AS SESSÕES
Terapia colorida
Filme ressuscita tratamento que inclui sexo entre paciente e terapeuta; controverso, método criado por Master e Johnson ainda é praticado nos EUA
Pouco difundida, essa técnica do sexo explícito começa a ser mais conhecida. O motivo é o filme "As Sessões", que estreou aqui na sexta.
Premiado no Festival Sundance de Cinema de 2012, o longa fez de Helen Hunt candidata ao Oscar de melhor atriz coadjuvante de 2013.
Hunt interpreta Cheryl Cohen Greene durante terapia sexual com o poeta Mark O'Brien (John Hawkes), paralítico. Aproveitando o sucesso do filme, Greene lança seu livro "As Sessões: Minha Vida como Terapeuta do Sexo" (BestSeller, 280 págs., R$ 29,90), em que conta sua história e a de vários outros clientes, além de O'Brien.
Virgem aos 38 anos, O'Brien acaba aprendendo com Greene a manter suas ereções espontâneas, a penetrar uma mulher (ela) e a levá-la ao orgasmo.
Essa modalidade terapêutica foi criada nos anos 1960/1970 pelo casal de sexólogos americanos William Master e Virgínia Johnson, os primeiros a preconizar um tratamento exclusivamente sexual. "Eles passaram a tratar dificuldades sexuais com terapia comportamental, usando as terapeutas substitutas para 'treinar' o paciente a fazer sexo", diz a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do programa de estudos de sexualidade da USP.
Após a revolução sexual, surgiram outras técnicas, e a do substituto sexual não ficou entre as mais valorizadas.
QUESTÕES ÉTICAS
"Do ponto de vista teórico é interessante, mas na prática incide em uma série de questões. É fácil de executar? Não. É eficiente? Não temos dados. E levanta muitas dúvidas éticas", diz Abdo.
"Sexo entre terapeuta e paciente ocorre mais do que imaginamos. É danoso: a pessoa depositou confiança no profissional e fica à mercê dele. É quebra de contrato", diz Araceli Albino, presidente do Sindicato dos Psicanalistas do Estado de São Paulo.
O CFP (Conselho Federal de Psicologia) veda relação sexual entre terapeuta e paciente. Nos EUA, o trabalho do substituto sexual é legal, desde que indicado e supervisionado pelo profissional de psicologia que conduz a terapia verbal com o cliente.
A relação "terceirizada" teria vantagens. Para Abdo, se a terapia com o substituto sexual for bem conduzida, poderá evitar que o paciente fique dependente do terapeuta e prepará-lo para fazer sexo satisfatório com outros.
"Se a terapia sexual com o substituto for escolha do paciente e ele continuar a terapia verbal, vai conhecer melhor seu corpo sem deixar de trabalhar o psiquismo. O avanço pode ser maior do que ficar só falando", diz Albino.
O método é "temerário" para Aluízio Lopes de Brito, secretário de ética do CFP: "Tirar bloqueios sexuais é bom, mas desperta um mundo de emoções na pessoa e ela terá que lidar com isso".
Homens virgens de mais de 40 são o maior público
FERNANDA EZABELLADE LOS ANGELESEm 2013, a única associação do mundo a reunir "sex surrogates" (parceiros sexuais substitutos) faz 40 anos com os mesmos desafios do passado: defender e explicar essa profissão tão peculiar.A International Professional Surrogates Association (IPSA), com sede em Los Angeles, tem 50 profissionais, mais da metade mulheres. Os clientes são na maioria virgens de 40 a 60 anos.
"Ao longo das décadas, houve uma mudança no entendimento do trabalho, mas ainda há muita confusão", disse a educadora sexual Vena Blanchard, presidente da IPSA. "Não é tudo sobre sexo. Boa parte dos que nos procuram não entende o toque, não sabe experimentar essa sensação e tem muito medo."
Outros pacientes dessa terapia são vítimas de abusos ou têm disfunções (vaginismo, ejaculação precoce) e não contam com parceiros.
Blanchard comanda a formação profissional, que custa o equivalente a R$ 6 mil e inclui curso de cem horas. Depois, há estágio pago com cliente real, supervisionado por um veterano e o terapeuta responsável.
