Bruna Sensêve
Estado de Minas: 20/11/2012
Brasília – Dê um doce na mão de uma criança de 3 anos e o verá desaparecer em poucos segundos. Mesmo prometendo que caso ela espere no máximo 15 minutos dobrará a quantidade de guloseima, é possível que ela não resista e engula tudo de uma vez só, abrindo mão da delícia extra. Poucas foram capazes de controlar essa impulsividade durante os experimentos conduzidos pelo cientista norte-americano Walter Mischel, na década de 1960, hoje conhecidos como o clássico teste do marshmallow. A habilidade de esperar daquele pequeno número de jovens que conseguiram resistir à tentação estaria, segundo ele, ligada ao sucesso na vida adulta.
Agora, uma revisão do teste do marshmallow realizada por pesquisadores da Universidade de Rochester, em Nova York, traz novas conclusões ao clássico experimento: o exemplo e a confiança da criança no ambiente que a rodeia pode exercer tanta ou mais influência que a impulsividade própria dos pequenos. A principal autora do estudo, Celeste Kidd, conta que a hipótese de medir a interferência da confiabilidade do ambiente nos resultados do teste surgiu quando ela trabalhou como voluntária em um abrigo para famílias na cidade de Santa Ana, na Califórnia.
Ao ler sobre estudos desse tipo, ela imaginou primeiramente que todas as crianças que observava no abrigo comeriam o doce imediatamente. Depois de algumas semanas, Celeste percebeu que o local não permitia que pertences pessoais fossem mantidos de forma segura, já que as famílias compartilhavam uma grande área aberta. Quando um pequeno tinha um brinquedo ou um doce, havia o risco real de outra criança, maior e mais rápida, se apoderar dele. Frente a essa situação, ela começou a questionar a capacidade de autocontrole como um único marcador inato. “Se você está acostumado a ter as coisas retiradas de você, a espera não é uma escolha racional. Então, pensei que o teste do marshmallow poderia estar relacionado ao que a criança entende como um ambiente estável ou não.”
Para testar essa hipótese, Celeste conduziu uma experiência com 28 crianças de 3 a 5 anos. Os participantes foram divididos em dois grupos, sendo que um foi exposto a um ambiente não confiável (promessas que eram feitas a elas por pesquisadores não eram cumpridas depois) e o outro a um ambiente confiável (tudo que era prometido era entregue mais tarde). (Veja infografia).
Longa espera Depois que as crianças tinham passado por essas experiências, o teste clássico com os doces foi realizado. Cada pequeno participante ganhava um marshmallow e ouvia a promessa de que, caso não o comesse até o pesquisador voltar, ganharia outros dois doces. A criança ficava então sozinha por até 15 minutos, enquanto era observada pelos cientistas e por seus pais. Aquelas que tinham tido interações positivas antes e confiavam mais nos pesquisadores conseguiram esperar, em média 12 minutos, um tempo quatro vezes maior que o dos voluntários que tinham tido experiências não confiáveis.
Além disso, dos 14 meninos e meninas do primeiro grupo, nove chegaram aos 15 minutos de espera. Só um do outro grupo conseguiu aguardar por tanto tempo sem comer o doce. Em comparação ao experimento da década de 1960, em que o tempo médio de espera estava entre seis e cinco minutos, a manipulação do ambiente para uma situação confiável duplicou a paciência das crianças e, no caso de um ambiente não confiável, o tempo médio caiu pela metade.
A principal conclusão dos testes conduzidos por Celeste Kidd, publicados na revista especializada Cognition, é que as crianças, mesmo em tenra idade e com o conhecimento de mundo limitado, são capazes de adaptar sua tomada de decisão de forma muito eficiente, buscando a máxima recompensa. Elas apenas precisam receber provas de que a decisão de fato pode maximizar o resultado. Diferentemente do que era pensado e da conclusão a que chegou Walter Mischel nos anos 1960, os pequenos não estão totalmente à mercê de seus impulsos. “Isso demonstra que o processo de tomada de decisão é muito mais adaptável e flexível que do tínhamos imaginado”, analisa.
As crianças, mesmo as muito jovens, eram capazes de esperar quando munidas de evidência de que a paciência valeria a pena. E quando foram fornecidas evidências contrárias, elas aproveitaram o momento e fizeram o melhor dessa situação. O comportamento que parece impulsivo pode ser, na verdade, resultado de um processo muito sensível de tomada de decisão.
Experiência de vida As conclusões significam que se as crianças devoram o doce sem esperar, como é típico de pré-escolares, os pais devem se preocupar por não serem modelos de confiabilidade? Não necessariamente, responde Celeste. “As crianças monitoram, sim, o comportamento dos adultos, mas é improvável que elas guardem memórias detalhadas de cada ação. É a visão geral do senso de confiabilidade que faz diferença.”
Ainda assim, a pesquisadora ressalta que os resultados trazem novas variáveis para o teste do marshmallow. Como no experimento inicial não existiam evidências de que esperar valeria a pena, é possível que as experiências anteriores de vida tenham sido relevantes na determinação do tempo de espera nos estudos originais de Mischel. “Sabemos que os adultos usam experiências anteriores para formar suas decisões em situações novas, e aqui temos demonstrado que as crianças podem fazer isso também.” Os dados sugerem que é prematuro concluir que a força de vontade é o principal condutor das crianças.
Segundo o professor titular da Universidade Federal de São Carlos e autor do livro Filosofia do cérebro, João Teixeira, a ideia do experimento é mostrar que a decisão racional deve prevalecer sobre a impulsividade. Consistiria no reconhecimento de fatores externos ao cérebro para montar a explicação do fenômeno. Nesse caso, na opinião do especialista, ficaria demonstrado que não é apenas o cérebro, em seus processos internos, que toma a decisão, mas também fatores externos. Ou seja, o entorno exerce um papel importante na formatação do comportamento. “O que será que essas crianças trazem de bagagem cultural, mesmo que em tenra idade? Como será que elas viram os adultos agir em casos semelhantes e quanto foram influenciadas por isso?”
Difícil conciliação Teixeira ressalta que é complicado isolar uma ação humana do contexto para estudá-la. “Essa tem sido a grande dificuldade da ciência cognitiva: como conciliar o cultural e o cerebral, ou seja, o interno e o externo? Qual será, se é que há, o preponderante?” O neurologista Ivan Hideyo Okamoto, da Academia Brasileira de Neurologia, levanta ainda uma questão fisiológica importante: o desenvolvimento do cérebro das crianças nessa faixa etária. Segundo ele, nessa fase o cérebro não está completamente desenvolvido. Estruturalmente e psicologicamente, ainda não existem todas as funções de um adulto. Elas não conseguiriam, por exemplo, se projetar na posição de outra pessoa, como a do pesquisador. Essa função só seria adquirida aos 7 anos de idade.
“Imaginava-se que as crianças não tinham poder de decisão, mas na verdade, basta dar um exemplo. Provavelmente, entre 3 e 5 anos ela não entenda totalmente o que significa a promessa. Daí a importância do exemplo”, conclui. Okamoto ressalta que o exemplo é mais eficaz e eficiente com crianças dessa idade. O que pode gerar, talvez, crianças com maior ou menor inteligência emocional, fator que ainda tem sua origem discutida: se seria inata, como a impulsividade, ou adquirida.
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