Inglaterra, ambas no século 19.
    Na palestra, ele direciona o mesmo tipo de interpretação para fenômenos mais recentes, como a mudança de aceitação do casamento gay nos Estados Unidos.
    "Há 20 anos a maioria das pessoas no país diria que a ideia do casamento gay é totalmente ridícula. Hoje se você falar com jovens americanos, 70% deles vão defender sua aprovação."
    Para Appiah, as revoluções morais são mais locais do que globais. "Elas têm um padrão que faz com que as tendências globais caminhem numa direção, mas os ganhos das revoluções sejam colhidos localmente."
    Assim, em muitos países não se pode falar em "ganhos". Ele cita como exemplos países da África, como Uganda, Gana e Nigéria, e a "profusão de casos de homofobia" na Rússia.
    Questões ligadas a sexualidade e a gênero são predominantes nas análises de Appiah sobre o presente porque, nelas, diz ele, as pessoas tendem "a defender atitudes inconsistentes com suas posturas em geral".
    Outras áreas nas quais o "detetive" Appiah identifica mudanças de conduta de grandes proporções nas últimas décadas foram o sistema prisional dos Estados Unidos ("abaixo de qualquer padrão de direitos humanos"), a defesa dos direitos dos animais e o assassinato por honra em países como o Paquistão.
    "Muito recentemente grupos da sociedade civil começaram a obter avanços importantes e mudar a atitude das pessoas com relação a isso. Mais de 5000 mulheres vinham sendo mortas por ano."
    KWAME ANTHONY APPIAH - FRONTEIRAS DO PENSAMENTO
    QUANDO quarta-feira, às 20h30
    ONDE Teatro Geo - Complexo Cultural Ohtake (r. dos Coropés, 88, Pinheiros, São Paulo)
    QUANTO ingressos esgotados

