terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Janio de Freitas

FOLHA DE SÃO PAULO

Autores de desgraças
Conviria tornar-se norma a investigação da parcela de responsabilidade dos governantes em desastres
A CADA verão as enchentes se repetem e, com elas, os mesmos artigos acusando os governantes pela falta de medidas preventivas e pelo mau uso das verbas de restauração. Vou fazer um acréscimo.
Em Duque de Caxias e, sobretudo, em Xerém, na vizinhança do Rio, a enchente trouxe um perigo agravado, e ainda não ativo em sua verdadeira dimensão.
Já por um mês antes da chuvarada, não havia coleta de lixo naquela região de alta densidade populacional. Represália a derrota nas eleições, explica o noticiário. Muito mais do que isso, porém. Abandonar a coleta de lixo foi um ataque, pensado e calculado, à saúde pública.
Não faz diferença se o montante de 50 mil toneladas de lixo acumuladas ali é, ou não, boa estimativa. Nem a suspensão da coleta dependia de temporais para produzir os efeitos previsíveis.
Semanas antes da enchente, já o noticiário exibia monturos de lixo pelas ruas, a população em desespero incendiando vários deles. A chuva os desmanchou e criou uma lama de lixo e contaminações muito maior e mais espalhada do que as enchentes em geral provocam.
Os serviços de saúde pública temem desdobramentos muito ruins do que houve e ainda está naquela região.
Mas nada se ouve sobre providências para ações penais. Em várias cidades do interior de São Paulo, de Minas, do Nordeste e, claro, do Estado do Rio, prefeitos derrotados vingaram-se de suas populações criando ou agravando o caos.
As escassas notícias a respeito informam de destruição de remédios do estoque municipal, desmontagem das condições mínimas de funcionamento de serviços, e sempre o abandono da precária limpeza urbana. Vão todos esses ex-prefeitos ficar isentados até de aborrecimentos?
Tem sido assim. Por isso a audácia das represálias à rejeição por certo muito justificada.
E por isso, também, a corrupção dos contratos, os desvios de verbas e o descaso de administrações na restauração das zonas vitimadas pelos desastres naturais. Nada acontece a esses criminosos potenciais ou realizados.
É preciso que aconteça. Que passe, afinal, a acontecer. Polícia, sim, e acima de todos o Ministério Público (este, até pelo nome) são devedores de providências quanto aos episódios atuais e ainda aos futuros.
Conviria tornar-se norma a investigação, na ocorrência dos desastres climáticos que atingem populações, da parcela de responsabilidade do administrador público que, dispondo de recursos para evitá-los ou torná-los menos drásticos, não o houvesse feito sem justificativa convincente.
É um corresponsável por desgraças irreparáveis e mesmo por mortes.
Os artigos sobre as enchentes do ano que vem, para variar, poderão reclamar também da polícia e do Ministério Público.
Ou alguém esperaria mesmo as providências capazes de intimidar os maus prefeitos, e assim forçá-los a ações de fatos preventivas?

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