terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Maria Esther Maciel


DONA IVONE

Maria Esther Maciel


            Há tempos queria fazer uma homenagem a Dona Ivone Lara, a grande dama do samba brasileiro. Na noite do último dia do carnaval, ao ouvir um de seus CDs, esse desejo se reavivou na mesma proporção em que cresceu o meu fascínio por ela. Não sei por quê, mas sempre que a vejo ou ouço cantar, sinto uma ternura sem limites por essa senhora de quase 92 dois anos, que compôs (em parceria ou não) sambas históricos como “Sonho meu”, “Força da imaginação”, “Não chora neném”, entre vários outros. A admiração por ela não é só por causa de suas músicas, sua voz potente e seu porte de rainha. É também por seu jeito de mãe boa e avó generosa, dessas que todo mundo gostaria de ter. É isso: acho que queria ser filha, neta ou mesmo sobrinha de Dona Ivone, para receber de perto a luz de sua presença e de sua sabedoria.
            Impressiona a força de uma mulher que, em plenos anos 1940, ingressou na ala de compositores da Escola de Samba Prazer da Serrinha, tornando-se a primeira figura feminina a compor sambas-enredos na história da música brasileira. Não bastasse isso, ainda integrou a Ala de Compositores do Império Serrano, escola que ela acompanha até hoje e que a homenageou no carnaval de 2011.
            Pelos dados biográficos disponíveis no seu site oficial, a cantora e compositora carioca começou muito cedo no mundo da música: tinha apenas 12 anos quando, após receber de presente dos primos um pássaro tiê-sangue, compôs seu primeiro samba de partido alto, intitulado “Tiê, tiê”. Nessa época, já era órfã de pai e mãe e vivia num colégio interno, onde teve aulas de música com Lucília Villa-Lobos, mulher do famoso maestro e compositor brasileiro. Ao sair do internato, foi morar com um tio músico, integrante de um grupo de choro do qual também participavam Pixinguinha e Donga. Com esse tio aprendeu a arte do cavaquinho.
            São muitos os dados interessantes sobre o percurso de Dona Ivone. Sua história sempre esteve intrinsecamente ligada à musica, já que sua mãe foi cantora de Rancho e seu pai –  um mecânico que tocava violino – foi componente do Bloco dos Africanos. Ela conviveu com os dois apenas até os seis anos, mas o suficiente para que a música se enraizasse fundo em sua vida. Além do mais, herdou da avó moçambicana a admiração pela cultura africana, incorporando-a largamente em suas composições.
            Ouvir o CD “Bodas de Ouro” é sempre uma festa para os sentidos. Faixas como “Sorriso negro”, “O samba não pode parar”, “Sonho meu” e “Alguém me avisou”, na voz de Dona Ivone, são de arrepiar. E o “Candeeiro da vovó”, então?  Feito em parceria com Delcio Carvalho (assim como várias de suas composições), o samba conta uma comovente história que, ao ritmo da melodia e da voz da diva, é “de cortar o coração”. Como não se emocionar diante do choro da avó por causa do sumiço do candeeiro – “troféu lá de Angola” –  que iluminava seus caminhos e a ajudava a enfrentar a solidão? A interpretação da cantora faz da letra uma verdadeira narrativa.
            Quem ouve Dona Ivone Lara no final do carnaval não fica triste com o término da folia, podendo dizer o que diz um dos sambas que ela compôs: “Não, meu fim de carnaval não foi ruim / A nostalgia desapareceu e a alegria se apossou de mim.”  

                        Jornal Estado de Minas, 19/02/2013

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