Em 2012, a IPSA certificou quatro pessoas. A procura cresceu após o filme "As Sessões", que estreou nos EUA em outubro. Há mais gente interessada em virar parceiro substituto, diz Blanchard, que critica algumas cenas, como quando a terapeuta (Helen Hunt) encontra o paciente (John Hawkes) pela primeira vez."É incomum o profissional sair tirando a roupa minutos após conhecer o paciente. Não acontece. O cliente ficaria aterrorizado."
A IPSA foi fundada em 1973, três anos após os pesquisadores americanos Master e Johnson inventarem a terapia do parceiro sexual substituto. Em cinco anos, o grupo ganhou código de ética e padrões de treinamento.
Terapeutas corporais criticam sexo de resultados
DE SÃO PAULOA terapia que acaba na cama retratada no filme "As Sessões" e no livro de Cheryl Greene está distante conceitualmente de terapias que incluem o contato físico."Trabalhamos o corpo que pensa, faz vínculo, tem história. Para tratá-lo não precisa ser tão concreto, pegar, manipular, transar", diz a terapeuta Regina Favre, de São Paulo. Favre é da primeira geração da terapia do corpo no Brasil, um grupo que experimentava a força libertadora do sexo nos tempos da revolução sexual.
"Era libertador na década de 1970, não é mais. O problema, hoje, é que a pessoa quer ser perfeita, quer ter um bando de gente achando que ela é um tesão. Daí cria-se mercado para isso. E a técnica da terapeuta sexual substituta é um produto desejável."
Um produto, porque vende a sexualidade desejada como uma questão técnica, segundo o psicólogo carioca João da Mata, da Universidade Federal Fluminense.
Seguidor do alemão Wilhem Reich (1896-1957), Da Mata diz que as terapias de origem reichiana não são direcionadas da mesma forma que as sessões de Greene.
"Eu não diria que o ato sexual é terapia, mas que é terapêutico: tem capacidade de transformar, mobilizar a energia vital. Podemos trazer essa experiência com o contato corporal, a troca emocional."
Para ele, o interessante da terapeuta sexual substituta é "mostrar a importância da sexualidade inclusive como fonte de saúde física".
Segundo Favre, "pode ser saudável e gerar bem-estar, mas tratar o ato sexual como um procedimento médico é mecanicista e simplificador".
"A terapeuta substituta é vista como uma fisioterapeuta que vai colocar um ombro no lugar, uma fonoaudióloga que vai treinar alguém para parar de gaguejar, uma enfermeira carinhosa que não sente repulsa do paciente", diz.
Só que não. "Nessas sessões de terapia sexual, por trás do prazer genital, tem uma pessoa, que está sendo estimulada. E isso vale para os dois lados, terapeuta e paciente. Não dá para ter um distanciamento que garanta o não envolvimento pessoal."
Clínica contrata prostitutas para seus pacientes
BERNARDO MELLO FRANCODE LONDRESUma casa de repouso do sul da Inglaterra manteve por anos um programa de "visitas especiais" a seus pacientes, idosos com alguma deficiência física que escolheram envelhecer em paz à beira do canal da Mancha.O plano ia bem até o fim do mês passado, quando uma ex-funcionária do asilo disse a um jornal local que as "visitadoras", na verdade, são prostitutas contratadas para fazer sexo com os internos.
A história, que lembra o livro "Pantaleão e as Visitadoras", de Mario Vargas Llosa, dividiu a pequena cidade de Eastbourne, virou tema de CPI na Câmara local e deu início a um debate na imprensa: a terapia sexual é eficaz para deficientes ou uma prática moralmente condenável?
Para a direção da Chaseley Trust, a clínica que gerou a polêmica, a resposta certa é a primeira. Em nota, disse que o acesso ao sexo é um direito dos seus pacientes.
"Estamos conscientes dos direitos das pessoas com deficiência. Se um indivíduo expressa o desejo de ter um relacionamento físico e nós podemos ajudá-lo de forma legal e segura, vamos fazê-lo", disse a diretora Sue Wyatt.
A administração da cidade afirmou que a prática "não é bem-vinda" e que os idosos internados na casa de repouso são "vulneráveis" e sujeitos a "exploração e abusos".
