Publicada em edição resumida no Brasil, obra de Doris Kearns Goodwin foi base de filme de Steven Spielberg
Segundo historiadora, humor e mania de contar histórias eram escudo de americano contra a melancolia
Obama se referia a "Team of Rivals" (time de rivais), biografia de Abraham Lincoln que Goodwin publicara em 2005 e que, naquele ano de eleições, mais do que nunca, era febre no meio político.
A conversa, a primeira de muitas, restringiu-se naquele momento ao gênio político do homem que ocupara a Casa Branca de 1860 a 1865. Meses depois, eleito, Obama utilizaria truques que aprendeu no livro de Goodwin.
Assim como Lincoln, que montou seu gabinete com ex-rivais políticos -história esmiuçada por Goodwin ao longo das 944 páginas da obra-, Obama se aproximou de ex-concorrentes, como Joe Biden, que se tornou o vice-presidente, e Hillary Clinton, secretária de Estado.
Àquela altura os direitos da biografia já estavam comprados para o cinema por Steven Spielberg. O resultado, "Lincoln", estreia hoje em circuito nacional.
"Lincoln" é também o nome da edição resumida -autorizada por Goodwin, com o texto da versão em audiolivro-, de 322 páginas, que a editora Record lança hoje.
14 MIL
Para se diferenciar dos 14 mil títulos já escritos sobre Lincoln -a conta é da autora-, Goodwin pensou em partir da relação dele com a mulher, Mary, tal como fizera com Franklin e Eleanor Roosevelt em "No Ordinary Time", biografia que lhe rendeu o Pulitzer em 1995.
Mas percebeu que Lincoln era "mais casado" com os membros de seu gabinete. "Comecei a ler diários e cartas deles. Entendi que tinham sido seus rivais e encontrei a história que queria contar", disse Goodwin, 70, à Folha.
Spielberg e o roteirista Tony Kushner centraram a história na luta pela aprovação da 13ª Emenda, que acabou com a escravidão nos EUA -a passagem, que ocupa poucas páginas ao final da versão original da biografia, não aparece na edição brasileira.
Mas o filme aproveitou uma variedade de falas e situações descritas pela autora ao longo das quase mil páginas. "Quis mostrar o quanto o humor e mania de contar histórias eram centrais para Lincoln. Eu repetia a Kushner: 'Você tem de colocá-lo para contar histórias no filme'."
E Kushner o fez. A certa altura do longa, Lincoln (Daniel Day-Lewis) conta uma história do herói de guerra americano Ethan Allen, uma das anedotas preferidas de Lincoln, segundo a biografia.
Em viagem à Inglaterra, Allen viu à sua frente, na latrina, um quadro do ex-presidente dos EUA George Washington, colocado lá como provocação. Questionado pelos ingleses sobre a localização do quadro, disse achar apropriado. "Nada como um retrato de Washington para fazer os ingleses se cagarem todos."
Não tão pródiga em detalhes, a edição da Record, na boa tradução de Waldéa Barcellos, serve como complemento para quem viu o filme.
LINCOLN
AUTORA Doris Kearns Goodwin
TRADUÇÃO Waldéa Barcellos
EDITORA Record
QUANTO R$ 39,90 (322 págs.)
CRÍTICA DRAMA
Personagem de Spielberg diz para Obama fazer a coisa certa
RICARDO CALILCRÍTICO DA FOLHAUma parcela considerável dos filmes recentes de Steven Spielberg pode ser interpretada como uma série de metáforas sobre a política americana. Seja nas obras históricas ou nas ficções futuristas, há quase sempre uma mensagem para o presente.Em "Lincoln", a tendência se aprofunda, a metáfora nunca foi tão direta. Estamos em janeiro de 1865, com um país destruído pela guerra civil, radicalmente dividido em torno da questão da escravatura e Abraham Lincoln reeleito para a presidência.
Mas também estamos em janeiro de 2013, com o país abalado pela crise econômica, rachado politicamente e Barack Obama empossado para seu segundo mandato.
De distinção mais relevante entre um tempo e outro, há uma inversão de papéis partidários: no passado, os republicanos carregavam a bandeira progressista, a favor da abolição; e os democratas eram, grosso modo, o Tea Party do momento.
Nesse cenário, Lincoln (Daniel Day-Lewis) surge como o único homem capaz de liderar o país para abolir a escravidão e acabar com a guerra. É um recado claro ao presente, mas um recado sóbrio: o cinema de Spielberg nunca foi tão falado e tão pouco espetacular; tão clássico e, em certos momentos, tão solene.
O melhor do cineasta seguem sendo suas peças de "divertissement" ("Tubarão", o primeiro "Indiana Jones"). Mas "Lincoln" junta-se ao núcleo de seus filmes "adultos", logo abaixo de "Munique".
Para tanto, o trabalho de Day-Lewis é essencial. Seu Lincoln é por vezes humano e por vezes monumental.
Mas ele é, acima de tudo, um fantasma moral, vagando pela Casa Branca, sussurrando para seus contemporâneos, mas também para um longínquo sucessor: "Obama, faça a coisa certa".
LINCOLN
DIREÇÃO Steven Spielberg
PRODUÇÃO EUA, 2012
ONDE Reserva Cultural, Cidade Jardim e circuito
CLASSIFICAÇÃO 10 anos
AVALIAÇÃO bom
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