quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Cassiano Elek Machado

folha de são paulo
Hava Nagila, Hava Nagila, Hava Nagila
Documentário americano que estreia amanhã no Brasil investiga tema judaico gravado por Elvis e pelo Anthrax
CASSIANO ELEK MACHADODE SÃO PAULOEm um dado momento de seu primeiro show profissional em Nova York, em 1961, num extinto bar no Greenwich Village, Bob Dylan foi ao microfone e anunciou: "E agora uma canção estrangeira que aprendi em Utah".
Nos 41 segundos seguintes, acompanhando-se de vigorosas batidas de violão e de ataques "bluesísticos" de gaita,ele entoou aquela que deve ser a versão mais peculiar já registrada de "Hava Nagila".
E este não é, creia, um censo fácil de ser realizado.
"Hava Nagila (O Filme)", documentário da norte-americana Roberta Grossman, mostra que poucos "produtos culturais" tiveram, em tão pouco tempo, tantas e tão variadas interpretações mundo afora quando a tradicional canção judaica.
Um trio anônimo de belas violinistas na Estônia tocou; os bonecos dos Muppets e os personagens de "Os Simpsons" dançaram; a lenda do jazz Lionel Hampton, o rei do rock, Elvis Presley, e a primeira dama da salsa, Celia Cruz, já gravaram.
Esses e outras dezenas de exemplos, incluindo "Talkin' Hava Negeilah Blues", de Dylan, estão no filme de Grossman, que será exibido pela primeira vez no Brasil amanhã, no Centro da Cultura Judaica, em São Paulo, como atração da 17ª edição do Festival de Cinema Judaico.
Com 72 minutos de duração, o filme, concluído no ano passado, vai além, bem além, desta colagem de gravações idiossincráticas.
"Cresci numa família judaica de Los Angeles e desde o útero de minha mãe ouvia Hava Nagila' em todas as festas que ia. Sabia que havia algo importante na música", conta àFolha, por telefone, a diretora do filme. "Mas então descobri que ninguém sabia nada a respeito dela."
Teria cem ou mil anos? Alguém teria sentado e escrito a canção ou ela teria descido milagrosamente do alto do Monte Sinai? O que significaria a letra da música?
Grossman passou três anos fuçando por respostas a perguntas como essas. E seu filme, veremos algumas páginas adiante, mostra que a "canção estrangeira" que Bob Dylan diz ter aprendido em Utah não vem exatamente do Meio-Oeste americano.
    Filme traça o curioso DNA 'Hava Nagila'
    Documentário americano 'Hava Nagila (O Filme)' narra como o tema religioso judaico virou um fenômeno pop
    Produção que será exibida em SP segue a canção desde o interior da Ucrânia até o desenho 'Os Simpsons'
    DE SÃO PAULO
    Quando concluiu seu filme anterior, um documentário dramático sobre a poeta húngara Hannah Senesh, morta pelos nazistas na Segunda Guerra, a americana Roberta Grossman ouviu um apelo da filha, então com dez anos. "Mamãe, será que da próxima vez você pode fazer um filme alegre?", disse.
    A documentarista matutou, matutou, até que achou um tema apto para atender ao pedido da menina. "Nada na minha vida parecia mais alegre do que Hava Nagila'", diz Grossman à Folha.
    Quando pesquisou o que dizia a canção descobriu que era isso que expressava. "Hava naguila/hava naguila/hava naguila/venis'mecha", início da letra, significa, em hebraico, "Alegremo-nos, alegremo-nos, alegremo-nos e sejamos felizes". Mas "Hava Nagila (O Filme)", documentário que Grossman fez sobre o tema (e que será exibido amanhã, às 20h30, no Centro da Cultura Judaica), mostra que nem sempre ele foi uma ode à alegria.
    Quando começa a empreender o "Havaquest" (a busca de Hava, como brinca no filme), ela descobriu que, em sua origem, a música, ainda sem letra, era murmurada lentamente numa sinagoga específica de um antigo assentamento judeu chamado de Sadagora, na Ucrânia.
