Da arte de criar problemas
Nada ligaria a tal poluição da paisagem às condições da barra de entrada na Guanabara; a mágica ligou-as
Problemas exigem soluções. Soluções exigem gastos. Gastos de uns levam a ganhos de outros. Se imaginada uma possibilidade de ganho, trata-se então de criar meios para chegar a ele. E aí está a modalidade autenticamente brasileira do que chamam de Parceria Público-Privada. Ou, na intimidade dos negócios, o econômico PPP. Cujo som, se emitido com rapidez, pode parecer PCC, mas os acasos não têm maldade.É tudo muito simples. De repente surge no jornal, como saído do nada, um projeto Y de concreto que parte da orla no centro do Rio e avança, imenso, mar adentro da baía de Guanabara. Uma ampliação do porto. O prefeito não perde tempo: "Esse porto encobriria o panorama, impediria a vista do mosteiro", o mosteiro de São Bento com seus quatro séculos.
Vista a partir de onde? Não é dito, mas só pode ser a partir de uma nesga da orla portuária. E logo, para confirmar a sentença do prefeito, surge uma montagem de "divulgação", autoria e procedência ocultas, com um fenomenal transatlântico em primeiro plano que encobriria o próprio mundo, se necessário.
Pronto. Não se discute a ampliação em si, não se discute a apropriação do mar pela Companhia Docas do Rio, que não tratou de comprar uma faixa de orla para aumentar o porto, nada se discute: tudo está deslocado e concentrado, como convém, na alegada intenção de localizar o Y em frente à revitalizada praça Mauá, no mar de que a companhia não é proprietária.
Você já percebeu que o ato seguinte, e imediato, foi de defesa da paisagem da cidade com a aceitação do Y pelo prefeito, desde que um tanto mais distante. E, contra as más línguas, em troca de dois armazéns da Docas, que a prefeitura poderia comprar ou desapropriar, se de fato necessários à remodelação em curso na área.
Ideias puxam ideias e ganhos atraem ganhos. Y, mar, navios, paisagem -essa combinação dá coisa. Também de repente, surge a notícia de que os navios à espera de entrada na baía poluem a paisagem vista das praias de Copacabana e Ipanema. Jamais se ouviu alguma coisa nesse sentido. Mas o prefeito, outra vez, não perde tempo: "Esses navios estacionados em frente a Ipanema estragam a paisagem noturna".
A paisagem noturna do mar é a escuridão. E não vá alguém pensar que o prefeito Eduardo Paes é um bruto, incapaz de perceber a beleza daquelas gotas de luz no negrume, às vezes formando colares de brilhos brancos e alaranjados, joias na noite densa. Maiores e mais brilhantes pela iluminação farta dos barcos, na tentativa de escapar aos assaltos comuns na fundeação em águas brasileiras.
E logo vieram outras fotos. Com teleobjetivas, que aproximam os planos e assim põem os navios como se bem próximos do continente. Estão, no entanto, a cinco, oito e mais quilômetros de distância das praias. É mais uma defesa contra assaltantes e é a zona marítima da falsa fila à espera de disponibilidade dentro da baía para fundear e atracar.
Nada ligaria a tal poluição da paisagem às condições da barra de entrada na Guanabara. Mas a mágica ligou-as na conclusão de que é necessária, para retirar os navios fundeados em alto-mar, enorme dragagem do portal da baía.
Nessa até o governo federal já entrou: o prefeito informa a promessa de R$ 200 milhões para a obra. Depois veremos, como é praxe, a quantas centenas de milhões ou a quantos bilhões vai o custo real.
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