João Paulo
Estado de Minas: 29/12/2012
Há duas verdades que parecem contraditórias, mas que se complementam: o brasileiro lê pouco, mas está lendo cada vez mais. A percepção do aumento da leitura vem dos números e da consagração de formas consideradas populares, como livros de fantasia, romantismo açucarado e sexo, que dominaram as listas dos mais vendidos ao lado dos trabalhos ligados ao mercado religioso e de auto-ajuda.
Como todas as classificações, a divisão da lista de mais vendidos entre “ficção” e “não ficção” esclarece pouco. Por isso, ao passar em revista os principais livros lançados em 2012, talvez fosse mais conveniente e esclarecedor adotar outras categorias, como livros sobre o Brasil, biografias, ensaios, ficção internacional, literatura brasileira e traduções. Mesmo ampliando o espectro, ficam de fora muitas possibilidades, como a literatura para jovens, os livros científicos e as obras de natureza e consumo mais acadêmico.
Na esfera do mercado, a associação entre editoras parece ter se sedimentado como tendência, monopolizando o cenário. Na semana passada, a Editora Record, que já tem 15 selos, anunciou a compra da Paz e Terra, titular de catálogo de 1,2 mil títulos e de 500 autores, entre eles Paulo Freire, Norberto Bobbio, Eric Hobsbawm, Celso Furtado, Manuel Castells e Kenneth Maxwell. O e-book deixou de ser novidade e já ocupa parcela que começa a fazer diferença num mercado competitivo e em crescimento. O barateamento dos equipamentos de leitura e a chegada dos gigantes da distribuição do setor devem aprofundar essa tendência em 2013.
Como todas as classificações, a divisão da lista de mais vendidos entre “ficção” e “não ficção” esclarece pouco. Por isso, ao passar em revista os principais livros lançados em 2012, talvez fosse mais conveniente e esclarecedor adotar outras categorias, como livros sobre o Brasil, biografias, ensaios, ficção internacional, literatura brasileira e traduções. Mesmo ampliando o espectro, ficam de fora muitas possibilidades, como a literatura para jovens, os livros científicos e as obras de natureza e consumo mais acadêmico.
Na esfera do mercado, a associação entre editoras parece ter se sedimentado como tendência, monopolizando o cenário. Na semana passada, a Editora Record, que já tem 15 selos, anunciou a compra da Paz e Terra, titular de catálogo de 1,2 mil títulos e de 500 autores, entre eles Paulo Freire, Norberto Bobbio, Eric Hobsbawm, Celso Furtado, Manuel Castells e Kenneth Maxwell. O e-book deixou de ser novidade e já ocupa parcela que começa a fazer diferença num mercado competitivo e em crescimento. O barateamento dos equipamentos de leitura e a chegada dos gigantes da distribuição do setor devem aprofundar essa tendência em 2013.
» Brasil na cabeça
A safra de ensaios sobre temas brasileiros teve momentos marcantes. Antonio Risério publicou A cidade no Brasil (Editora 34), análise antropológica e histórica do fenômeno urbano no Brasil. Um ensaio escrito com erudição e mão de poeta, que o coloca na linha dos grandes intérpretes do país. Análise profunda, corajosa e que gerou controvérsias foi Os sentidos do lulismo – Reforma gradual e pacto conservador (Companhia das Letras), de André Singer. Estudo refinado, foge da ideologia para caracterizar a constituição de um novo pacto político na sociedade brasileira, com a reordenação das forças sociais e econômicas. Trabalho surpreendente sobre a ditadura militar foi A política dos quartéis – Revoltas e protestos de oficiais na ditadura militar (Editora Jorge Zahar), da francesa Maud Chirio, que expõe e analisa os bastidores da vida política nas Forças Armadas. Sidney Chalhoub, com A força da escravidão – Ilegalidade e costume no Brasil oitocentista (Companhia das Letras), prova que para entender o país de hoje é necessário dissecar os mecanismos que vêm impedindo a liberdade dos brasileiros desde os tempos da escravidão. O ensaio é um tapa na cara de nossa leniência em aceitar a injustiça em nome das conveniências. O que não é de hoje.
