segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Pílulas diárias de preocupação - Bruna Sensêve‏

França suspende o uso do anticoncepcional Diane 35 após mortes por trombose. Para especialistas, todas as gerações desse remédio podem comprometer o sistema vascular 


Bruna Sensêve
Estado de Minas: 11/02/2013 
Suspenso na semana passada na França, o medicamento Diane 35 virou motivo de preocupação também entre as brasileiras. Elas têm dúvidas quanto à interrupção do uso do anticoncepcional à base de etinilestradiol e acetato de ciproterona, apontado como possível motivador da morte de quatro mulheres no país europeu. No Brasil, especialistas orientam as mulheres a não interromperem nem mudarem o método contraceptivo sem a orientação médica. Todos também são categóricos ao cobrar providências da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para que o remédio seja comercializado somente com receita.
O pedido justifica-se pelo risco. Não só o Diane 35 e seus similares carregam o perigo de trombose e embolismo. Segundo a presidente da Comissão Nacional Especializada em Anticoncepção da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), Marta Franco Finotti, todas as usuárias de anticoncepcionais hormonais correm o risco dobrado de ter essas doenças. Condições como tabagismo, obesidade, antecedentes familiares ou propensão à trombose, hipertensão, diabetes e problemas hepáticos fazem com que os possíveis perigos se multipliquem. 
A primeira geração da pílula anticoncepcional, assim como suas gerações seguintes, em grande maioria, é composta por substitutos sintéticos dos hormônios estrogênio e progesterona. O estrogênio sintético mais comum é o etinilestradiol. Já as progestinas, que são as substâncias sintéticas derivadas da progesterona, se diversificaram bastante ao longo do tempo, formando gerações do medicamento (veja o infográfico). A combinação do etinilestradiol com o acetato de ciproterona, princípios ativos da Diane 35, surgiu na segunda geração. Em vez da combinação de estrogênio sintético e uma progestina, esse composto associa o etinilestradiol a um antiandrogênico, o acetato de ciproterona, uma substância cuja principal ação é impedir a produção do hormônio masculino testosterona. 
Por esse motivo, a pílula composta de etinilestradiol e acetato de ciproterona, como a Diane 35 e seus similares, é ideal para o tratamento de síndromes como a dos ovários policísticos, em que o organismo feminino produz testosterona em excesso. Essa quantidade exagerada faz com que a mulher manifeste características mais presentes no sexo masculino, como o aumento do pelo corporal e do peso, acne e caspa. A associação das duas substâncias mostrou-se capaz de diminuir a produção do hormônio e, por consequência, os efeitos físicos dele no organismo da mulher. Por outro lado, alerta o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Ginecologia Endócrina, Elsimar Coutinho, o excesso de estrogênio na pílula pode gerar efeitos indesejáveis, como o aumento dos problemas vasculares. “O etinilestradiol sem a progesterona é que faz esse efeito sobre a vasculatura. Ele não é neutralizado e parece até reforçado pelo acetato de ciproterona”, avalia. 
A vascularização não era um problema para a estudante Juliana Castro, 26 anos, até dois anos atrás, quando sofreu uma grave crise de trombose. Ela começou a tomar um anticoncepcional similar ao Diane 35 aos 14 anos, quando foi diagnosticada com a síndrome dos ovários policísticos. Tomou a medicação até os 19 e trocou o método contraceptivo. Anos depois, retornou ao medicamento e, após mais dois anos de uso, teve um episódio de trombose. “Lembro direitinho que, quando cheguei ao pronto-socorro, a primeira coisa que o pneumologista que me atendeu perguntou foi se eu usava anticoncepcional. Respondi que sim e ele disse que era trombose”, relata Juliana, que era fumante na época. O tratamento contra a doença foi longo e exaustivo, e os cuidados permanecerão para o resto da vida. “A dor foi aliviada com o tempo e se tornou suportável. Não posso tomar anticoncepcionais nunca mais e qualquer medicamento hormonal precisa passar pelo angiologista”, conta Juliana. 
Para Elsimar Coutinho, a exigência da receita médica para a compra do medicamento e um maior cuidado dos médicos na hora das consultas evitaria problemas. “O médico que vai prescrever um remédio para alguém tem que olhar para esse alguém como se fosse a filha dele, a irmã dele, a esposa dele. Isso precisa ser levado a sério. Não acho que tenha que proibir o produto, ele tem que estar disponível. Mas só deveria ser comprado com a receita médica, assim como os antibióticos”, pondera. Em nota, a Anvisa afirmou que, “até o presente momento, não houve geração de sinal de risco sanitário no banco de dados do sistema de notificação da agência (sobre o uso desse anticoncepcional no Brasil)” e que “a bula do referido medicamento já possui as informações de que o mesmo não deve ser utilizado na presença ou histórico de processos trombóticos/tromboembólicos arteriais ou venosos”. 

Novas gerações Após o relatório da agência francesa de saúde, as pílulas mais moderna  também deverão ser investigadas. Na maioria delas, a composição consiste em estrogênio, na forma de etinilestradiol, e em substâncias derivadas da progesterona que passaram a apresentar aspectos diferenciados. Entre outros efeitos, garantem uma pele menos oleosa, menor retenção de líquidos, cabelos mais viçosos, além do alívio dos sintomas da TPM, chegando a serem apelidadas de pílulas da beleza.

Os atrativos trouxeram uma avalanche de pedidos em consultórios pela substituição da pílula convencional.  O meio científico, no entanto, estuda a relação dos remédios modernos com a trombose. Segundo o professor do Departamento de Ginecologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) José Maria Soares Júnior, um dos fatores que podem estar envolvidos no processo é a metabolização do medicamento no fígado. Esse efeito hepático excreta um maior número de proteínas, que deixariam o sangue mais viscoso e espesso, também propenso à formação de coágulos.

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