terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Janio de Freitas

FOLHA DE SÃO PAULO

Da arte de criar problemas
Nada ligaria a tal poluição da paisagem às condições da barra de entrada na Guanabara; a mágica ligou-as
Problemas exigem soluções. Soluções exigem gastos. Gastos de uns levam a ganhos de outros. Se imaginada uma possibilidade de ganho, trata-se então de criar meios para chegar a ele. E aí está a modalidade autenticamente brasileira do que chamam de Parceria Público-Privada. Ou, na intimidade dos negócios, o econômico PPP. Cujo som, se emitido com rapidez, pode parecer PCC, mas os acasos não têm maldade.
É tudo muito simples. De repente surge no jornal, como saído do nada, um projeto Y de concreto que parte da orla no centro do Rio e avança, imenso, mar adentro da baía de Guanabara. Uma ampliação do porto. O prefeito não perde tempo: "Esse porto encobriria o panorama, impediria a vista do mosteiro", o mosteiro de São Bento com seus quatro séculos.
Vista a partir de onde? Não é dito, mas só pode ser a partir de uma nesga da orla portuária. E logo, para confirmar a sentença do prefeito, surge uma montagem de "divulgação", autoria e procedência ocultas, com um fenomenal transatlântico em primeiro plano que encobriria o próprio mundo, se necessário.
Pronto. Não se discute a ampliação em si, não se discute a apropriação do mar pela Companhia Docas do Rio, que não tratou de comprar uma faixa de orla para aumentar o porto, nada se discute: tudo está deslocado e concentrado, como convém, na alegada intenção de localizar o Y em frente à revitalizada praça Mauá, no mar de que a companhia não é proprietária.
Você já percebeu que o ato seguinte, e imediato, foi de defesa da paisagem da cidade com a aceitação do Y pelo prefeito, desde que um tanto mais distante. E, contra as más línguas, em troca de dois armazéns da Docas, que a prefeitura poderia comprar ou desapropriar, se de fato necessários à remodelação em curso na área.
Ideias puxam ideias e ganhos atraem ganhos. Y, mar, navios, paisagem -essa combinação dá coisa. Também de repente, surge a notícia de que os navios à espera de entrada na baía poluem a paisagem vista das praias de Copacabana e Ipanema. Jamais se ouviu alguma coisa nesse sentido. Mas o prefeito, outra vez, não perde tempo: "Esses navios estacionados em frente a Ipanema estragam a paisagem noturna".
A paisagem noturna do mar é a escuridão. E não vá alguém pensar que o prefeito Eduardo Paes é um bruto, incapaz de perceber a beleza daquelas gotas de luz no negrume, às vezes formando colares de brilhos brancos e alaranjados, joias na noite densa. Maiores e mais brilhantes pela iluminação farta dos barcos, na tentativa de escapar aos assaltos comuns na fundeação em águas brasileiras.
E logo vieram outras fotos. Com teleobjetivas, que aproximam os planos e assim põem os navios como se bem próximos do continente. Estão, no entanto, a cinco, oito e mais quilômetros de distância das praias. É mais uma defesa contra assaltantes e é a zona marítima da falsa fila à espera de disponibilidade dentro da baía para fundear e atracar.
Nada ligaria a tal poluição da paisagem às condições da barra de entrada na Guanabara. Mas a mágica ligou-as na conclusão de que é necessária, para retirar os navios fundeados em alto-mar, enorme dragagem do portal da baía.
Nessa até o governo federal já entrou: o prefeito informa a promessa de R$ 200 milhões para a obra. Depois veremos, como é praxe, a quantas centenas de milhões ou a quantos bilhões vai o custo real.

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