A safra de ensaios sobre temas brasileiros teve momentos marcantes. Antonio Risério publicou A cidade no Brasil (Editora 34), análise antropológica e histórica do fenômeno urbano no Brasil. Um ensaio escrito com erudição e mão de poeta, que o coloca na linha dos grandes intérpretes do país. Análise profunda, corajosa e que gerou controvérsias foi Os sentidos do lulismo – Reforma gradual e pacto conservador (Companhia das Letras), de André Singer. Estudo refinado, foge da ideologia para caracterizar a constituição de um novo pacto político na sociedade brasileira, com a reordenação das forças sociais e econômicas. Trabalho surpreendente sobre a ditadura militar foi A política dos quartéis – Revoltas e protestos de oficiais na ditadura militar (Editora Jorge Zahar), da francesa Maud Chirio, que expõe e analisa os bastidores da vida política nas Forças Armadas. Sidney Chalhoub, com A força da escravidão – Ilegalidade e costume no Brasil oitocentista (Companhia das Letras), prova que para entender o país de hoje é necessário dissecar os mecanismos que vêm impedindo a liberdade dos brasileiros desde os tempos da escravidão. O ensaio é um tapa na cara de nossa leniência em aceitar a injustiça em nome das conveniências. O que não é de hoje.
» Vida real
As biografias continuam em alta. O mais importante lançamento do ano foi Getúlio – 1882-1930 – Dos anos de formação à conquista do poder (Companhia das Letras), de Lira Neto. Primeiro volume de uma trilogia, o estudo biográfico da maior figura política brasileira do século 20 é primoroso em informação, análise e linguagem, revelando um Getúlio menos conhecido, dos tempos da infância e juventude no Rio Grande do Sul, com direito a passagem controvertida por Ouro Preto. A grande biografia do ano, no entanto, sai do terreno da política para entrar na história da arte: Van Gogh – A vida (Companhia das Letras), de Steven Naifeh e Gregory White Smith. Traz tudo o que você sempre quis saber da vida e obra do pintor holandês (com análises inteligentes das pinturas mais importantes), além de propor nova interpretação para a morte do artista. Ainda no campo das artes visuais, outro grande trabalho lançado este ano foi Matisse, uma vida (Cosac Naify), de Hilary Spurling. A obra contextualiza as tentativas de resposta das vanguardas modernistas à perplexidade de duas guerras mundiais e apresenta personagens pouco conhecidos do grande público, como os pintores Ambroise Vollard, Albert Marquet e André Derain, contemporâneos de Matisse.
As biografias continuam em alta. O mais importante lançamento do ano foi Getúlio – 1882-1930 – Dos anos de formação à conquista do poder (Companhia das Letras), de Lira Neto. Primeiro volume de uma trilogia, o estudo biográfico da maior figura política brasileira do século 20 é primoroso em informação, análise e linguagem, revelando um Getúlio menos conhecido, dos tempos da infância e juventude no Rio Grande do Sul, com direito a passagem controvertida por Ouro Preto. A grande biografia do ano, no entanto, sai do terreno da política para entrar na história da arte: Van Gogh – A vida (Companhia das Letras), de Steven Naifeh e Gregory White Smith. Traz tudo o que você sempre quis saber da vida e obra do pintor holandês (com análises inteligentes das pinturas mais importantes), além de propor nova interpretação para a morte do artista. Ainda no campo das artes visuais, outro grande trabalho lançado este ano foi Matisse, uma vida (Cosac Naify), de Hilary Spurling. A obra contextualiza as tentativas de resposta das vanguardas modernistas à perplexidade de duas guerras mundiais e apresenta personagens pouco conhecidos do grande público, como os pintores Ambroise Vollard, Albert Marquet e André Derain, contemporâneos de Matisse.
» Mundo das letras
No campo da ficção contemporânea, os destaques foram Os enamoramentos (Companhia das Letras), do espanhol Javier Marías, história de amor, ciúme, desejo e fastio entremeada por outras narrativas literárias; O sentido de um fim (Rocco), do inglês Julian Barnes, exercício armado sobre os frágeis andaimes da memória e da paixão; e A trama do casamento (Companhia das Letras), do americano Jeffrey Eugenides, um retrato dos EUA nos anos 1980 perpassado por todas as formas de arrogância e descaminhos, entre o pós-modernismo e as ilusões românticas. Para completar, três romances de dicção mais pop, com um pé no cinema e outro na sociedade de consumo. Do Japão vem 1Q84, primeiro volume da trilogia de Haruki Murakani, com personagens sugados para um mundo de duas luas controlado por uma organização religiosa. O americano Tom Perrota surpreende com seu Os deixados para trás (Intrínseca), sobre uma época em que as milhões de pessoas desaparecem sem motivo aparente, deixando aos que ficaram a tarefa de entender a razão da catástrofe ao mesmo tempo em que precisam levar a vida adiante. Uma metáfora das mudanças da sociedade americana pós-11 de setembro. Para completar, A visita cruel do tempo (Intrínseca), de Jennifer Egan, uma narrativa caleidoscópica, apresentada por muitas vozes e pontos de vista, gerando a radiografia de uma geração que não aprendeu nada com seus sonhos de liberdade.