      quarta-feira, 7 de agosto de 2013

      Cassiano Elek Machado

      folha de são paulo
      Hava Nagila, Hava Nagila, Hava Nagila
      Documentário americano que estreia amanhã no Brasil investiga tema judaico gravado por Elvis e pelo Anthrax
      CASSIANO ELEK MACHADODE SÃO PAULOEm um dado momento de seu primeiro show profissional em Nova York, em 1961, num extinto bar no Greenwich Village, Bob Dylan foi ao microfone e anunciou: "E agora uma canção estrangeira que aprendi em Utah".
      Nos 41 segundos seguintes, acompanhando-se de vigorosas batidas de violão e de ataques "bluesísticos" de gaita,ele entoou aquela que deve ser a versão mais peculiar já registrada de "Hava Nagila".
      E este não é, creia, um censo fácil de ser realizado.
      "Hava Nagila (O Filme)", documentário da norte-americana Roberta Grossman, mostra que poucos "produtos culturais" tiveram, em tão pouco tempo, tantas e tão variadas interpretações mundo afora quando a tradicional canção judaica.
      Um trio anônimo de belas violinistas na Estônia tocou; os bonecos dos Muppets e os personagens de "Os Simpsons" dançaram; a lenda do jazz Lionel Hampton, o rei do rock, Elvis Presley, e a primeira dama da salsa, Celia Cruz, já gravaram.
      Esses e outras dezenas de exemplos, incluindo "Talkin' Hava Negeilah Blues", de Dylan, estão no filme de Grossman, que será exibido pela primeira vez no Brasil amanhã, no Centro da Cultura Judaica, em São Paulo, como atração da 17ª edição do Festival de Cinema Judaico.
      Com 72 minutos de duração, o filme, concluído no ano passado, vai além, bem além, desta colagem de gravações idiossincráticas.
      "Cresci numa família judaica de Los Angeles e desde o útero de minha mãe ouvia Hava Nagila' em todas as festas que ia. Sabia que havia algo importante na música", conta àFolha, por telefone, a diretora do filme. "Mas então descobri que ninguém sabia nada a respeito dela."
      Teria cem ou mil anos? Alguém teria sentado e escrito a canção ou ela teria descido milagrosamente do alto do Monte Sinai? O que significaria a letra da música?
      Grossman passou três anos fuçando por respostas a perguntas como essas. E seu filme, veremos algumas páginas adiante, mostra que a "canção estrangeira" que Bob Dylan diz ter aprendido em Utah não vem exatamente do Meio-Oeste americano.
        Filme traça o curioso DNA 'Hava Nagila'
        Documentário americano 'Hava Nagila (O Filme)' narra como o tema religioso judaico virou um fenômeno pop
        Produção que será exibida em SP segue a canção desde o interior da Ucrânia até o desenho 'Os Simpsons'
        DE SÃO PAULO
        Quando concluiu seu filme anterior, um documentário dramático sobre a poeta húngara Hannah Senesh, morta pelos nazistas na Segunda Guerra, a americana Roberta Grossman ouviu um apelo da filha, então com dez anos. "Mamãe, será que da próxima vez você pode fazer um filme alegre?", disse.
        A documentarista matutou, matutou, até que achou um tema apto para atender ao pedido da menina. "Nada na minha vida parecia mais alegre do que Hava Nagila'", diz Grossman à Folha.
        Quando pesquisou o que dizia a canção descobriu que era isso que expressava. "Hava naguila/hava naguila/hava naguila/venis'mecha", início da letra, significa, em hebraico, "Alegremo-nos, alegremo-nos, alegremo-nos e sejamos felizes". Mas "Hava Nagila (O Filme)", documentário que Grossman fez sobre o tema (e que será exibido amanhã, às 20h30, no Centro da Cultura Judaica), mostra que nem sempre ele foi uma ode à alegria.
        Quando começa a empreender o "Havaquest" (a busca de Hava, como brinca no filme), ela descobriu que, em sua origem, a música, ainda sem letra, era murmurada lentamente numa sinagoga específica de um antigo assentamento judeu chamado de Sadagora, na Ucrânia.
        Grossman e sua câmera foram até lá. De "Hava Nagila" sobrou muito pouco.
        O filme conta que até o final do século 19 e começo do 20, cerca de 5 milhões de judeus viviam na região. Hoje ficaram as ruínas da tal sinagoga onde o rabino local Yisrael Friedman (1796-1850) conduzia cerimônias religiosas concorridas.
        Ele é um possível "compositor" da melodia base de "Hava Nagila", à época cantarolada como um "nigun", tipo de música em geral apenas murmurado, sem letra, muitas vezes como reza.
        No começo dos anos 1900, uma grande parte dos judeus da região emigrou para a região da Palestina.
        Foi em Jerusalém, não muitos anos depois, que o "Hava" ganhou sua voz atual.
        Segundo o documentário, o responsável pelo formato hoje conhecido da canção foi Abraham Zevi Idelsohn (1882-1938), etnologista que cunhou boa parte das versões em hebraico de canções tradicionais judaicas.
        HAVAPOLÊMICA
        Há quem discorde da versão. A família de Moshe Nathanson (1899-1981), por exemplo. Ouvidos no documentário, seus descendentes sustentam que é dele a letra de "Hava Nagila". Dá-se neste momento do filme aquilo que Grossman chama de "O Grande Havadebate". Ela ouve estudiosos, ouve a família de Idelsohn e a de Nathanson e... nada. Não há provas definitivas. Ainda que a versão corrente seja de que foi o Idelsohn o verdadeiro pai.
        Mas, independentemente do exame de paternidade, o tema se difundiu com extrema rapidez. Nos anos 1920, em Jerusalém, a canção já era conhecida como uma música tradicional.
        E, sustenta a dançarina Ayala Goren, que tinha 86 anos à época do filme, foi para acompanhá-la que criou-se a dança chamada de hora, executada em roda, e ainda presente em centenas de milhares de casamentos, mesmo de não judeus.
        Foi um deles, por sinal, quem transformou a música em ícone pop. Em 1959, o cantor, e ator afro-americano Harry Belafonte, hoje com 86 anos, gravou o tema num show no Carnegie Hall, em Nova York. "Foi o embaixador do Hava Nagila'", diz.
        Qual a versão mais estranha da música? "Toda versão que não tenha sido tocada por uma banda de casamento judaica", brinca Grossman, bem no tom de seu filme.
        O acento humorístico do documentário não faz dele uma piada.
        "O filme parece engraçado, talvez seja engraçado, mas quando você descasca algumas camadas descobre que há algo de sério nele", opina.
        Brasileiros buscam identidade em longas
        RODRIGO SALEMDE SÃO PAULO
        Limitar o cinema judaico à definição do próprio rótulo é como tentar espremer toda a arte cinematográfica em uma caixinha de fósforos.
        As chances de você ter ido a uma sala de exibição qualquer e visto um "filme judeu" são bem generosas, já que a indústria norte-americana é basicamente composta por grandes famílias judias.
        Mas há uma linha que pode ser separada nos dois documentários brasileiros que estão no 17º Festival de Cinema Judaico: ambos tentam encontrar uma raiz de certo modo vaga, etérea, fincada por seus parentes quando fugiram da ascensão de Hitler na Europa dos anos 1930.
        "Estamos Aqui", de Cintia Chamecki e Andrea Lerner, tenta compreender, por meio de depoimentos, como foi a imigração judaica do leste europeu, a escolha de algumas famílias pelo Brasil e como a cultura foi integrada por aqui, principalmente em Curitiba.
        Já "O Relógio do Meu Avô" mostra a busca do diretor Alex Levy Heller pelo relógio do avô húngaro, deixado na região da Transilvânia, onde hoje é a Romênia, antes do parente ser levado para o campo de concentração de Auschwitz.
        De forma requintada, Heller começa a caçada de maneira intimista, entrevistando familiares e conhecidos, e termina no encontro do cineasta com a própria identidade ao recriar os passos do avô pela Europa.

        domingo, 14 de julho de 2013

        Copa de literatura leva romances do país aos 'gramados'

