sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Marina Silva

FOLHA DE SÃO PAULO

Felizes novos ares
Gestores públicos passam o fim do ano às voltas com fechamento de orçamentos, pagando o possível e empurrando o impossível para a rubrica "restos a pagar" do ano seguinte. O pior é que isso acontece também nas empresas, sindicatos, associações e no orçamento das famílias. Tudo bem, algo sempre fica para depois. O problema é quando dívidas se arrastam, situações agudas ficam crônicas e atraso vira cultura.
Parece que algo assim acontece com a humanidade. Já se passaram 12 anos neste milênio e seguimos envolvidos com os problemas do século 20 e, o que é pior, tentamos resolvê-los com instrumental teórico do século 19. Que as mudanças na consciência são lentas, sabíamos. Mas agora o tempo é mais curto, somos 7 bilhões de pessoas num planeta convulsionado por mudanças no clima e com recursos comprometidos.
As amplas conquistas obtidas com base no instrumental teórico-científico que produzimos para desafiar a natureza -firmados em dogmas que nos levaram à deificação da modernidade-, revelam agora que esses feitos, mesmo vastos, não nos tornaram mais livres dos males que ameaçam nossa vida: perda de biodiversidade, aumento da temperatura da terra, crise econômica, problemas em excesso. Isso mostra o quão prisioneiros somos da vastidão que criamos.
Pois a vastidão, como descreveu G. K. Chesterton, "entrava-se em salas cada vez mais amplas e sem janelas, salas grandes com sua perspectiva babilônica; mas a gente nunca encontrava a menor janela ou um sopro de ar vindo de fora." Ar vindo de fora: é o que precisamos para mover certezas que submetem a realidade ao nosso limitado modo de interrogá-la.
Já existe uma brisa. Organizações e empresas estão "se reinventando". A juventude cria novas redes, estilos de vida. As tecnologias oferecem suporte para avanços rápidos. Até a emergência econômica de países que sobreviviam na periferia anuncia novas oportunidades, desde que não repitam os erros das velhas potências.
Em 2012, o Brasil perdeu chances de realinhar-se com sua condição de potência socioambiental e sua vocação de líder de uma civilização sustentável. Ao invés de traçar metas urgentes na Rio+20, retrocedeu ao desmontar a legislação ambiental que proporcionava a diminuição do desmatamento. Perdeu a chance de fazer das obras da Copa do Mundo uma intervenção estratégica no planejamento urbano. Deixou parâmetros da sustentabilidade fora das medidas de contenção da crise econômica. Insistiu numa forma centralizada de produção e distribuição de energia e não abriu espaço para novas matrizes renováveis.
Ainda é tempo. Mas, como dizia meu pai quando me atrasava na estrada de seringa, "avia, menina!".

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