João Paulo
Estado de Minas: 29/12/2012
O grande fato literário de 2012 foi, na verdade, um gesto. Mais que isso, um antigesto. O romancista norte-americano Philip Roth declarou que não vai escrever mais. Para quem acompanha um dos mais importantes escritores do século 20 – que desde 1959, com Adeus, Columbus, retratou a saga de méritos e pecados da América –, a declaração não é só motivo de tristeza. Roth vinha ensinando em seus últimos livros como era difícil a aproximação com a decadência física, com a melancolia do fim e com a certeza da morte. Sua decisão de não escrever mais é, como tudo o que ele fez em sua carreira, a afirmação de uma coerência pessoal inegociável e do diagnóstico amargo dos nossos tempos: quem, hoje, tem tempo para a leitura? Não é que Roth não tenha o que dizer, é que já disse muito e, por ora, as pessoas não parecem interessadas em continuar ouvindo.
O silêncio voluntário de um dos poucos gênios em ação rivalizou em importância midiática com o barulho de outra turma, os novos. A publicação da revista Granta, edição de inverno, foi dedicada aos “melhores jovens escritores brasileiros”. A publicação selecionou 20 nomes, todos nascidos a partir de 1972, repetindo a estratégia que já se tornou marca da publicação. Como toda lista, sobretudo de jovens e ligados à indústria cultural, a repercussão foi grande e apontou muitas variáveis para o futuro da literatura brasileira. A maior delas: literatura agora é trabalho de profissionais. Granta é um sintoma, mais que uma antologia: ela aponta, como profecia autorrealizada, para os escritores sobre os quais deverá recair a atenção do sistema literário.
Entre a retirada lúcida e a invasão bárbara, 2012 foi um ano de centenários (Nelson Rodrigues, Jorge Amado e Lúcio Cardoso), dos 110 anos de Drummond, dos 90 da Semana de Arte Moderna. Tudo isso repercutiu em livros, coleções, reedições e publicações especiais.
Foi também um ano de perdas. A literatura brasileira ficou sem Bartolomeu Campos de Queirós (ganhador póstumo do Prêmio São Paulo de Literatura), Affonso Ávila, Autran Dourado, Décio Pignatari e Lêdo Ivo. Carlos Nelson Coutinho, que ajudou a arejar o pensamento de esquerda no Brasil, também se foi, assim como o mais influente historiador marxista do nosso tempo: Eric Hobsbawn. O mundo, independentemente da ideologia, ficou bem menos inteligente sem Gore Vidal, Carlos Fuentes e Ray Bradbury.
Verdade e política Em tempos de Comissão da Verdade, a memória dos anos de chumbo voltou à tona com vários títulos, quase sempre fruto de intensa pesquisa. Personagem histórico que ganhou biografia jornalística de peso foi Carlos Marighella, em trabalho de Mário Magalhães. Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo (Companhia das Letras) é também um livro bem informado sobre o movimento de esquerda no Brasil. No outro espectro, Mata! O major Curió e as guerrilhas do Araguaia (Companhia das Letras), de Leonencio Nossa, recupera com documentos e entrevistas um dos conflitos mais sangrentos da história recente do país.
As duas guerras de Vlado Herzog (Civilização Brasileira), de Audálio Dantas, retoma a vida do jornalista Vladimir Herzog – da vinda de sua família da Europa, fugindo da perseguição nazista aos judeus, à sua prisão, tortura e morte pela ditadura civil-militar, seguido da torpe tentativa de mascarar o assassinato em suicídio. O livro, necessário, chama a atenção para o papel da imprensa em cenário de opressão e seu dever com a verdade e a crítica. As formas de pressão e censura que marcaram a trajetória de Herzog não são página virada na história. Anda faltando coragem de divergir.
Outro personagem que ganha resgate é o desaparecido político Carlos Alberto Soares de Freitas, assassinado na Casa da Morte, em Petrópolis. Seu amigo esteve aqui (Jorge Zahar), de Cristina Chacel, investiga a história do guerrilheiro Beto, nascido em Belo Horizonte, colaborador das Liga Camponesas e um dos fundadores da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares. Entre os militantes recrutados e treinados por Beto esteve uma jovem secundarista de 16 anos, Dilma Rouseff, que se lembraria do amigo em seu primeiro discurso como presidente da República.
Jabutis e micos Em matéria de distinções literárias, o ano foi confuso e polêmico. O Prêmio Nobel dado ao chinês Mo Yan começou, como de hábito, com um espanto: afinal, quem é Mo Yan? Mas terminou com a triste constatação de um equívoco, com as declarações do romancista em defesa da censura. Os prêmios brasileiros também foram objeto de polêmica, sobretudo o Jabuti, com a nota zero conferida a Ana Maria Machado – medalhão que costuma ser incensada pela crítica –, dada por um integrante da comissão que teve seus 15 minutos de fama como “jurado C”, e pela premiação de um infantojuvenil com o Jabuti de melhor obra do ano, para A mocinha do Mercado Central, da escritora mineira Stella Maris Rezende.