        folha de são paulo
        Campeonato promove duelos 'futebolísticos' entre 16 livros de escritores como Daniel Galera e Luiz Ruffato
        Em sua quinta edição, torneio realizado pela internet vai incluir mesa redonda para debater jogos literários
        CASSIANO ELEK MACHADODE SÃO PAULO
        Será literalmente, ou ao menos literariamente, o campeonato mais importante dos últimos anos.
        Com pontapé inicial marcado para 13 de agosto e uma tabela que inclui mais de 20 partidas está de volta aos gramados da internet a Copa de Literatura Brasileira.
        Competição criada em 2007 pelo economista Lucas Murtinho, o torneio literário chega à quinta edição, depois de dois anos sem jogos.
        Desta vez estão em disputa 16 romances, publicados em 2011 e 2012. Tal como num campeonato esportivo, os livros "jogam" uns contra os outros, e o vencedor avança, até que saia o campeão.
        Ganha cada partida o romance que for considerado mais qualificado pelo crítico designado para apitar os jogos.
        O juiz explica, em resenhas publicadas no site do torneio,www.copadeliteratura.com.br, os motivos da vitória, valendo-se das quase infinitas metáforas futebolísticas.
        O corpo de jurados, responsável pela escolha dos romances em disputa, é composto por 23 juízes entre escritores, professores de universidades de diversos Estados e blogueiros.
        Entre eles estão o criador da Copa, Murtinho, e os dois outros integrantes da comissão organizadora deste ano, a jornalista e editora Lu Thomé e o crítico e tradutor Raphael Dyxklay.
        Thomé também foi a organizadora, em parceria com o editor Rodrigo Rosp (que dirige duas pequenas e boas editoras de Porto Alegre, a Não Editora e a Dublinense), de um campeonato regional de literatura (o equivalente aos Estaduais de futebol).
        O Gauchão de Literatura teve duas edições, em 2010 e em 2011, que terminou com vitória do livro "Anjo das Ondas", do premiado escritor gaúcho João Gilberto Noll.
        Outro romance do escritor, "Solidão Continental", participa da Copa de Literatura Brasileira deste ano. O livro enfrenta na primeira rodada (jogo duro) a obra "O Céu dos Suicidas", escrita pelo campeão da quarta edição do torneio nacional, Ricardo Lísias.
        BOLA CHEIA
        O romance de Lísias "Livro dos Mandarins" protagonizou uma das maiores goleadas da história da Copa, ao bater por 13 a 2 "O Filho da Mãe", de Bernardo Carvalho.
        Números tão expressivos de gols só se vê nas finais. Se nas primeiras fases os livros são julgados por um só crítico, no estilo "mata-mata", na final votam todos.
        O campeão não recebe nem troféu nem dinheiro. "Só ganha o direito de bater no peito e dizer que é copeiro", brinca Murtinho.
        Ele anuncia algumas novidades para a edição deste ano. "Haverá rodadas extras, uma de repescagem e outra chamada zombie round', para permitir nova chance aos livros que perderam na primeira fase."
        O torneio também passa a contar com "mesas redondas" para comentar os jogos, com posts produzidos pelo site literário Posfácio (www.posfacio.com.br).
        As novas atrações foram inspiradas no campeonato Tournament of Books, realizado na Inglaterra e "fonte" da Copa.
        Tal como na disputa britânica, o evento brasileiro conta este ano com alguns jurados internacionais. São eles o dinamarquês radicado no Brasil Karl Erik Schøllhammer, professor de literatura na PUC do Rio de Janeiro e autor de livros como "Ficção Contemporânea Brasileira" (ed. Record), e o escritor mexicano Juan Pablo Villalobos.
        Autor do premiado romance "Festa no Covil" (Companhia das Letras), Villalobos, que atualmente vive em Campinas (SP), celebra o formato do campeonato: "Combina minhas duas grandes paixões, o futebol e a literatura".
        "Gosto da ideia de exercer uma crítica literária com critérios futebolísticos, o que pretendo levar até as últimas consequências", brinca o escritor, atração da recente edição da Flip.
        "A ideia de que tenha de haver um ganhador, de que os jogos sejam disputados com muita raça, que haja polêmica, injustiças e roubos, tudo isso é maravilhoso", completa o juiz Villalobos.
        Na Inglaterra, o campeão ganha galo de verdade
        DE SÃO PAULO
        Campeonato que inspirou a Copa de Literatura Brasileira, o britânico Tournament of Books (ToB) realizou sua nona edição em março. O romance vencedor foi "The Orphan Master's Son", do americano Adam Johnson, lançado aqui como "Jun Do" (ed. Lafonte). Na final, goleou "A Culpa é das Estrelas" (Intrínseca), do conterrâneo John Green.
        Criado pelo escritor Rosecrans Baldwin, que edita a aclamada revista digital "The Morning News", o ToB já inspirou copas similares na Austrália e no Canadá.
        Autores de prestígio, como Nick Hornby e Junot Díaz já foram jurados do torneio, hoje patrocinado pela livraria Barnes & Noble.
        O regulamento diz que o vencedor ganha um galo, de verdade. "É pena que nenhum campeão aceitou receber o prêmio", diz Baldwin à Folha.
        No Peru, briga envolve autores mascarados
        DE SÃO PAULONa primeira rodada, o Dr. Demente subirá ao ringue para enfrentar a Dama Coppelius. Já o "lutador" Nox terá de medir forças com El Mago del Miedo.
        Eles são alguns dos 32 competidores do LuchaLibro, campeonato literário realizado anualmente no Peru.
        Os participantes deste ano, cada um deles ostentando uma máscara de luta livre mexicana diferente, foram apresentados ontem num evento para a imprensa em Lima.
        O inusual evento, que mistura improvisação literária com o universo da luta livre, foi criado em 2011 pelo publicitário e escritor Christopher Vásqueze e por sua mulher, a produtora Angie Silva.
        Se a Copa da Literatura Brasileira é realizada entre livros de autores já experientes, no LuchaLibro só participam escritores inéditos. "Nosso objetivo é romper com a literatura pomposa e solene e revelar novos autores", diz à Folha Angie Silva.
        O formato de todas as lutas é igual. Os dois competidores de cada batalha recebem três palavras, sorteadas na hora, e têm cinco minutos para escreverem um relato de ficção na qual elas apareçam.
        A plateia acompanha ao vivo. Ao passo que são escritos, num notebook, os textos são projetados num telão.
        Os jurados, entre eles escritores e jornalistas conhecidos no país, como Enrique Planas e Elda Cantú, escolhem o vencedor. O perdedor, tal como na luta livre, tira a máscara diante do público.
        O campeão (o de 2012 foi "Ruido Blanco") ganha como prêmio o direito de publicar um livro pela editora que patrocina o evento, a Solar.
        "Ele só mostra o rosto numa apresentação para a imprensa, na Feira do Livro de Lima", explica Silva.
        Em sua terceira edição, a ser realizada de agosto a outubro com patrocínio da Prefeitura de Lima, os competidores foram escolhidos entre 200 inscritos no torneio.
        O LuchaLibro também já ganhou uma versão internacional, em Tenerife, na Espanha. "Quem sabe não achamos um parceiro no Brasil", desafia Silva.

