terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Quatro anos depois, amigos dizem que Obamas mudaram

folha de são paulo


JODI KANTOR

DO "NEW YORK TIMES"

Barack e Michelle Obama estão sob o olhar atento da nação há mais de mil dias, mas as transformações pessoais pelas quais passaram podem ser difíceis de detectar.
As pessoas que os conhecem pessoalmente, porém, dizem que percebem um acúmulo de pequenas mudanças no presidente e na primeira-dama desde que eles percorreram o caminho do desfile de posse, quatro anos atrás.
O homem que queria mudar a natureza de Washington hoje avisa aos candidatos a cargos no governo federal que é difícil conseguir que qualquer coisa seja feita lá.
Não faz muito tempo, Obama disse que não precisava de uma biblioteca presidencial, um tributo a ele mesmo que custaria centenas de milhões de dólares. Agora uma ex-assessora dele, Susan Sher, está examinando possibilidades nesse sentido para ele em Chicago.
A primeira-dama que queria criar vínculos com sua nova cidade descobriu que até para ir olhar as flores de cerejeira ela precisa de chapéu, óculos de sol e convencer o Serviço Secreto a autorizá-la. Numa demonstração de como pode ser difícil para qualquer presidente ou primeira-dama conservarem relacionamentos, Michelle Obama deixou de levar suas filhas a um programa de mentoreamento que ela própria fundou, por temer que outras adolescentes tivessem inveja delas, segundo uma assessora.
Quando o presidente retornou depois de consolar famílias de professores e crianças mortos no massacre de Newtown, Connecticut --ele chorou quando os familiares lhe deram fotos e lhe contaram histórias sobre vítima após vítima--, seus assessores puderam perceber em seu rosto o sofrimento de absorver os traumas do país. "É isto o que eu faço", Obama comentou com eles.
"Este cargo talvez tenha custado a Obama mais no nível pessoal, até mesmo de sua energia, que à maioria de seus predecessores, porque ele era quase inteiramente outsider", observou o dramaturgo Tony Kushner, partidário que recentemente jantou com o presidente para discutir com ele o filme "Lincoln", cujo roteiro ele (Kushner) escreveu.
Os Obama ganharam e perderam em seus quatro anos na Casa Branca, tornando-se profissionais experientes ao invés de novatos e ficando mais convencionais, com uma visão contraída das possibilidades reais. Eles são pessoas firmes e constantes, não dadas à reinvenção em série. Mas, em entrevistas, assessores antigos e atuais da Casa Branca e de campanha, doadores e amigos de Chicago do casal disseram que é possível ver como o presidente e a primeira-dama foram afetados por seus papéis.
Descrevendo Barack e Michelle, eles usaram frases como "estão mais confiantes, mas mais marcados". Mais isolados. Menos hesitantes em dar ordens a membros de sua equipe, quer sejam os mordomos ou os assessores de mais alto nível. Satisfeitos com a reeleição, que eles veem como confirmação bem-vinda de sua atuação, e mais decididos e intransigentes quando se trata de derrotar republicanos.
E Obama aprendeu que sua Presidência será moldada por acontecimentos imprevistos -- "gafanhotos", como os descreveu um ex-assessor, pelo fato de se acumularem sem aviso prévio.
DIFERENCIADO
Barack Obama nunca quis ser um político comum --houve um tempo em que Michelle Obama mal conseguia usar a palavra "político" para descrever seu marido--, e seus assessores resistem à ideia de que ele tenha sucumbido à prática padrão de Washington.
Alguns doadores e assessores riem da ideia de que o casal agora observe o ritual político com mais cuidado: este é um presidente que não convidou Bill e Hillary Rodham Clinton para jantar, mas que promove almoços para discutir filosofia moral com o colega Nobel da Paz Elie Wiesel. "Ele pensa sobre o destino em termos humanos", comentou Wiesel em entrevista.
Mesmo assim, outros declaram que os Obama ficaram mais descontraídos, mais à vontade com a divisão porosa entre o político e o social, mais dispostos a revelar-se. Recentemente eles começaram a convidar mais pessoas de fora para seus aposentos residenciais particulares, incluindo Tony Kushner, Steven Spielberg e Daniel Day-Lewis no jantar para celebrar o filme "Lincoln".
No final de novembro, num jantar de agradecimento aos maiores levantadores de fundos para sua campanha, Barack e Obama agiram como recém-casados, brincando e passeando de mesa em mesa para aceitar felicitações e votos positivos para os próximos anos, fazendo piadas com segundo sentido que os hóspedes se negaram a repetir para publicação.
Mesmo o discurso do presidente mudou um pouco, dizem observadores atentos. Embora ele ainda desdenhe Washington, hoje Obama frequentemente soa menos como outsider desaprovador e mais como participante. Um ex-assessor dele ficou espantado ao ouvir Obama usar o verbo "impactar", uma tendência nítida na capital.
Outro assessor de longa data contou que, durante as negociações de 2011 sobre o teto da dívida, ele achou surpreendente ver que Obama ficou ofendido quando o presidente da Câmara, John A. Boehner, não retornou seus muitos telefonemas.
O Barack Obama antigo teria achado uma bobagem o protocolo de quem telefona para quem, disse o assessor, mas "o mundo que ele habita hoje é o mundo das manobras políticas de Washington". Em imagens de vídeo de Obama, os contrastes notados podem ser sutis, mas interessantes.