Em Londres, a ONG Outsiders defende a terapia sexual desde o fim dos anos 1970.
Sua fundadora, Tutty Owens, disse à Folha que pagar por sexo não é crime no país. Ela acusou os críticos de discriminar os deficientes físicos."O tratamento com terapia sexual dá resultados. Os deficientes aprendem que também podem ter e dar prazer a outras pessoas."
Ela contou que já ajudou mulheres deficientes a ter o primeiro orgasmo depois dos 50. "É uma descoberta."
'Tive relações com mais de 900 pessoas'
A terapeuta Cheryl Cohen explica a diferença entre o seu ofício e a prostituição
Aos 68, Cheryl Cohen Greene continua o trabalho que iniciou há 30 anos: atender clientes com impotência, ejaculação precoce ou limitações que dificultam o sexo. Em seu livro, "As Sessões: Minha Vida como Terapeuta do Sexo", que chega esta semana às livrarias brasileiras, ela conta que teve mais de 900 parceiros sexuais.
À Folha, Greene diz como ajuda seus clientes e como entrou na profissão, que muitos consideram prostituição. "Ir a uma prostituta é como ir a um restaurante, escolher no cardápio e ser servido pelos funcionários, que esperam que você volte. Ter sessões com a terapeuta sexual substituta é como ir a uma escola de culinária: você descobre onde achar ingredientes, aprende receitas e sai fazendo pratos por conta própria."
- Folha - Como você se tornou "terapeuta sexual substituta?"*
O que é preciso fazer para ser esse tipo de terapeuta?
Um curso. Tem quem ache que só por ser bonita e ter tido muitos parceiros pode oferecer o tratamento. Mas ajudamos pessoas que têm dificuldades -não conseguem ter ereção ou orgasmo, nunca fizeram sexo. Precisam de alguém aberto, amoroso e sensível em quem confiem para aprender a superar.
Como é feito o trabalho?
São oito sessões, em cada uma há experiências diferentes, não só sexuais. Ajudo a pessoa a relaxar. Ao tocar um cliente pela primeira vez não quero que pense na ereção. O ponto é fazer com que se conheça e se abra ao prazer.
Há protocolo dessa terapia?
Sim. Foi desenvolvido pelo casal Master e Johnson. Trabalhamos com um terapeuta convencional, que não tem contato físico com o paciente (prefiro chamar de cliente).
É o terapeuta convencional que nos indica. Após a sessão, fazemos um relatório para esse terapeuta.
Na primeira sessão ensino o cliente a relaxar e massageio seu corpo inteiro. Na seguinte, o cliente me massageia e eu o conduzo, mostrando do que gosto ou não. Depois vem o exercício com o espelho, a pessoa se olha nua. Daí começam carícias mais íntimas, ensino a manter a ereção por mais tempo, a penetrar uma mulher de forma mais prazerosa para ela.
Como você encara o sexo sem envolvimento afetivo?
Tudo o que é consensual entre adultos é válido. O lindo do meu trabalho é que você não precisa se apaixonar, mas tem que se tornar íntimo da pessoa e respeitá-la. E é lindo saber que 85% conseguem uma vida sexual satisfatória depois das sessões.
Como evita que o cliente se apaixone por você?
Conto detalhes da minha vida privada a ele, digo que sou casada e feliz. Isso já diminui as expectativas.
E se você se apaixonar?
Já aconteceu. Estou casada com ele há 32 anos. Bob me procurou depois que terminaram as sessões. Na segunda vez que saímos já fizemos sexo fora do "consultório".
O que ele acha desse trabalho?
Eu nem me apaixonaria se ele não aprovasse o que faço. Quando lhe perguntam, ele diz que sabe o que fiz por ele e o que posso fazer para melhorar a vida de outros.
É outro casamento aberto?
Não. O amor é uma coisa, o trabalho é outra. Guio o cliente, ensino. Faz parte da terapia eu mesma ter orgasmo. Muitos precisam saber que são capazes de fazer isso. Para mim, termina ali.
Você ainda trabalha?
Tenho três clientes. Quando comecei, atendia dez por semana. Vivemos uma onda conservadora, há menos gente fazendo. Espero que com o filme e o livro mais gente se interesse pelo trabalho.
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