terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Maria Esther Maciel - Noites de insônia‏


Maria Esther Maciel

Estado de Minas: 22/01/2013 
A insone está com a luz do abajur acesa, tentando vencer a noite com um livro. Lê uma dúzia de páginas, mas logo se desconcentra. Olha para o relógio, que marca 4h37. Fecha o volume, vira-se para o lado esquerdo e tenta adormecer. De repente, é assaltada por um turbilhão de pensamentos e se mantém desperta. Minutos depois, abre os olhos, dirigindo-os para o relógio, e vê: já são 5 para as 5h. É, não tem jeito. O melhor, ela pensa, é render-se ao inevitável e tirar algum proveito do silêncio.

Tem sido sempre assim, há várias semanas: ela acorda por volta das quatro da madrugada e não dorme mais. No início, chegou a tomar remédio para dormir, mas parou porque ficava grogue no outro dia. Recorreu, então, ao chá de erva-cidreira, que tampouco deu certo. Aí resolveu experimentar formas mais produtivas de atravessar as horas, como ler um livro ou acessar o computador. Leu alguns bons livros dessa forma. Já no computador não viu muita graça, pela sensação de estar repetindo, na madrugada, as atividades do dia. Até que, certa noite, ao se entregar aos devaneios, descobriu os poderes criativos da insônia. Passou, a partir daí, a conviver um pouco melhor com ela.

Entre outras coisas, a insone aprendeu que, em estado de vigília, fica mais fácil encontrar soluções para os problemas do dia, as ideias afloram com mais liberdade, a imaginação aumenta. Uma tarde, chegou a comentar isso com sua amiga Ester, que é insone eventual. Foi quando ganhou dela um livro de Emil Cioran (insone profissional que se tornou filósofo graças às noites sem dormir) com várias frases grifadas a lápis. Entre elas, a seguinte: “A insônia ilumina nossos impasses”. Mais adiante, leu mais esta: “A insônia concede mais saber que os dias consumados no repouso”. Achou interessante. “Se não for verdade, pelo menos vale como consolo”, concluiu.

Já são 5h58. A insone continua no seu quarto, imersa em pensamentos, como a deixamos no primeiro parágrafo. Pelo menos, conseguiu fazer, de cabeça, a lista dos convidados para a sua festa de aniversário. Encontrou, também, o verso que faltava para terminar um poema iniciado dias antes. Chegou, ainda, à conclusão de que a melhor maneira de lidar com as pessoas que traem a nossa confiança é passar a ignorar a presença delas no mundo. Enquanto o universo ronca e o tempo se move a passos lentos, a insone encontra as respostas que procura. Mesmo assim, a experiência da noite em claro não deixa de ser penosa. Vez por outra, ela olha para os dígitos do relógio e se aflige. Já está quase na hora de todos da casa acordarem. “Quem sabe ainda consigo dormir um pouquinho, até lá pelas 9h?”, ela se inquieta. E, quando menos espera, cai no sono.

Agora são 8h15 e a insone dorme como um anjo. Mas o telefone toca e ela acorda, assustada. Como ninguém atende, levanta-se e vê que todos ainda dormem. Aí se lembra de que é domingo. Ao pegar o fone e dizer alô, uma voz de homem grita: “Sou eu, mãe, estou na rodoviária, o ônibus acabou de chegar.” Ainda zonza, ela pergunta: “O quê? Quem está falando?”. “É o Toninho, mãe”, a voz responde. A insone, irritada, diz que é engano, e bate o telefone. “Ninguém merece”, cochicha para si mesma, antes de voltar para a cama.

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