No campo da ficção contemporânea, os destaques foram Os enamoramentos (Companhia das Letras), do espanhol Javier Marías, história de amor, ciúme, desejo e fastio entremeada por outras narrativas literárias; O sentido de um fim (Rocco), do inglês Julian Barnes, exercício armado sobre os frágeis andaimes da memória e da paixão; e A trama do casamento (Companhia das Letras), do americano Jeffrey Eugenides, um retrato dos EUA nos anos 1980 perpassado por todas as formas de arrogância e descaminhos, entre o pós-modernismo e as ilusões românticas. Para completar, três romances de dicção mais pop, com um pé no cinema e outro na sociedade de consumo. Do Japão vem 1Q84, primeiro volume da trilogia de Haruki Murakani, com personagens sugados para um mundo de duas luas controlado por uma organização religiosa. O americano Tom Perrota surpreende com seu Os deixados para trás (Intrínseca), sobre uma época em que as milhões de pessoas desaparecem sem motivo aparente, deixando aos que ficaram a tarefa de entender a razão da catástrofe ao mesmo tempo em que precisam levar a vida adiante. Uma metáfora das mudanças da sociedade americana pós-11 de setembro. Para completar, A visita cruel do tempo (Intrínseca), de Jennifer Egan, uma narrativa caleidoscópica, apresentada por muitas vozes e pontos de vista, gerando a radiografia de uma geração que não aprendeu nada com seus sonhos de liberdade.
» Babel decifrada
No âmbito da literatura internacional, é bom começar com destaque para grandes traduções. O Brasil finalmente conheceu parte importante da obra de Nicolai Leskov (Editora 34, por Denise Salles, Noé Oliveira e Policarpo Polli); ganhou uma edição completa da ficção de Bruno Schuz (Cosac Naify, por Henryk Siewierski); conheceu finalmente um dos maiores romances do século 19, Oblómov (Cosac Naify, por Rubens Figueiredo), de Ivan Gontcharóv. Ainda entre os russos, dois volumes de Dostoiévski ganharam versão diretamente do original, O sonho do tio e Sonhos de Petersburgo (Editora 34, por Paulo Bezerra) e A aldeia de Stepántchikovo e seus habitantes (Editora 34, por Lucas Simone). O leitor brasileiro foi brindado ainda com novas traduções de clássicos como Ulysses, de James Joyce (Penguim Companhia, por Caetano Galindo), e Don Quixote, de Cervantes (Penguin Companhia, por Ernani Ssó). Uma das mais aguardadas traduções, o quarto e último volume do Livro das mil e uma noites (Globo), feita diretamente do árabe por Mamede Mustafa Jarouche, completou o ano em que os clássicos estiveram em alta.
No âmbito da literatura internacional, é bom começar com destaque para grandes traduções. O Brasil finalmente conheceu parte importante da obra de Nicolai Leskov (Editora 34, por Denise Salles, Noé Oliveira e Policarpo Polli); ganhou uma edição completa da ficção de Bruno Schuz (Cosac Naify, por Henryk Siewierski); conheceu finalmente um dos maiores romances do século 19, Oblómov (Cosac Naify, por Rubens Figueiredo), de Ivan Gontcharóv. Ainda entre os russos, dois volumes de Dostoiévski ganharam versão diretamente do original, O sonho do tio e Sonhos de Petersburgo (Editora 34, por Paulo Bezerra) e A aldeia de Stepántchikovo e seus habitantes (Editora 34, por Lucas Simone). O leitor brasileiro foi brindado ainda com novas traduções de clássicos como Ulysses, de James Joyce (Penguim Companhia, por Caetano Galindo), e Don Quixote, de Cervantes (Penguin Companhia, por Ernani Ssó). Uma das mais aguardadas traduções, o quarto e último volume do Livro das mil e uma noites (Globo), feita diretamente do árabe por Mamede Mustafa Jarouche, completou o ano em que os clássicos estiveram em alta.
» Mundo de ideias
O melhor de 2012 não ficou com a literatura de invenção, mas com os ensaios, sobretudo aqueles escritos com intenção de chegar ao público não especialista. Sério candidato a melhor livro do ano lançado no Brasil é O chapéu de Vermeer – O século XVII e o começo do mundo globalizado (Editora Record), de Timothy Brook. Partindo dos quadros pintados pelo holandês Johannes Vermeer, o especialista em história chinesa traça um panorama da Europa e de suas trocas, simbólicas e materiais, no rico século 17. Cada cor, elementos e sombra ganham sentido num livro de muita perspicácia, beleza e informação. Na linha dos ensaios de divulgação científica, merece destaque o impressionante O imperador de todos os males – Uma biografia do câncer (Companhia das Letras), de Siddartha Mukherjee, livro de história da ciência, sobre a evolução da medicina e acerca do imaginário e realidade do mais ameaçador dos males a afligir a espécie humana. Uma saga de dor e superação, na qual todos vão se sentir de alguma forma implicados. Mais que doença, o câncer surge como personagem. No campo da história das ideias econômicas, destaque para A imaginação econômica – Gênios que criaram a economia moderna e mudaram a história (Companhia das Letras), que ilumina a gênese do debate entre intervenção e liberalismo. Pode parece um livro técnico, mas não faltam histórias saborosas e até picantes de nem tão vetustos economistas.
