terça-feira, 20 de novembro de 2012

Dono da voz (Paulo Szot) - Mariana Peixoto‏

Paulo Szot faz única apresentação hoje em BH, com a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais. Com consagrada carreira internacional, o barítono não canta no Brasil há sete anos 

Estado de Minas - 20/11/2012 

Mariana Peixoto
Uma sinusite pegou de surpresa o barítono Paulo Szot. Nem por isso ele diminuiu o ritmo dos últimos dias. Desde sexta-feira em Belo Horizonte, já fez dois ensaios com a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais. Ainda hoje, antes de sua apresentação na série Vivace, no Palácio das Artes, encontra-se de novo para ensaiar com a formação regida pelo maestro Fabio Mechetti. “A voz é um instrumento vivo, então há vezes que temos dificuldades. Mas nem por isso deixamos de cantar. Nem sempre os resultados são satisfatórios, mas o público não sente isso, só os próprios cantores”, admite ele, que aos 43 anos é dono da voz brasileira mais importante do canto lírico. 

Para sua estreia nesta terça ao lado da Filarmônica, Szot admite certo nervosismo. A razão é uma só, como ele próprio explica: “Desde que saí daqui, em 2005, esta será a primeira vez que me apresento no Brasil. Mesmo que esteja muito nervoso em voltar a cantar no meu país, ao mesmo tempo estou muito feliz. Quero fazer meu melhor.” No repertório desta noite, ele vai se dividir entre Gustav Mahler e Richard Wagner. Será um ciclo de canções de Mahler (as chamadas lieder), a obra Blumine, também do autor austríaco, além da cena final de A valquíria e excertos de Os mestres cantores, de Wagner. O programa escolhido por Mechetti destaca a importância da orquestra em diálogo com o canto.

“Gosto muito de cantar as canções de Mahler, pois mesmo que a orquestração tenha momentos mais wagnerianos, ele respeita a cor do instrumento. Me identifico com a maneira como ele escreve, é um compositor muito sensível. Já Wagner é mais dramático e um compositor que não tenho muita pretensão de cantar, já que minha voz não é wagnariana. Mas como é um pedaço de um concerto, ele se encaixou muito bem no repertório”, continua Szot, que se impressionou com a variedade de nacionalidades dos integrantes da orquestra mineira. “Ter um grupo misturado é importantíssimo.”

Depois de Belo Horizonte, Szot só tem um outro concerto marcado no Brasil. Será na próxima terça, em evento beneficente da Associação para Crianças e Adolescentes com Câncer, na Série Tucca de Concertos Internacionais, na Sala São Paulo. A carência de apresentações no país é acarretada, de acordo com Szot, por uma dificuldade de agendamento das próprias orquestras. “A Filarmônica é uma exceção. No Brasil, os grupos não organizam suas agendas com antecedência.” 

Da Broadway ao Scala
E sem um agendamento prévio é complicado, já que Szot tem compromissos firmados até 2015. A demanda só fez crescer a partir de 2008. Foi naquele ano que o barítono paulista, filho de imigrantes poloneses que vieram para o país logo após a Segunda Guerra Mundial, deu a cartada que acabou definindo sua carreira. “Meu sonho sempre foi o de cantar canções, independentemente do gênero.” Isso porque até então ele era reconhecido como cantor lírico. Ao decidir fazer audições para o musical South Pacific (teve a seu lado 200 outros candidatos) ele seguiu sua intuição. Deu certo. 

Szot levou o Tony, o Oscar da Broadway (troféu recebido das mãos de Liza Minelli), pela interpretação do protagonista Emile de Becque, fazendeiro francês que se apaixona por enfermeira da Marinha americana numa ilha do Pacífico, durante a Segunda Guerra. De Becque, que ele interpretou por dois anos e meio, tanto em Nova York quanto no Barbican, de Londres, deu-lhe ainda os prêmios Drama Desk e Outer Critics. E mais: abriu o leque de possibilidades.

“Nos Estados Unidos não sinto preconceito (sobre cantores líricos que se aventuram na canção popular), pois eles são muito abertos. A New York Philharmonic, por exemplo, promove concertos em que metade do repertório é de óperas e metade de musicais. Minha imagem hoje é entendida como de um cantor que faz os dois gêneros. Já na Europa e também no Brasil as pessoas são mais tradicionais, fazem a distinção.” 

Szot tem realmente se equilibrado muito bem entre universos tão distintos. No próximo ano ele participará da terceira temporada de um show de jazz no tradicional Hotel Carlyle, em Nova York. “Quando me convidaram foi um grande presente, pois tudo é feito pelo artista. Tiver que escolher músicos (canta com um trio de jazz), arranjos.” No repertório, standards de musicais como Gigi e My fair lady, bem como canções brasileiras, Tom Jobim e Chico Buarque. 

Por outro lado, encara, a partir de abril, aquele que ele considera o maior desafio da carreira. Estreia, no Scala de Milão, a casa de ópera mais prestigiosa do mundo, a montagem de A dog’s heart (O coração de um cão), do russo Alexander Raskatov, sob a regência do maestro V. Gergiev. Desde agosto ele está estudando a ópera. “A dificuldade de aprendizado é grande, pois a música contemporânea não traz as referências tradicionais da música tonal. A forma do compasso muda a toda hora, os saltos de intervalos são absurdos. É um trabalho muito demorado”, finaliza Szot.
Programa

» Blumine e Rückert Lieder, de Gustav Mahler

» Os mestres cantores (Introdução, Dança dos aprendizes e Procissão), Adeus de Wotan e Música do fogo mágico e A cavalgada das valquírias, de Richard Wagner

ORQUESTRA FILARMÔNICA DE MINAS GERAIS – SÉRIE VIVACE
Concerto hoje, às 20h30, no Palácio das Artes, Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro, (31) 3236-7400. Ingressos: plateia 1: R$ 54 e R$ 27 (meia); plateia 2: R$ 37 e R$ 18,50 (meia); superior: R$ 25 e R$ 12,50 (meia). 

Da dança ao canto
A música aconteceu de forma acidental na vida de Paulo Szot. Literalmente. Nascido em São Paulo e criado em Ribeirão Pires, onde mantém sua residência hoje (apesar de nunca estar lá), Szot deixou o país ainda adolescente rumo à Polônia. Tinha 18 anos quando, por meio de uma bolsa dada a filhos de poloneses que viviam no exterior, entrou para a Universidade Jaguelônica, em Cracóvia. De cara integrou o grupo de dança da instituição, decidido a se tornar bailarino profissional. Uma queda o tirou de circulação aos 20 anos. Ou ele parava de dançar ou tinha grandes chances de parar de andar. Dois meses depois de ouvir esse diagnóstico, ele entrou para o Slask, grupo folclórico polonês. Já sua estreia profissional em ópera foi com O barbeiro de Sevilha, em São Paulo, em 1997. Foi ainda com a obra de Rossini que Szot se apresentou em BH, no Palácio das Artes, em 2003. Foi sua primeira e até agora única apresentação na cidade.

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