    Grossman e sua câmera foram até lá. De "Hava Nagila" sobrou muito pouco.
    O filme conta que até o final do século 19 e começo do 20, cerca de 5 milhões de judeus viviam na região. Hoje ficaram as ruínas da tal sinagoga onde o rabino local Yisrael Friedman (1796-1850) conduzia cerimônias religiosas concorridas.
    Ele é um possível "compositor" da melodia base de "Hava Nagila", à época cantarolada como um "nigun", tipo de música em geral apenas murmurado, sem letra, muitas vezes como reza.
    No começo dos anos 1900, uma grande parte dos judeus da região emigrou para a região da Palestina.
    Foi em Jerusalém, não muitos anos depois, que o "Hava" ganhou sua voz atual.
    Segundo o documentário, o responsável pelo formato hoje conhecido da canção foi Abraham Zevi Idelsohn (1882-1938), etnologista que cunhou boa parte das versões em hebraico de canções tradicionais judaicas.
    HAVAPOLÊMICA
    Há quem discorde da versão. A família de Moshe Nathanson (1899-1981), por exemplo. Ouvidos no documentário, seus descendentes sustentam que é dele a letra de "Hava Nagila". Dá-se neste momento do filme aquilo que Grossman chama de "O Grande Havadebate". Ela ouve estudiosos, ouve a família de Idelsohn e a de Nathanson e... nada. Não há provas definitivas. Ainda que a versão corrente seja de que foi o Idelsohn o verdadeiro pai.
    Mas, independentemente do exame de paternidade, o tema se difundiu com extrema rapidez. Nos anos 1920, em Jerusalém, a canção já era conhecida como uma música tradicional.
    E, sustenta a dançarina Ayala Goren, que tinha 86 anos à época do filme, foi para acompanhá-la que criou-se a dança chamada de hora, executada em roda, e ainda presente em centenas de milhares de casamentos, mesmo de não judeus.
    Foi um deles, por sinal, quem transformou a música em ícone pop. Em 1959, o cantor, e ator afro-americano Harry Belafonte, hoje com 86 anos, gravou o tema num show no Carnegie Hall, em Nova York. "Foi o embaixador do Hava Nagila'", diz.
    Qual a versão mais estranha da música? "Toda versão que não tenha sido tocada por uma banda de casamento judaica", brinca Grossman, bem no tom de seu filme.
    O acento humorístico do documentário não faz dele uma piada.
    "O filme parece engraçado, talvez seja engraçado, mas quando você descasca algumas camadas descobre que há algo de sério nele", opina.
    Brasileiros buscam identidade em longas
    RODRIGO SALEMDE SÃO PAULO
    Limitar o cinema judaico à definição do próprio rótulo é como tentar espremer toda a arte cinematográfica em uma caixinha de fósforos.
    As chances de você ter ido a uma sala de exibição qualquer e visto um "filme judeu" são bem generosas, já que a indústria norte-americana é basicamente composta por grandes famílias judias.
    Mas há uma linha que pode ser separada nos dois documentários brasileiros que estão no 17º Festival de Cinema Judaico: ambos tentam encontrar uma raiz de certo modo vaga, etérea, fincada por seus parentes quando fugiram da ascensão de Hitler na Europa dos anos 1930.
    "Estamos Aqui", de Cintia Chamecki e Andrea Lerner, tenta compreender, por meio de depoimentos, como foi a imigração judaica do leste europeu, a escolha de algumas famílias pelo Brasil e como a cultura foi integrada por aqui, principalmente em Curitiba.
    Já "O Relógio do Meu Avô" mostra a busca do diretor Alex Levy Heller pelo relógio do avô húngaro, deixado na região da Transilvânia, onde hoje é a Romênia, antes do parente ser levado para o campo de concentração de Auschwitz.
    De forma requintada, Heller começa a caçada de maneira intimista, entrevistando familiares e conhecidos, e termina no encontro do cineasta com a própria identidade ao recriar os passos do avô pela Europa.

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