Em sua primeira cerimônia de indulto do peru no Dia de Ação de Graças, em 2009, o presidente cumpriu o ritual, mas depois fez uma pausa para distanciar-se do que estava fazendo e deixar subentendido que achava a tradição ridícula. "Há certos dias que me fazem lembrar por que me candidatei a este cargo", disse ele. "E há momentos como estes, quando extingo a pena de morte de um peru e o envio para a Disneylândia."
Na mesma cerimônia três anos mais tarde, vemos Obama promovendo um concurso para ver qual peru indultar e rindo um pouco. "Não dá para conservar a atitude de cinismo em relação a essas coisas, no dia a dia", explicou Arun Chaudhary, o ex-cinegrafista da Casa Branca, porque os rituais da Casa Branca têm grande valor para muitos americanos.
O que o presidente quer realizar no mandato atual está claro: um acordo fiscal e reformas das leis de controle de armas e de imigração, medidas em relação às mudanças climáticas e leis de identificação de eleitores menos restritivas. Mas o que a primeira-dama quer é menos conhecido. Em quase todas suas aparições públicas ela age de modo caloroso e despretensioso; na sexta-feira ela continuou sua "discussão" em tom de brincadeira com Ellen DeGeneres em torno de quem consegue fazer mais flexões abdominais.
Esse tom de informalidade pode mascarar até que ponto Michelle Obama é disciplinada.
PRIMEIRA-DAMA
Embora muitos em torno dos Obama digam que ela mudou muito mais que seu marido, aprendendo a lidar bem com um papel que inicialmente achou incômodo, Michelle ainda trata o trabalho da primeira-dama como território perigoso no qual ela precisa dar um jeito de navegar com segurança.
A mulher que nunca quis viver numa bolha agora usa a bolha para se proteger, revelam amigos e ex-assessores, preparando suas atividades públicas em planos estratégicos para seis e 12 meses e raramente dizendo qualquer coisa de improviso.
As primeiras-damas com frequência são figuras que reconfortam o público, mas Michelle não falou publicamente sobre a tragédia de Newtown, exceto por duas cartas breves que publicou, apesar de alguns de seus fãs terem suplicado para que a autodescrita "mãe em chefe" fizesse mais que isso.
Nas últimas semanas, Michelle Obama e seus fãs vêm discutindo se devem ampliar o trabalho dela para abranger áreas além da obesidade infantil e das famílias militares, discutindo também como capitalizar em cima da popularidade dela.
Na sexta-feira Michelle mergulhou em cheio no novo esforço de seu marido para organizar seus partidários, apresentando o grupo Organizing for Action num anúncio em vídeo. O esforço ambicioso não parece ter chamado tanta atenção quanto o novo penteado da primeira-dama, que motivou manchetes como "Franja de Michelle Obama é um Choque Total ao Sistema".
A primeira-dama não poderá esperar demais para embarcar numa trajetória nova: dentro em pouco os Obama terão mais tempo passado na Casa Branca que tempo futuro. Os rituais que eles introduziram deixaram de ser inovações e passaram a ser tradições.
No Seder (jantar comemorativo da Páscoa judaica) promovido pelos Obama na Casa Branca, o grupinho de presentes, em sua maioria afro-americanos e judeus, lê a lei da Proclamação da Emancipação antes de saudar a chegada do profeta Elias, como no ano anterior.
O presidente jogou basquete no dia da eleição presidencial de 2012, como fez na maioria dos dias de voto em 2008. Mas desta vez o clima foi diferente: os homens eram mais velhos, a ação era mais lenta. Foi um jogo de reencontro, disse John Rogers Jr., amigo de longa data de Obama que participou da partida. Todos ficaram falando sobre os velhos tempos.
Em toda sua carreira, Barack Obama sempre procurou chegar à etapa seguinte: se ele pudesse tornar-se advogado, depois funcionário governamental, depois senador, depois presidente, ele poderia criar mudanças reais.
Mas dentro em breve não haverá cargo mais alto ao qual aspirar, e, dizem assessores, o casal Obama agora manifesta um senso de pragmatismo, contrastando com o senso de possibilidades abertas que permeou a primeira cerimônia de posse. No início de sua Presidência, Obama às vezes passava horas aperfeiçoando seus discursos, como o que ele fez no bicentenário de Abraham Lincoln.
Hoje, segundo Adam Frankel, ex-redator de discursos presidenciais, o presidente tem uma ideia mais precisa de como fazer uso de seu tempo precioso. Quando Obama saiu do palco na noite da eleição, ele não parou para festejar sua vitória, disse Patrick Gaspard, diretor do Comitê Democrata Nacional --ao invés disso, queria discutir o impacto dos gastos externos sobre as disputas parlamentares daquela noite.
Mas Obama agora também sabe que ele não é plenamente senhor de seu destino --que a Presidência vai continuar a impor tarefas que ninguém poderia prever. Os Obama previam passar a noite de 16 de dezembro assistindo ao recital "Quebra-Nozes" de sua filha Sasha. Ao invés disso, o presidente se viu fazendo telefonemas de condolências na escola Newtown.
De acordo com Sarah D'Avino, cuja irmã Rachel morreu defendendo seus alunos, "não existem palavras" para descrever a dor no rosto do presidente quando ele se aproximou das famílias. Obama pediu a cada família que descrevesse o ente querido que morreu, prestando atenção especial às mães de vítimas. Pais enlutados lhe deram fotos de seus filhos para levar com ele à Casa Branca, e Obama lhes disse que as crianças eram lindas e os professores eram heróis.
Momentos mais tarde, ele estava sorrindo, atendendo a pedidos. Um de seus fotógrafos estava por perto, como sempre, e, apesar de tudo, os parentes de vítimas queriam ser fotografados com o presidente.
Tradução de CLARA ALLAIN

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