          terça-feira, 2 de julho de 2013

          Livro sobre jornal que combateu Hitler é tema de debate em SP

          folha de são paulo
          Obra de Silvia Bittencourt narra resistência de diário a nazista
          DE SÃO PAULOAdolf Hitler mal era conhecido em sua cidade quando, em 1920, um jornal chamado "Münchener Post" já chamava atenção para o perigo que aquele homem representava.
          Inimigo feroz do líder nazista por anos, o diário de Munique tem sua trajetória retomada, pela primeira vez no mundo, num livro da jornalista Silvia Bittencourt.
          "A Cozinha Venenosa - Um Jornal Contra Hitler" (editora Três Estrelas) será lançado hoje, em debate dela com o jornalista Manuel da Costa Pinto, na livraria Martins Fontes, em São Paulo.
          Fruto de três anos de trabalho de Bittencourt, baseado em pesquisas na Alemanha e em entrevistas com familiares dos jornalistas do "Post", a obra narra com detalhes a ascensão de Hitler e a resistência, classificada por muitos como "heroica", do jornal.
          Por conta dela, Hitler se referia ao "Post" como "cozinha venenosa" ou como "Münchener Pest".
          O jornal não fazia por menos. Divulgava os planos do ditador (foi o primeiro a mencionar a "solução final da questão judaica", no início de 1923) e o atacava com vigor, classificando-o como "o bacilo venenoso mais perigoso que o corpo do povo vem carregando consigo".
          Cerca de 40 dias após tomar o poder, em 1933, Hitler ordenou que tropas da SA destruíssem o jornal, encerrando 13 anos de resistência.

            quinta-feira, 27 de junho de 2013

            'Revoltas de junho' vêm do vácuo da oposição, aponta livro

            folha de são paulo
            CASSIANO ELEK MACHADO
            DE SÃO PAULO

            Segundo os cálculos do professor de filosofia Marcos Nobre, 48, nos últimos dez dias ele dormiu um total de 40 horas. No resto do tempo, ele escreveu um livro.
            "Choque de Democracia" é a primeira obra publicada sobre o que ele chama de "as revoltas de junho", os movimentos de rua que continuam acontecendo pelo país.
            O trabalho inaugura um novo gênero editorial no país. Aquilo que os americanos chamam de "instant books", livros feitos em tempo recorde para tratar de um fato de grande destaque na sociedade, já existia, mas o trabalho de Nobre abre a série dos "instant e-books".
            A obra sairá só em formato eletrônico, à venda nas principais livrarias virtuais, como Amazon, Kobo e Apple Store, a partir de hoje.
            Ela inaugura o selo de "instant e-books" (obras sobre temas "do momento", lançados só em versão eletrônica) da editora Companhia das Letras, o Breve Companhia.
            "Choque de Democracia" é, como ilustra seu subtítulo, "Razões da Revolta", um ensaio que analisa como a história política recente do país levou, ou ajudou a levar, aos protestos recentes.
            Um dos termos centrais do texto, que tem extensão de 35 páginas, é "pemedebismo", conceito cunhado por Nobre há alguns anos.
            Embora a palavra, que se refere ao arranjo institucional para a manutenção do poder, tenha sido batizada em homenagem ao PMDB, pioneiro dessa cultura política, ela é aplicável a qualquer partido.
            É esse, por sinal, um dos grandes problemas do país na visão do autor.
            ATÔNITO
            Nobre, professor da Unicamp e pesquisador do centro de estudos Cebrap, defende que é contra o "pemedebismo" que se articularam as manifestações de rua.
            Não à toa, o sistema político ficou, nas palavras dele, "atônito" com os protestos. "Não entendeu nem podia entender o que acontecia. Ao longo de 20 anos, esse sistema cuidou tão bem de se blindar contra a força das ruas que não podia entender como as ruas o tinham invadido com tanta sem cerimônia", escreve.
            Os "20 anos" se referem às decorrências de outra onda de manifestações populares, a dos caras-pintadas, em 1992. "As ações do 'Fora Collor' e a ideia de que seria possível tirar um presidente levaram o sistema político ao pânico", diz Nobre à Folha.
            "Inventou-se nesse momento a ideia de que o presidente só se mantém no poder se houver supermaioria parlamentar."
            Para ele, esse processo (elemento central da "pemedebização") atravessou as duas últimas décadas no país, com um breve intervalo no início do governo Lula.
            "O PT hesitou em embarcar nisso, mas, depois do mensalão, Lula chamou todo o PMDB ao governo. Um marco disso foi a defesa que ele fez de Sarney em 2009." Nobre crê que foi nesse ponto que o sistema político começou a "girar em falso".
            Se no governo de Fernando Henrique Cardoso havia, ele argumenta, uma oposição estruturada, a conduzida pelo PT, daí por diante ela se extinguiu. "A oposição terminou em 2009", afirma. "Aí o 'pemedebismo' toma o sistema todo. A oposição migra para a situação."
            Essa ausência estaria no coração das "revoltas de junho". "Quando há uma oposição organizada, o governo é forçado a ter unidade, porque, quando os opositores começam a fazer críticas, as diferenças internas da situação têm de se acertar. Não há mais isso no Brasil."
            DESCOMPASSO
            O professor de filosofia diz que esse processo coincide com o do crescimento da internet no país, da popularização das redes sociais e o amadurecimento da sociedade.
            "O sistema político está em descompasso com o grau que a democracia já atingiu na sociedade brasileira." É a esse choque que o autor se refere no título (alusão irônica a outros "choques").
            "Que a faísca das "revoltas de junho" esteja associada ao transporte público, "exemplar em ineficiência, má qualidade e preço exorbitante", não é o fator fundamental.
            "Junho de 2013 carrega uma multidão de reivindicações, frustrações e aspirações", diz Nobre, que afirma ter ido a diversas passeatas.
            Ele sustenta no livro que é marcante que uma parte expressiva dos manifestantes tenha crescido sem formação política. "Quem nasceu da década de 1990 em diante, por exemplo, não assistiu a qualquer polarização política real", escreve.
            As "revoltas de junho" representariam, para ele, um "aprendizado democrático fundamental" de como se manifestar. "Espero que delas surja uma frente 'antipemedebismo'", manifesta-se.
            CHOQUE DE DEMOCRACIA
            AUTOR Marcos Nobre
            EDITORA Companhia das Letras
            QUANTO R$ 4,99 (e-book)

