LUCAS FERRAZ
ENVIADO ESPECIAL A WESTERLY (RHODE ISLAND)
Decano dos brasilianistas, o americano Thomas Elliot Skidmore, 80, recorre às suas lembranças do Brasil para tentar retardar a perda da própria memória.
Padecendo de Alzheimer em estágio inicial e de síndrome do pânico, o historiador está retirado da vida pública desde novembro de 2009, quando deixou de andar e se mudou para um discreto asilo no interior dos EUA.
Alojado em um quarto dividido para dois pacientes, Skidmore no momento está só. Mas ele prefere assim, já que se relaciona apenas com as enfermeiras. Elas também parecem gostar dele.
Lucas Ferraz/Folhapress | ||
Brasilianista Thomas Skidmore, em seu quarto em asilo na cidade de Westerley |
No local, tudo remete ao Brasil --fotos na parede, livros, diplomas, cartazes de conferências e souvenirs.
A Folha teve acesso exclusivo ao local, em Westerley, cidade de 20 mil habitantes em Rhode Island, o menor dos Estados americanos, na costa leste do país.
Durante a entrevista, ele revelou que soube com antecedência do golpe de 1964, informação que ocultou nos livros e também nos diários que escreveu sobre o Brasil, consultados pela reportagem dias antes da visita, na Universidade de Brown. Todo seu arquivo pessoal foi liberado no final do mês passado.
Skidmore jantou no Rio com o embaixador americano Lincoln Gordon um dia antes do golpe, em 31 de março de 1964. "Ele foi passar um telegrama para Lyndon Johnson [presidente dos EUA] contando as novas e pedindo que o governo americano reconhecesse o novo regime. Ele disse que tinha ganhado."
AMIGOS
No esforço de tentar driblar um dos efeitos mais nefastos da doença --a perda da própria identidade--, o americano escreve suas memórias sobre os brasileiros que lhe ajudaram a desvendar o Brasil.
"Tudo o que escrevi não era uma explicação ou interpretação minha, de gringo, mas de meus amigos brasileiros", conta. "Meu conhecimento do país vem todo deles. Não é à toa que a amizade é uma das mais fortes características do Brasil."
São nomes como o cientista político Hélio Jaguaribe, o jornalista Francisco de Assis Barbosa (1914-91), o advogado e político San Tiago Dantas (1911-64), além do editor Fernando Gasparian (1930-06), do historiador Caio Prado Júnior (1907-90) e do ex-deputado e jornalista Márcio Moreira Alves (1936-09).
Autor de livros clássicos da historiografia brasileira, como "De Getúlio a Castelo" e "De Castelo a Tancredo", que contemplam o que de mais importante aconteceu no século 20, e "Preto no Branco", estudo da questão racial, Skidmore teve grande influência na escrita da história contemporânea do país.
Enquanto intelectuais e historiadores brasileiros estavam exilados durante a ditadura (1964-85) ou mais interessados no Brasil Colonial, ele encontrou terreno fértil e acesso a fontes privilegiadas para contar, diz, o nascimento do Brasil contemporâneo.
"Muita gente pensava o Brasil nos EUA na lógica comunista-anticomunista, o que é um erro". Incentivado por Harvard, ele trocou a história da Alemanha e do nazismo pelo Brasil, integrando uma geração de americanos especialistas em países da América Latina formados após a Revolução Cubana.
As universidades incentivavam e o fenômeno virou até política de Estado da Casa Branca. O americano se irrita sobre o assunto: "Sou um produto de Harvard, não tenho nada a ver com o Departamento de Estado ou com a CIA, como muitos pensam".
A primeira viagem ao Brasil, aos 29 anos, ocorreu dias após a renúncia de Jânio Quadros, em 1961. "Tive o privilégio de chegar ao Brasil num momento crucial da história", disse. "Isso foi decisivo."
Ainda lúcido --a fase inicial do Alzheimer começa por afetar a memória recente--, Skidmore recebeu a Folha com vinho branco, que ele diz beber todos os dias.
A mulher, Felicity, 76, que mora na casa de praia da família em Westerly, o visita todos os dias, além de algum outro amigo americano.
Ele diz que ainda está tentando entender seu "novo mundo". "Entrei em uma nova realidade, que é diferente de tudo o que eu conhecia", diz. "É um mundo de mulheres que cuidam de velhos."
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