VALOR ECONÔMICO - 05/11/2012
Sem identidade, os partidos são bons coadjuvantes
Perguntem a quase qualquer partido político brasileiro o que ele quer ser quando crescer, se crescer, para crescer. É quase certo que, se ele for sincero, responderá: "PMDB". Chamo de "PMDB" um partido de pouca definição ideológica, capaz de sustentar um governo de direita ou esquerda, mas formado por tantas alianças regionais que consegue um bom retorno da União em troca de seu apoio.
Em 2011 foi criado um segundo PMDB, com o nome de "PSD", a maior realização do prefeito Gilberto Kassab - um partido que, em sua certidão de nascimento, conseguiu se definir como não sendo "de direita, de centro nem de esquerda". Nos últimos meses, o Partido Socialista Brasileiro, que pelo nome deveria ter posição ideológica de esquerda, caminhou para ser nosso terceiro e simultâneo PMDB. Nas eleições deste ano, o PSB fez alianças as mais diversas, ampliando o contingente de seus prefeitos e também, o que pode ser um sinal, aliando-se ao PSD em várias cidades.
Por que vivemos essa peemedebeização dos partidos? Na década de 1980, o Brasil parecia caminhar no rumo oposto. Foi quando nasceram os dois partidos que, nas últimas duas décadas, governaram o país. Em 1980, surgiu o Partido dos Trabalhadores. Demorou a ter uma bancada parlamentar digna de nota. Mas desde o começo conheceu um sucesso de crítica. Nasceu, em certa medida, contra o PMDB. Pretendeu, quando a democratização despontava no Brasil, libertar as causas trabalhistas e populares da dependência em face dos projetos apenas liberais da oposição então existente. A par disso, se caracterizou pela ética e mesmo pela intransigência. Queria mobilizar as pessoas, mais do que ganhar eleições ou benesses. O PSDB nasce depois do fim da ditadura, em 1988. Seus fundadores eram membros históricos do PMDB, mas romperam com ele por divergências que seriam éticas com as lideranças do partido original.
Com suas diferenças, PT e PSDB mostravam forte preocupação ética e convicções ideológicas. Por isso mesmo, continuam tendo as personalidades mais marcantes de nossa política. Esta continua a se polarizar em torno deles. Vejam a questão das coligações possíveis. Por mais de dez anos, tivemos quatro grandes partidos, o PMDB, o PSDB, o PT e o PFL (depois, DEM). Pois bem: deles, o PT podia se aliar apenas ao PMDB; o PSDB, ao PMDB e ao PFL; o PFL, somente ao PSDB - e o PMDB a qualquer um dos outros três. O PT e o DEM eram os mais consistentes em ideologia, o PMDB o menos. Ora, hoje, com a queda do DEM para a oitava posição na Câmara, após a criação do PSD, quase todos os nossos partidos podem se aliar a qualquer um. Mesmo o PCdoB, que por ser comunista deveria ter fronteiras ideológicas nítidas, entrou para a administração Kassab em São Paulo. Numa conta rápida, que não deve esquecer as diferenças internas a cada partido, dos 513 deputados federais apenas 164 pertencem a agremiações exigentes em termos de alianças - repito, o PT (87 deputados), o PSDB (49) e o DEM (28).
Quer dizer que, na década de 1980, ante o fim do regime militar e a eleição da Constituinte, queria-se mais dos partidos. Hoje, após três décadas de avanços democráticos, com eleições mais limpas, forte inclusão social e até sinais de que a corrupção poderá começar a ser punida, os partidos políticos têm ambições rasteiras. Querem o poder, claro. Isso é de sua natureza. Mas dizem cada vez menos para que desejam o poder. Projetos para o país melhorar, têm poucos. Nesta eleição, o próprio PSDB só conseguiu apresentar seu programa para a prefeitura de São Paulo em cima da hora.
Por que essa queda em ambição, em projeto, em idealismo? Por que esse avanço do interesse, da busca da oportunidade, da aliança sem muito pudor? Sem dúvida o fenômeno não é positivo. Mas pode dever-se, em parte, à consolidação do PT e do PSDB como os partidos ideológicos ou, embora a palavra cada vez valha menos até para eles, idealistas de nosso espectro politico. Para os outros, não vale a pena ter ideais ou ideologias. É o que sucedeu, na esquerda, com os partidos socialista e comunista, e, na direita, com o PP e agora o PSD, criado para eleitos da direita poderem apoiar o governo Dilma (ou qualquer governo).
E isso é curioso, porque tanto se cantou o fim da polarização, tantos quiseram ou querem uma terceira via na política brasileira... O PMDB tem falado em lançar, talvez em 2018, um nome próprio para a presidência da República; isso parece indicar que o principal cargo do país, o que define o rumo político do Brasil, poderia ser preenchido só na base de alianças, sem projeto. Resta ver se isso dará certo. Pessoalmente, duvido. Creio que o avanço dos grupos de interesses, dos partidos em que o projeto cede lugar ao lobismo, também os incapacita para voos mais altos. O PSB pode, sim, aumentar seu cacife pedindo a Vice-Presidência da República para escolher se apoia um tucano ou um petista para a sucessão de Dilma. Mas isso não o converte em cabeça de chapa - ao contrário. Isso o limita a uma posição secundária.
Por mais que o modelo PMDB ofereça ganhos tangíveis e certos, os dois partidos que, somados, ou melhor, brigados, chefiam o Estado há quase 20 anos, só conseguiram isso porque não foram nem são PMDB. Nosso grande partido-ônibus é vantajoso para apoiar, não para liderar. Lutar pela hegemonia, como fazem PT e PSDB, tem um custo. Você pode perder. Já fazer alianças com qualquer lado (exagero um pouco no "qualquer") tem suas vantagens, mas traz um custo: você não disputa a final do campeonato. Pode até se manter na primeira divisão, mas não chega à final do Brasileirão.
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