terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Editoriais FolhaSP

FOLHA DE SÃO PAULO

Chuchu e chapa branca
Assembleia Legislativa de São Paulo não fiscaliza com rigor o Executivo e gasta a maior parte do tempo na aprovação de projetos sem importância
Dado seu comportamento discreto, o governador Geraldo Alckmin recebeu há tempos, do colunista José Simão, a alcunha de "picolé de chuchu". Com mais justiça a imagem poderia ser aplicada à Assembleia Legislativa de São Paulo, cuja participação na vida política se caracteriza por uma sensaboria próxima da inexistência.
No ano passado, a Assembleia conseguiu bater os próprios recordes de irrelevância. Segundo reportagem desta Folha, foi 30% menor, em relação a 2011, o total de projetos aprovados pelo Legislativo.
Das 238 leis elaboradas pelos deputados, a grande maioria (82%) versou sobre temas desimportantes, como a instituição de datas comemorativas e a concessão de benefícios a organizações declaradas de "utilidade pública".
Seria bom, nesse tópico, se a Assembleia conseguisse provar a sua própria utilidade pública -coisa que não se resume ao papel democrático de propor e discutir mudanças nas leis estaduais, mas também pressupõe a fiscalização dos atos do Executivo.
Aqui, entretanto, o Legislativo paulista deixa ainda mais a desejar. A esmagadora maioria dos deputados alinha-se com o governo tucano: apenas 24 dos 94 legisladores fazem oposição a Alckmin.
Na prática, tais números resultaram no fato de que nenhuma CPI de caráter questionador foi instituída na Assembleia. Temas de maior repercussão, como a dos problemas na segurança pública do Estado, foram preteridos.
A exemplo do que ocorre em outras casas legislativas, a começar da Câmara dos Deputados em Brasília, centenas de vetos do Poder Executivo deixaram de ser examinados pela Assembleia.
O caso paulista não é exceção. No Rio de Janeiro, 78% dos deputados estaduais apoiam o governador Sérgio Cabral; no Paraná, 76% dos deputados dão anuência a Beto Richa; em Mato Grosso do Sul não é menos invejável a situação de André Pucinelli, com um rebanho de 71% dos legisladores; tudo também é plácido em Goiás, onde o governador Marconi Perillo tem apoio de 70% dos deputados.
Não por acaso, nessas unidades da Federação deixaram de prosperar ações judiciais contra os governadores; o Superior Tribunal de Justiça não pode agir sem autorização prévia do Legislativo estadual.
Nesse quadro de paralisia, surge como sarcasmo a notícia de que os deputados estaduais paulistas preparam-se para ter renovada a frota de veículos a seu serviço. Ante tanta inércia, seria o caso de perguntar para que os legisladores precisam de carros, novos ou velhos.
A Assembleia parece ter, entretanto, grande ímpeto decisório nesse campo. Tudo foi montado, segundo reportagem do jornal "O Estado de S. Paulo", para resultar na marca de preferência dos deputados. Querem carros da japonesa Toyota, modelo Corolla. Com chapa branca, naturalmente.

    EDITORIAIS
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    Dupla morte
    A difícil situação do sistema público de saúde na capital paulista encontra uma contrapartida sombria nas precaríssimas condições de trabalho do Instituto Médico Legal, órgão subordinado à Secretaria da Segurança Pública.
    Faltam funcionários qualificados nas unidades do IML de São Paulo. Hoje, a cada plantão, só há um técnico de raio-X para atender todos os seis postos do instituto na capital. É, evidentemente, pouco para uma cidade que registrou média superior a cinco homicídios diários a partir de setembro de 2012.
    Na ausência de um técnico, o médico é obrigado a liberar corpos baleados sem ter feito a radiografia. A situação não é aceitável para um órgão que tem a obrigação de fornecer provas para o julgamento de causas criminais.
    Como ocorre com frequência no serviço público, carências materiais levam os funcionários a adquirir, por conta própria, alguns itens indispensáveis à realização do trabalho. Na unidade do Mandaqui (zona norte), por exemplo, os servidores se cotizam para comprar água e itens de higiene pessoal.
    No posto de Artur Alvim (zona leste), o quadro é ainda pior. Os técnicos fizeram a popular "vaquinha" para conseguir uma serra elétrica destinada a cortar ossos. Na falta de instrumentos adequados, facas de churrasqueiro são usadas nos cadáveres. Com as geladeiras lotadas, corpos são abandonados à decomposição em cima de macas, com os números dos prontuários anotados a caneta na pele.
    Na Vila Leopoldina (zona oeste), o filtro do sistema de exaustão de ar -que serve para dissipar o odor dos corpos em decomposição- somente foi trocado após questionamento feito pela reportagem desta Folha. Antes disso, foram oito anos sem manutenção.
    Outras tentativas de melhoria esbarram em falhas de planejamento. O IML Leste 2, em São Mateus, tem uma nova sala de necropsia, mas ela não pode ser usada porque seu encanamento não foi projetado para essa finalidade.
    A direção do órgão afirma que as deficiências são antigas e promete providências -entre elas, a contratação de mais funcionários.
    Não se trata apenas de evitar o vilipêndio a cadáver, crime tipificado no Código Penal. Como se essa razão já não fosse suficiente, um IML funcional é também necessário para o trabalho da polícia e o exercício adequado da Justiça.

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