            sábado, 22 de junho de 2013

            Nenhum partido vai ganhar com protestos, afirma FHC

            Folha de São Paulo
            CASSIANO ELEK MACHADO
            DE SÃO PAULO

            A trilha sonora na sala do apartamento do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, no final da tarde de quinta-feira, era composta por sirenes de carros e pelo barulho dos helicópteros que passavam a caminho dos protestos na avenida Paulista.
            "As passeatas vão ser grandes?", perguntou à Folha. Aos 82 anos, completados na semana passada, o presidente está lançando o livro "Pensadores Que Inventaram o Brasil" (Companhia das Letras), sobre intelectuais que elaboraram grandes teorias sobre o país. Mas ele diz que nenhum teórico do passado poderia entender o que acontece hoje nas ruas.
            Mais do que isso, ele acredita que os políticos não têm condições de compreender a "insatisfação genérica" da população e nem de capitalizá-la. "Tenho dúvidas se os partidos vão ter capacidade de captar tudo isso e transformar ao menos sua mensagem", diz Cardoso. Leia a seguir trechos da entrevista.
            *
            O sr. acaba de lançar um livro sobre intelectuais que fizeram grandes interpretações do Brasil. Como estes pensadores podem ajudar a entender o que está acontecendo no país?
            Fernando Henrique Cardoso - Eles não entenderiam e nem poderiam entender. Vivíamos num mundo das classes organizadas, ou desorganizadas querendo se organizar. Estas são manifestações que não são expressões de camadas organizadas. A primeira manifestação disso que eu vi foi em Paris em 1968. E isso ainda sem a internet.
            Qual a maior mudança?
            Muda muito. Aquele era um movimento a favor da autonomia e da liberdade. Na França, em 1968, eles não tinham linguagem para expressar o sentimento que tinham. Ou era foice e martelo, ou bandeira negra, e cantavam a "Internacional Socialista", que diz "De pé, ó famintos da terra". Não tinha faminto nenhum ali. Mas a França tinha sindicatos, partidos, organização. Agora, com a internet, e com a fragmentação maior de classes, é diferente. O comando é quase inexistente, vai se formar na rua. As demandas são muitas, o pretexto pode ser qualquer um. Esta situação me lembra um ensaio meu dos anos 1970 chamado "A teoria do curto-circuito".
            Vivemos um curto-circuito?
            Sim. O preço de ônibus foi um estopim. Ali está desencapado um fio. Mas aí pega fogo em outros. Não foi a classe dominada. Foram os jovens. São eles que estão gritando aí. Não foram os que não podem pagar. Estão gritando contra a injustiça em geral, vagamente. Juntam tudo: PEC 37, a corrupção, o custo dos estádios, dos transporte.
            Qual o papel dos últimos governos nisso?
            Nesses últimos anos, com a ascensão do Lula, o que ele propôs como ideologia? Vamos consumir o que é bom. Não é por que eu uso um macacão que não posso ter um automóvel. Criou um estilo de crescimento que é o oposto da China. Lá fazem poupança e investem. Aqui, consome-se sem investir. A rua está dizendo: não basta o consumo, quero mais. Não há razão objetiva. Não tem desemprego, ditadura ou opressão. Não é mundo árabe, Espanha ou Itália.
            A Espanha e a Itália estão vivendo uma grande crise de representação política...
            Aqui também. As pessoas não identificam nas instituições os canais que as levem ao que eles querem. Nenhum destes movimentos recentes gerou novas institucionalidades. O apelo do movimento aqui não é a ninguém. No mundo árabe querem derrubar o governo. Aqui não.
            Vivemos algo próximo do que passou nas periferias de Paris em 2005?
            Lá teve segregação racial e religiosa. Aqui não é isso. Quem está na rua não é a periferia. Aqui está todo mundo na rua. Não são sindicatos, não são grupos de trabalhadores organizados. Há uma insatisfação genérica.
            Por que a insatisfação?
            Porque a vida é pesada nas grandes cidades. Há sofrimento com o transporte, a poluição, a segurança. São problemas que afetam a todas as classes. O pobre leva duas horas no ônibus sofrendo. O rico fica irritado porque fica uma hora no carro. O rico está cercado de guardas. O pobre não tem guarda nenhum, mas os dois estão com medo.
            Os governos recentes agravaram muito isso ao estimularem o consumo de carro. E deixaram a bomba na mão dos prefeitos. Mais carro e crédito. Talvez tenha aí também o começo da inflação e do esgotamento do crédito, agindo por baixo disso tudo. Mas o foco é um mal estar inespecífico. Não acho que qualquer partido possa, deva ou consiga capitalizar o movimento.
            O sr. acredita que este movimento vai mudar a maneira de fazer política?
            Alguma mudança ocasiona, mas não sei se os partidos vão ter capilaridade para sentir tudo isso e transformar ao menos sua mensagem e a ligação com fenômenos como as mídias sociais.
            O sr. mencionou em entrevista recente que tinha dúvidas se as interações em mídias sociais poderiam ser concretizadas em ações políticas. Como avalia isso agora?
