terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

O remédio é ler

folha de são paulo

Livros de autoajuda ganham status de medicamento na Inglaterra e são receitados para pacientes com distúrbios mentais leves ou moderados
HARVEY MORRISDO “NEW YORK TIMES”, EM LONDRESMédicos da Inglaterra vão prescrever livros, além de medicamentos, para pacientes com ansiedade e depressão.
Numa iniciativa endossada pelo governo e que tem o apoio de associações médicas, médicos vão encaminhar pacientes a bibliotecas em busca de uma série de títulos de autoajuda voltados a pessoas com problemas de saúde mental entre leves e moderados.
Os pacientes também estão sendo encorajados a buscar o que a revista "The Bookseller" descreve como "romances e livros de poesia edificantes ou inspiradores".
Destacando a capacidade terapêutica da literatura, a organização Reading Agency (que promove a leitura no Reino Unido) citou pesquisas indicando que ler reduz os níveis de estresse em 67%.
A entidade -que é parceira do programa "Livros sob Receita", anunciado no início deste mês- disse que, de acordo com o "New England Journal of Medicine", a leitura reduz o risco de demência em mais de um terço.
PRESCRIÇÃO MÉDICA
A lista dos 30 títulos de autoajuda que estarão disponíveis sob receita a partir de maio inclui obras como "The Feeling Good Handbook" (manual para se sentir bem), "How to Stop Worrying" (como deixar de se preocupar) e "Overcoming Anger and Irritability" (superando a raiva e a irritabilidade).
"Há evidências crescentes de que obras de autoajuda podem beneficiar quem tem problemas de saúde mental", disse Miranda McKearney, diretora da Reading Agency.
Os doentes frequentemente recorrem à internet para buscar orientações às vezes pouco confiáveis sobre sintomas e curas. Agora os médicos poderão emitir uma receita com a qual os pacientes ganharão inscrição imediata em sua biblioteca local e acesso a títulos recomendados.
É a primeira iniciativa de biblioterapia a ganhar apoio oficial de autoridades de saúde e bibliotecas.
Os responsáveis por campanhas de promoção de bibliotecas públicas aplaudiram o programa, mas acham que não está sendo feito o suficiente para proteger as próprias bibliotecas. Duzentas instituições foram fechadas no ano passado, e outras 300 correm o risco de fechar ou de ser entregues aos cuidados de voluntários neste ano.
Enquanto isso, a Reading Agency redigiu uma lista básica de livros inspiradores que promovem o bem-estar do leitor. A lista inclui clássicos conhecidos como "O Jardim Secreto", de Frances Hodgson Burnett, e títulos alegres de autores como Bill Bryson, que escreveu best-sellers de humor.
A iniciativa foi paga pelo Conselho de Artes da Inglaterra, que distribui verbas públicas para projetos de arte. Segundo a Reading Agency, o país gasta US$ 22 bilhões por ano com tratamentos de doenças mentais.
Então pessoas que sofrem depressão ou ataques de pânico serão aconselhadas a lerem? Ou a recomendação não passa de um novo modismo na busca de uma alternativa a medicações de alto custo?
O projeto está pedindo sugestões de livros que aliviam o estresse, que podem ser enviadas pelo Twitter com a "hashtag" #moodboosting.

    Filosofia também tem uso terapêutico
    GIULIANA DE TOLEDOCOLABORAÇÃO PARA A FOLHAA adoção da leitura como parte do tratamento psicológico é vista com ressalvas por profissionais brasileiros. O método, implantado na Inglaterra, teria aqui uma dificuldade: a má compreensão dos textos por uma população de baixa escolaridade, o que poderia ser perigoso, conforme o neurocientista Iván Izquierdo, da PUC-RS.
    "Doentes mentais são sugestionáveis. Um paciente depressivo pode achar frases que o façam se sentir mais inclinado ao suicídio."
    O uso terapêutico de livros não é novidade. Na terapia cognitiva, o paciente é estimulado a participar do seu tratamento. "Certos textos são indicados como lição de casa e 'cobrados' na sessão seguinte, como na escola", diz José Roberto Leite, psicólogo e professor da Unifesp.
    PLATÃO E PROZAC
    O uso do pensamento como terapia foi popularizado nos best-sellers "Mais Platão, Menos Prozac" (1999), do canadense Lou Marinoff, e "As Consolações da Filosofia" (2000), do suíço pop Alain de Botton. Na terapia filosófica ou filosofia clínica, filósofos atendem e dão aconselhamento com base nas ideias de grandes pensadores.
    A Associação Nacional dos Filósofos Clínicos foi criada em 2008, mas a profissão não é reconhecida no Brasil.
    Para ter efeito positivo no tratamento, a indicação de autoajuda deve evitar os livros que prometam soluções milagrosas, diz o psiquiatra Elko Perissinotti, do Hospital das Clínicas de SP. "Autoajuda boa é a que faz o paciente pensar sobre sua condição. Aquela coisa robotizada de olhar no espelho e falar 'bom dia, dia' tem duração fugaz."
    Cético em relação ao gênero autoajuda, o neurologista Paulo Caramelli apoia a indicação de obras de memórias e ficção que tratem de doenças. "Contribui para que o doente conheça experiências de outros com problemas semelhantes. Serve de apoio e entretenimento."

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