Foi também o ano de um fenômeno comercial: os romances eróticos para mulheres, na trilha de 50 tons de cinza, que deram origem a uma indústria de emulação. Mal escritos e pouco excitantes, ficam mais como signo de uma época pouco exigente em termos de criação e mesmo de sexualidade, com a regressão das mulheres ao estágio de eternas devedoras do macho alfa que as pegue no colo, jogue no solo e as faça gemer.
O silêncio voluntário de um dos poucos gênios em ação rivalizou em importância midiática com o barulho de outra turma, os novos. A publicação da revista Granta, edição de inverno, foi dedicada aos “melhores jovens escritores brasileiros”. A publicação selecionou 20 nomes, todos nascidos a partir de 1972, repetindo a estratégia que já se tornou marca da publicação. Como toda lista, sobretudo de jovens e ligados à indústria cultural, a repercussão foi grande e apontou muitas variáveis para o futuro da literatura brasileira. A maior delas: literatura agora é trabalho de profissionais. Granta é um sintoma, mais que uma antologia: ela aponta, como profecia autorrealizada, para os escritores sobre os quais deverá recair a atenção do sistema literário.
Entre a retirada lúcida e a invasão bárbara, 2012 foi um ano de centenários (Nelson Rodrigues, Jorge Amado e Lúcio Cardoso), dos 110 anos de Drummond, dos 90 da Semana de Arte Moderna. Tudo isso repercutiu em livros, coleções, reedições e publicações especiais.
Foi também um ano de perdas. A literatura brasileira ficou sem Bartolomeu Campos de Queirós (ganhador póstumo do Prêmio São Paulo de Literatura), Affonso Ávila, Autran Dourado, Décio Pignatari e Lêdo Ivo. Carlos Nelson Coutinho, que ajudou a arejar o pensamento de esquerda no Brasil, também se foi, assim como o mais influente historiador marxista do nosso tempo: Eric Hobsbawn. O mundo, independentemente da ideologia, ficou bem menos inteligente sem Gore Vidal, Carlos Fuentes e Ray Bradbury.
Verdade e política Em tempos de Comissão da Verdade, a memória dos anos de chumbo voltou à tona com vários títulos, quase sempre fruto de intensa pesquisa. Personagem histórico que ganhou biografia jornalística de peso foi Carlos Marighella, em trabalho de Mário Magalhães. Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo (Companhia das Letras) é também um livro bem informado sobre o movimento de esquerda no Brasil. No outro espectro, Mata! O major Curió e as guerrilhas do Araguaia (Companhia das Letras), de Leonencio Nossa, recupera com documentos e entrevistas um dos conflitos mais sangrentos da história recente do país.
As duas guerras de Vlado Herzog (Civilização Brasileira), de Audálio Dantas, retoma a vida do jornalista Vladimir Herzog – da vinda de sua família da Europa, fugindo da perseguição nazista aos judeus, à sua prisão, tortura e morte pela ditadura civil-militar, seguido da torpe tentativa de mascarar o assassinato em suicídio. O livro, necessário, chama a atenção para o papel da imprensa em cenário de opressão e seu dever com a verdade e a crítica. As formas de pressão e censura que marcaram a trajetória de Herzog não são página virada na história. Anda faltando coragem de divergir.
Outro personagem que ganha resgate é o desaparecido político Carlos Alberto Soares de Freitas, assassinado na Casa da Morte, em Petrópolis. Seu amigo esteve aqui (Jorge Zahar), de Cristina Chacel, investiga a história do guerrilheiro Beto, nascido em Belo Horizonte, colaborador das Liga Camponesas e um dos fundadores da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares. Entre os militantes recrutados e treinados por Beto esteve uma jovem secundarista de 16 anos, Dilma Rouseff, que se lembraria do amigo em seu primeiro discurso como presidente da República.
Jabutis e micos Em matéria de distinções literárias, o ano foi confuso e polêmico. O Prêmio Nobel dado ao chinês Mo Yan começou, como de hábito, com um espanto: afinal, quem é Mo Yan? Mas terminou com a triste constatação de um equívoco, com as declarações do romancista em defesa da censura. Os prêmios brasileiros também foram objeto de polêmica, sobretudo o Jabuti, com a nota zero conferida a Ana Maria Machado – medalhão que costuma ser incensada pela crítica –, dada por um integrante da comissão que teve seus 15 minutos de fama como “jurado C”, e pela premiação de um infantojuvenil com o Jabuti de melhor obra do ano, para A mocinha do Mercado Central, da escritora mineira Stella Maris Rezende.
Foi também o ano de um fenômeno comercial: os romances eróticos para mulheres, na trilha de 50 tons de cinza, que deram origem a uma indústria de emulação. Mal escritos e pouco excitantes, ficam mais como signo de uma época pouco exigente em termos de criação e mesmo de sexualidade, com a regressão das mulheres ao estágio de eternas devedoras do macho alfa que as pegue no colo, jogue no solo e as faça gemer.
Quando o melhor escritor do mundo prefere se calar, é hora de prestar atenção nas coisas que de fato interessam.
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