terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Helio Schwartsman

FOLHA DE SÃO PAULO

Contra o hiperativismo parental
A genética tende a ser mais forte que a criação no comportamento dos filhos, mas ainda sobra espaço para o ambiente
A seção de puericultura da Livraria Cultura traz 2.038 itens. Ali abundam títulos como "Criando Filhos Vitoriosos" ou "Como Multiplicar a Inteligência do Seu Bebê". Será que pais têm realmente todo esse poder sobre o futuro de suas crianças?
Evidentemente, nós gostamos de acreditar que sim. Imaginar que controlamos o mundo circundante é um dos mais poderosos -e ilusórios- vieses cognitivos do homem. As evidências, entretanto, sugerem um quadro bem diferente.
Para começar, boa parte do futuro da criança é definida num período de tempo relativamente curto que varia de 24 a 48 horas, que é quando ocorre a fusão dos gametas maternos e paternos.
Embora grande parte dos pedagogos seja alérgica ao termo "genética", não há como deixar de reconhecer o forte papel da hereditariedade biológica.
O peso dessas evidências é tanto que mesmo um cientista tido como campeão do antideterminismo, sir Michael Rutter, autor de "Genes and Behavior" (genes e comportamento), escreve: "Qualquer crítico desapaixonado terá de concluir que a evidência em favor de uma importante influência genética sobre diferenças individuais é inegável".
Com efeito, uma série de trabalhos feitos com gêmeos e adotados mostra que as forças da natureza vencem as da criação para a maioria das características que desejamos para nossos filhos. Aí estão incluídos não apenas qualidades em que isso é fácil de aceitar, como altura, peso, beleza física e personalidade, mas também traços mais elusivos, como inteligência, sucesso profissional, felicidade, religiosidade, propensão ao uso de drogas e até para cometer crimes.
Isso significa que podemos desistir de educar as crianças e deixar que a biologia siga seu curso? Nem tanto. Os fatores genéticos tendem a ser mais fortes que os efeitos da criação, compreendida como o ambiente que irmãos gêmeos, fraternos ou adotivos compartilham e é em larga medida definido pelos pais, mas ainda sobra um enorme espaço para o chamado ambiente não compartilhado, que é um outro nome para a história única de cada indivíduo -algo que a ciência ainda não sabe como medir e nem mesmo analisar direito.
Existem, porém, algumas pistas interessantes. Judith Harris, autora de "The Nurture Assumption" (a hipótese da criação), sustenta que a socialização dos jovens não se dá através dos pais, mas principalmente por meio de seus pares, de outras crianças da mesma faixa etária e sexo.
Um dos muitos argumentos que ela usa para apoiar sua teoria é o fato de que filhos de imigrantes não terminam falando com a pronúncia dos pais, mas sim com a dos jovens com os quais convivem.
Pode parecer até meio banal, mas a conexão linguística é especialmente interessante para o debate hereditariedade X criação, porque ela é uma das poucas características que não embaralha fatores genéticos e ambientais. Com efeito, o idioma que falamos e a forma como o fazemos não são determinados pelos genes, mas só pelo meio em que vivemos.
Outros livros interessantes nessa mesma linha são "Reclaiming Childhood" (reivindicando a infância), de Helene Guldberg, e "Selfish Reasons to Have More Kids" (razões egoístas para ter mais filhos), de Bryan Caplan, que já resenhei nesta seção. Por não dizerem exatamente o que desejamos ouvir, são um pouco mais difíceis de encontrar, mas quem procurar bem conseguirá achá-los. Fazem um bom contraponto ao hiperativismo parental, inaugurado por Locke e Rousseau, que é a marca da modernidade.

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