            Não estamos vendo ações propriamente políticas. O grande teórico disso é o sociólogo espanhol Manuel Castells. Diz que a conexão entre redes e vida institucional não se processou, e ele tem dúvidas se vai se processar. Nenhum partido no Brasil tem ligação com isso. Os manifestantes não se sentem representados pelos partidos e nem sei se querem.
            Como o sr. viu a imagem do Fernando Haddad junto com Geraldo Alckmin?
            Acho compreensível. São símbolos do que está aí. É como a vaia da Dilma.
            Lula também foi vaiado na abertura dos Jogos Pan-Americanos...
            Mas foi diferente. No caso da Dilma, o que surpreende não é a vaia, mas a duração dela. Ao citar nome de autoridade em estádio é normal que haja vaia. Mas vaiaram muito tempo. Não sei se é contra a Dilma, em si, mas é contra o que está aí.
            Há um desencantamento?
            Sim. As pessoas melhoraram de vida, mas o governo é tão propagandista de uma maravilha virtual que há desencantamento. Este governo é tão favorável à propaganda que todos os nomes de programas de governo são "marketagem": "Minha Casa, Minha Vida", "Minha Casa Melhor". Criaram uma camada virtual de bem-estar que agora o pessoal questiona. Não sei se há desencantamento, mas há um descolamento. O dia a dia é mais duro do que o que o governo diz. Não há desemprego, mas não houve melhoria na qualidade do emprego, então a renda, mesmo com as melhorias, é pequena, insuficiente para fazer frente ao consumismo propagado. Por isso as pessoas entram no crédito. O governo está dando mais crédito, mais crédito, e endividando os bancos públicos. O que foi correto na crise virou política permanente.
            E a crise de crédito vai estourar antes ou depois da eleição de 2014?
            Quem sabe. Quem sabe...
            Alguns cientistas políticos defendem que quando a oposição é fraca a saída é ir para as ruas. O sr. concorda que há um vazio na oposição?
            Não há vazio. Basta assistir a TV Senado. A oposição é violenta o tempo todo. Só que morre ali. Não passa para a sociedade, não tem eco. Houve uma "parlamentarização" da vida política. Além disso, o governo fechou o debate. A Lei da Reforma do Petróleo não foi discutida por ninguém. A Dilma mudou a Lei da Mineração e ninguém sabe disso. E como este Congresso ficou fechado em si mesmo não temos mais regime de coalização. Agora é República Velha: governo e oposição. Não foi a oposição que diminuiu, foi tudo junto. A rua, nisso, pode ser que tenha ganho.
            Mas existe uma possibilidade dos próprios partidos se reinventarem ou surgirão novos atores?
            Espero que se reinventem. Mas os partidos precisam reestabelecer vínculos com a população. Para começar, têm de falar o que a população fala. Falei sobre drogas. Nenhum partido fala. Este é um tema real. O que são os temas reais? Um é o transporte. Outro é o direito do consumidor. Eu preferiria, talvez porque sou antigo, que existissem partidos capazes de captar e dialogar com estes problemas. Onde é que está o debate no Brasil? Na mídia, e só. E o governo ataca quem? A mídia.
            E a mídia social cumpre um papel importante para o debate?
            Para o debate, eu não sei. Para a mobilização, não tenho dúvida.
            O sr. acompanha o Twitter, o Facebook e outras mídias sociais?
            Twitter não. Facebook, um pouco. E alguns blogs. Não tenho tempo para acompanhar.
            O sr. brinca em seu livro que desistiu de escrever o livro "Grande Indústria & Favela". Ao que pretende se dedicar agora?
            Desde que saí da presidência publiquei seis livros em dez anos. Um deles, escrevi em inglês, o "The Accidental President of Brazil", que agora vou traduzir e lançar aqui no fim do ano. Mas o que ainda tenho de fazer? Ter, não tenho que fazer mais nada. Tenho 82 anos. Sendo generoso comigo mesmo terei mais cinco anos úteis. Depois, cansa. Anotei, quando estava na Presidência, quase todos os dias as coisas que achava. Tenho de deixar isso preparado para uma edição post-mortem. São umas 15 mil páginas. O único projeto que tenho no momento é este, que já retomei. Não penso em fazer outros livros.
            Em seu livro recente, "Pensadores Que Inventaram o Brasil", o sr. trata de grandes retratos do Brasil. Por que não se faz mais interpretações gerais do país?
            Como disse um rapaz que não conheço pessoalmente, o Marcos Nobre, este tipo de interpretação não cabe mais. Por trás destes livros, havia um projeto de nação. Estavam todos tentando ver como se fazia disso aqui uma nação. Hoje ninguém duvida: isto aqui é uma nação. Já não tem tanto uma obsessão sobre quem somos, por que somos. Nós somos. Estamos nas ruas, mas somos.
            Já se sabe que no Brasil o Estado vai ser sempre importante, que o mercado vai ser sempre importante e que a sociedade civil é crescentemente importante. Já não tem dúvidas sobre quem será o propulsor.
            Mas em um dos textos incluídos no livro o sr. fala que faz falta este tipo de livro panorâmico sobre o país...
            Falei isso numa de 1993, há 20 anos. Até ali, ainda havia a ideia do projeto da nação. Era uma visão de um alguém iluminado que propõe a nação. Isso é antigo. O país já está aí e ninguém vai propor. Ele se faz e vai se fazendo. Não acho que seja cabível mais este tipo de grandes interpretações. A nação se diversificou muito e a universidade hoje estuda muito mais do que no passado muitas coisas.