O melhor de 2012 não ficou com a literatura de invenção, mas com os ensaios, sobretudo aqueles escritos com intenção de chegar ao público não especialista. Sério candidato a melhor livro do ano lançado no Brasil é O chapéu de Vermeer – O século XVII e o começo do mundo globalizado (Editora Record), de Timothy Brook. Partindo dos quadros pintados pelo holandês Johannes Vermeer, o especialista em história chinesa traça um panorama da Europa e de suas trocas, simbólicas e materiais, no rico século 17. Cada cor, elementos e sombra ganham sentido num livro de muita perspicácia, beleza e informação. Na linha dos ensaios de divulgação científica, merece destaque o impressionante O imperador de todos os males – Uma biografia do câncer (Companhia das Letras), de Siddartha Mukherjee, livro de história da ciência, sobre a evolução da medicina e acerca do imaginário e realidade do mais ameaçador dos males a afligir a espécie humana. Uma saga de dor e superação, na qual todos vão se sentir de alguma forma implicados. Mais que doença, o câncer surge como personagem. No campo da história das ideias econômicas, destaque para A imaginação econômica – Gênios que criaram a economia moderna e mudaram a história (Companhia das Letras), que ilumina a gênese do debate entre intervenção e liberalismo. Pode parece um livro técnico, mas não faltam histórias saborosas e até picantes de nem tão vetustos economistas.
» Ficção nacional
Entre os romances brasileiros, o de maior impacto foi Barba ensopada de sangue (Companhia das Letras), de Daniel Galera. Mergulho corajoso de um homem que se recolhe numa casa de praia para dar conta do passado, num misto de livro de mistério e sondagem psicológica. Ricardo Lísias lançou O céu dos suicidas (Alfaguara), outro périplo em busca da própria alma, numa trama recheada de culpa e remorso. Em seu segundo romance, José Luiz Passos confirma a sofisticação narrativa em O sonâmbulo amador (Alfaguara), livro confessional de um homem no limite da razão, sempre marcado pela dor e pelas perdas. Vem também dos limites da loucura o romance Carbono pautado (Record), de Rodrigo Souza Leão, escritor que morreu em 2009 deixando obra controversa e rica, que ainda desafia a crítica e os leitores. O livro, em meio ao absurdo das situações, é perpassado de doses de obsessão e humor. Com Desde que o samba é samba (Planeta), Paulo Lins desencanta depois de Cidade de Deus, numa história sobre o Rio de Janeiro dos anos 1920 habitado por sambistas, tias, capoeiras, poetas modernistas e malandros. Por fim, o veterano Francisco Dantas abandona a temática rural que vem caracterizando sua literatura no romance Caderno de ruminações (Alfaguara), história de um médico em plena crise dos 50, às vésperas de um casamento fadado ao fracasso.
Entre os romances brasileiros, o de maior impacto foi Barba ensopada de sangue (Companhia das Letras), de Daniel Galera. Mergulho corajoso de um homem que se recolhe numa casa de praia para dar conta do passado, num misto de livro de mistério e sondagem psicológica. Ricardo Lísias lançou O céu dos suicidas (Alfaguara), outro périplo em busca da própria alma, numa trama recheada de culpa e remorso. Em seu segundo romance, José Luiz Passos confirma a sofisticação narrativa em O sonâmbulo amador (Alfaguara), livro confessional de um homem no limite da razão, sempre marcado pela dor e pelas perdas. Vem também dos limites da loucura o romance Carbono pautado (Record), de Rodrigo Souza Leão, escritor que morreu em 2009 deixando obra controversa e rica, que ainda desafia a crítica e os leitores. O livro, em meio ao absurdo das situações, é perpassado de doses de obsessão e humor. Com Desde que o samba é samba (Planeta), Paulo Lins desencanta depois de Cidade de Deus, numa história sobre o Rio de Janeiro dos anos 1920 habitado por sambistas, tias, capoeiras, poetas modernistas e malandros. Por fim, o veterano Francisco Dantas abandona a temática rural que vem caracterizando sua literatura no romance Caderno de ruminações (Alfaguara), história de um médico em plena crise dos 50, às vésperas de um casamento fadado ao fracasso.
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