            O sr. está às vésperas de voltar a disputar uma eleição, depois de muito tempo. Vai concorrer na semana que vem a uma cadeira da Academia Brasileira de Letras. Por que o sr. decidiu concorrer?
            Há muito tempo eu resistia aos convites. Primeiro porque não sou literato, até que me convenceram que a Academia não era só para escritores. Ainda assim não queria, para não politizar. Agora estou longe do poder há tanto tempo, e todo mundo sabe que não quero mais o poder, que resolvi aceitar concorrer.
            O sr. vai participar hoje nas manifestações?
            Não (risos). Talvez eu vá até a rua. Mas não dá mais para ir a manifestações. Seria mal interpretado imediatamente.
            Tucano reúne ensaios sobre autores que o influenciaram
            DE SÃO PAULOSexto livro lançado por Fernando Henrique Cardoso desde que ele deixou a Presidência, o volume "Pensadores Que Inventaram o Brasil" (Companhia das Letras) reúne textos feitos entre 1978 e março do ano passado.
            Os 18 ensaios do livro tratam de velhos conhecidos de Cardoso, o sociólogo.
            São antigos professores seus, como o sociólogo Florestan Fernandes (1920-1995), amigos, como o historiador Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), ou autores de seu cânone pessoal, como o político e diplomata Joaquim Nabuco (1849-1910).
            Em comum, todos publicaram livros que propõem grandes leituras do que é (ou foi) o Brasil, como "Casa Grande & Senzala", de Gilberto Freyre (1900-1987), e "Formação Econômica do Brasil", de Celso Furtado (1920-2004).
            O único texto inédito, feito para o livro, aborda a obra do historiador e sociólogo Raymundo Faoro (1925-2003), autor de "Os Donos do Poder". "Não é um livro pretensioso", sintetiza. "É um volume onde junto textos sobre autores que me influenciaram."
              Para ex-presidente, país já não se satisfaz apenas com consumo
              Governo adota um modelo 'anti-China', de estímulo ao gasto das famílias sem que haja investimento, diz FHC
              Na avaliação do tucano, redes sociais têm papel importante para a mobilização, mas não fomentam debate
              DE SÃO PAULO
              Para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso um dos motivos centrais que levaram aos protestos populares das últimas semanas é um fator que ele batizou com o codinome "anti-China".
              "Desde o governo Lula estamos vivendo um estilo de crescimento que é o oposto ao dos chineses. Lá fazem poupança e investem. Aqui consome-se sem investir. A rua está dizendo: não basta o consumo, quero mais."
              Cardoso chama a atenção para o fato de que no Brasil não há ditadura e opressão, como no chamado mundo árabe, nem desemprego, como na Europa.
              "Só dividimos com países como Espanha e Itália a crise de representação política."
              Ele acredita que os partidos estão falando sozinhos.
              "Não é que falte oposição. Basta assistir a TV Senado. A oposição é violenta o tempo todo. Só que morre ali. Não passa para a sociedade."
              O Congresso ficou, segundo ele, ensimesmado, de modo que não há mais partidos que escapem ao roteiro de ser ou governo ou oposição. "Vivemos algo semelhante à República Velha: só há governo e oposição. Não foi a oposição que diminuiu, o espaço público encolheu. A rua, nisso, pode ser que tenha ganho."
              A crise partidária seria potencializada por uma estratégia do governo Dilma de "desestímulo dos debates públicos"."A Lei da Reforma do Petróleo não foi discutida por ninguém. A Dilma mudou a Lei da Mineração e ninguém sabe disso."
              Segundo o ex-presidente, o único espaço para algum debate é a mídia tradicional, mas, para ele, o governo ataca a mídia por achar que ela está fazendo oposição.
              As mídias sociais, na visão dele, não assumiram um papel importante de debate, apesar de terem sido fundamentais para a mobilização das manifestações.
              Cardoso diz que nunca olha o Twitter ("Não tenho tempo, isto é uma atividade que vira full time'") e que olha muito raramente o Facebook e alguns blogs.
              Concluído o livro "Pensadores Que Inventaram o Brasil", Cardoso se lançou recentemente a um dos seus maiores projetos pessoais.
              Durante os anos em que foi presidente, escreveu ou gravou reflexões diárias sobre a experiência. "São mais de 15 mil páginas, que estou começando a organizar, para que seja feita uma edição post-mortem", afirma ele.
              Embora não tenha projeto de escrever nenhum novo livro -- no volume recém-lançado ele brinca que pensou em escrever um chamado "Grande Indústria & Favela"--, acompanhará agora a tradução de uma obra que fez em inglês e que sairá no Brasil no final do ano: "The Accidental President of Brazil".
              De resto, na semana que vem o ex-presidente deve enfrentar a primeira eleição em muito tempo. Concorrerá a uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. "Sempre recusei os convites, mas agora estou longe do poder há tanto tempo, e todo mundo sabe que não quero mais o poder, que resolvi concorrer."

              Livro conta história do jornal 'Münchener Post', maior oponente de Hitler na imprensa

              folha de são paulo
              CASSIANO ELEK MACHADO
              DE SÃO PAULO

              De todos os bilhões de folhas de papel jornal gastas ao longo da história para tratar de Adolf Hitler, as primeiríssimas saíram da gráfica de um jornalzinho chamado "Münchener Post".
              Numa sexta-feira de maio de 1920, uma nota da seção "Assuntos de Munique" registrava: "Uma espécie de partido, que ainda anda de fraldas e aparenta ter saúde bem fraca, vem aparecendo às vezes em público, sob o nome de 'Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães'. Na terça-feira à noite, um senhor chamado Hitler falou sobre o programa desse 'partido'".
              A reportagem informava que o tal senhor "pregou o antissemitismo nos moldes nacionalistas".
              Reprodução
              Charge compara derrota nas urnas de Hitler a golpe frustrado: "Adolf de quatro novamente!"
              Charge compara derrota nas urnas de Hitler a golpe frustrado: "Adolf de quatro novamente!"
              Mais do que pioneiro em farejar que era preciso ficar de olho no rapaz de bigode curto e fala inflamada, o "Post" converteu-se logo em seu mais encarniçado inimigo na imprensa alemã.
              Num livro importante sobre o fenômeno nazista, "Para Entender Hitler" (Record, 2002), o jornalista norte-americano Ron Rosenbaum opina: "A batalha travada entre Hitler e os corajosos repórteres do 'Post' é um dos grandes dramas nunca relatados da história do jornalismo".
              Uma jornalista brasileira radicada na Alemanha desde 1991 resolveu a questão. Em "A Cozinha Venenosa - Um Jornal Contra Hitler", livro que acaba de ser lançado aqui, Silvia Bittencourt, 49, conta pela primeira vez a história.
              Fruto de três anos de trabalho, o volume, lançado pela editora Três Estrelas (do Grupo Folha), conta em minúcias as batalhas, que transcenderam as palavras, entre o diário e os nazistas.
              Segundo Bittencourt, e a julgar pelo que relata Rosenbaum, não há nem na Alemanha livros sobre o "Post".
              "Aqui ninguém conhece o 'Münchener Post', nem mesmo os políticos sociais-democratas atuais", diz a autora, em referência ao partido político alemão que criou o jornal, no final dos anos 1880.
              ASCENSÃO
              A pesquisa de Bittencourt se desenvolveu em especial em arquivos e bibliotecas de Munique, cidade na qual o austríaco Adolf (1889-1945) se estabeleceu em 1913.
              Depois de ter lutado na Primeira Guerra Mundial, entre 1914 e 1918, o até então artista frustrado encontra nos fundos de uma cervejaria no centro da cidade, em 1919, uma reunião de um pequeno partido trabalhador, onde começaria sua trajetória.
              "De um desocupado, sem formação ou profissão alguma, Hitler se tornou, em poucos meses, uma estrela em Munique", diz Bittencourt.
              Ao contar a trajetória do "Münchener Post", ela narra em detalhes a ascensão de Hitler e do partido, que saltou dos 200 filiados do final de 1919 aos 4 milhões de membros em 30 de janeiro de 1933, quando Hitler foi nomeado chanceler alemão.
              O "Post" não duraria então mais do que 40 dias. Embora já tivesse sobrevivido a incontáveis atentados nazistas, o de 9 de março foi o final.
              "Destroçaram os equipamentos de produção do jornal, como os linotipos. Colocaram barras de ferro nas engrenagens das prensas rotativas, a fim de impedir que elas voltassem a ser usadas, e lançaram os grandes barris de tinta de impressão sobre as calçadas", relata a autora.
              O pequeno grupo de jornalistas que produzia o diário, que à época tinha dez páginas diárias e modestos 15 mil exemplares, não estava na Redação. Quase todos escaparam, um deles cruzando os Alpes a pé. Outros não tiveram a mesma sorte.
              Divulgação
              A autora Silvia Bittencourt, que lança "A Cozinha Venenosa"
              A autora Silvia Bittencourt, que lança "A Cozinha Venenosa"
              O editor de cultura, Julius Zerfass, foi um dos primeiros encarcerados no campo de concentração de Dachau, do qual seria solto no fim do ano.
              "A Cozinha Venenosa", título do livro, era a maneira pela qual Hitler se referia ao jornal. No glossário do ditador, "veneno" era um termo usado para o mais abominável.
              O jornal retribuía chamando o nazista de "arremessador piolhento de lama" ou classificando seu partido, já em 1923, como "o bacilo venenoso mais perigoso que o corpo do povo vem carregando consigo". Como diz Rosenbaum, se houve alguém na história que pode dizer "eu avisei" foram os repórteres do "Post", primeiros "a tentar alertar o mundo para a natureza da besta feroz que rastejava em direção a Berlim".

              domingo, 16 de junho de 2013

              Aos 94 anos, autora Tatiana Belinky morre em São Paulo

              folha de são paulo
              CASSIANO ELEK MACHADO
              DE SÃO PAULO

              Morreu na tarde de ontem, aos 94 anos, a escritora Tatiana Belinky. Uma das principais autoras de livros infantojuvenis do Brasil, ela estava internada desde o dia 4 de junho no hospital Alvorada, em São Paulo.
              Nascida em São Petersburgo, na Rússia, quando a cidade se chamava Petrogrado, ela veio com a família ao Brasil quando tinha dez anos. "Ela foi uma personalidade muito importante na cultura brasileira e de São Paulo. Não só na literatura, mas também no teatro e na televisão", disse sobre ela a escritora de literatura infantil Ruth Rocha, amiga da autora e companheira de Academia Paulista de Letras.
              Belinky publicou mais de 200 títulos, entre eles o autobiográfico "Transplante de Menina - Da Rua dos Navios à Rua Jaguaribe" (editora Moderna) e o livro de poemas "Limeriques do Bípede Apaixonado" (editora 34), dois de seus prediletos.
              Com o marido, o educador Julio Gouveia (1914-1988), adaptou para a TV Tupi, em 1952, a primeira versão de "O Sítio do Picapau Amarelo", obra de Monteiro Lobato, a quem chegou a conhecer. O programa ficou no ar ao longo de 11 anos.
              O escritor, dramaturgo e jornalista Sergio Roveri, que fez uma biografia da autora, o volume "...E Quem Quiser Que Conte Outra" (coleção Aplauso, Imprensa Oficial de SP), em 2007, relembra de Belinky como uma pessoa "afetuosa, de uma memória prodigiosa e muito ativa". "Ela dizia que as crianças ainda eram muito subestimadas", diz Roveri. Belinky também escreveu em jornais, como a Folha.
              Para os pequenos, mas também para o público adulto, a autora também foi uma tradutora de renome.
              Publicou traduções de diversos dos principais autores russos, como Anton Tchekhov e Leon Tolstoi, de quem lançou uma versão de "Senhor e Servo e Outras Histórias" (editora L&PM).
              No final da biografia da escritora, feita por Sergio Roveri, Belinky pediu que fosse incluída a seguinte mensagem: "No entanto, quando entrego uma nova obra, eu peço uma gentileza aos editores. Por favor, publiquem rápido para que eu tenha tempo de ver. Estou com 87 anos e não sei se posso esperar até os cem anos. Até os 95, estou disposta, mas depois disso não me comprometo." A escritora teve dois filhos, André, que já morreu, e Ricardo.

              Tatiana Belinky

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              Rachel Guedes - 18.nov.1997/Folhapress
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              A escritora Tatiana Belinky