folha de são paulo
MARIA ALICE SETUBAL
Os muros visíveis e invisíveis das escolas
Para suprir a falta de bibliotecas e centros culturais na periferia, as escolas devem procurar se alinhar com ONGs e coletivos
Como tornar São Paulo uma cidade mais humana, acolhedora, educadora e sustentável? A quarta edição da pesquisa Irbem (Indicadores de Referência de Bem-Estar no Município) revela que 82% dos moradores estão insatisfeitos com a qualidade de vida em São Paulo e mais de 90% acham a cidade insegura.Não há dúvida de que o bem-estar da população e a sensação de segurança estão intrinsecamente relacionados com a apropriação dos espaços públicos por parte da população e do poder público, que se refletirá na ampliação das oportunidades de lazer, cultura, educação, fruição estética e relações humanas, para citar alguns dos 25 temas considerados pela Irbem.
Transformar a cara e a alma da cidade é tarefa de todos e, como educadora, creio que abrir as escolas para a cidade, rompendo seus muros e integrando-as aos espaços coletivos, poderá tornar mais tangível essa função. Tanto as escolas como as demais instituições podem ressignificar e valorizar esses espaços, com projetos que contribuam para a maior vinculação e pertencimento do paulistano à cidade.
É interessante notar que, apesar do número alarmante de depredações de equipamentos públicos na cidade, o metrô constitui-se uma exceção, conservando-se em espaço limpo, bonito e educativo, que as pessoas respeitam e cuidam.
Por outro lado, a população de maior vulnerabilidade social vive em territórios onde todo o entorno -rua, bairro, escola- parece improvisado, descuidado, sem qualidade e feio. São espaços que deseducam. Como exigir que as pessoas cuidem de espaços abandonados pelo poder público e onde elas se sentem desrespeitadas?
Como exigir da escola a missão de formar cidadãos, se tudo no entorno reforça o contrário? A educação, para se efetivar, não deve se restringir aos bancos da escola. É um direito a ser garantido ao cidadão ao longo de sua vida, não somente no período escolar.
Para a efetivação desse direito e ampliação das oportunidades, é necessário fazer com que a educação ocupe os espaços públicos, dando vida e ativando sua função educativa.
A cidade de São Paulo possui inúmeros equipamentos culturais, sociais e recreativos, que podem e devem se alinhar com as escolas. Embora as periferias careçam de bibliotecas, parques, clubes e centros culturais mantidos pelo município, há nesses territórios os trabalhos de ONGs e coletivos com grande potencial de alinhamento com a escola.
A concretização dessa nova concepção de educação não pode ser responsabilidade exclusiva das escolas, entretanto a Secretaria de Educação e o prefeito têm o papel fundamental de garantir as condições adequadas para a transversalidade das políticas em torno da área.
Quando, de um lado, as crianças e jovens, junto com seu professor, têm a possibilidade de fazer uma intervenção em seu bairro, sentindo-se parte dele; e de outro lado, o poder público favorece a integração de todos os bairros à cidade, temos uma possibilidade concreta de formação para cidadania.
A comemoração dos 459 anos de São Paulo é uma excelente ocasião para unirmos esforços para ampliar a formação cidadã, promover os espaços educativos da cidade e construirmos um ambiente com melhor qualidade de vida para todos.
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Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
MARIO GARNERO
Pós-Davos e o mundo não acabou
O Brasil deve aproveitar a mão de obra desempregada da Europa para qualificar seus próprios profissionais e ganhar competitividade internacional
Depois do fim do Fórum de Davos de 2012, o pessimismo dos economistas presentes quase me fez acreditar nas previsões maias: o mundo realmente poderia acabar até dezembro. Enquanto os políticos tinham discursos por demais otimistas, os economistas previam o apocalipse: a Europa precisaria tomar medidas drásticas de austeridade. A Grécia precisava de alguma reinvenção. As empresas globais estavam fadadas ao prejuízo.
Numa pesquisa feita pela PricewaterhouseCoopers com CEOs em Davos, somente 25% dos líderes empresariais presentes acreditavam que suas empresas poderiam crescer em 2012. Os outros 75% acreditavam, no mínimo, em estagnação. Em sua maioria, apostavam no encolhimento drástico dos próprios negócios. Era o fim do mundo.
E testemunhamos o que aconteceu: a Grécia começou o ano numa panela de pressão. Portugal e Espanha também se viram nessa situação. Os mercados se acomodaram. Algumas medidas de austeridade foram tomadas (em sua maioria, atrasadas). O desemprego cresceu na Europa, as trocas comerciais caíram, mas o mundo não acabou. Nem a Europa, aliás.
Há poucos dias, o novo Fórum de Davos aconteceu. Novas previsões de um apocalipse econômico foram levantadas, mas ouso fazer aqui a minha previsão: o mundo não vai acabar. E vou além: se o Brasil souber aproveitar as mudanças que estão acontecendo, pode entrar em uma onda de crescimento real e consistente.
Por exemplo, se há um índice alto de desemprego na Europa e existe uma carência de mão de obra qualificada no país, então os profissionais de lá não só devem ser reaproveitados por aqui, como podem nos ajudar a qualificar nosso próprio contingente.
Grandes empresas pelo mundo estão de olho no Brasil -por tabela, as mais conceituadas universidades dos Estados Unidos e da Europa estão oferecendo facilidades para atrair estudantes brasileiros. Nós precisamos aproveitar todas essas oportunidades. A formação de profissionais tem que ser nossa prioridade, porque é exatamente aí que perdemos competitividade.
Também são os profissionais bem formados que vão brigar pela qualidade de serviços e de infraestrutura do país. Hoje temos cerca de 10 mil estudantes se graduando lá fora. Quando tivermos 100 mil, eu ficarei mais tranquilo. Porque é impossível ignorar 100 mil pessoas altamente preparadas e qualificadas, que querem e podem buscar soluções. Porque são essas pessoas que sabem como funciona o mundo e que vão brigar para que o Brasil comece a andar direito.
É claro que, antes disso, podemos alicerçar nossa moeda e controlar a inflação. Mas não adianta ter uma moeda forte e inflação controlada, se, ao mesmo tempo, temos portos ineficientes, estradas esburacadas, uma rede ferroviária nula e uma rede de telecomunicação que irrita e envergonha diariamente (a inclusão do código da operadora para ligações em DDD e DDI é inexplicável. Já foi difícil para que nós compreendêssemos a lambança. Agora tente fazer um estrangeiro entender que ele não pode simplesmente dar um recall, porque é preciso redigitar todos os números, incluindo o bendito código da operadora.).
O fato é que o mundo vê hoje o Brasil com lentes embaçadas. Sabe-se que estamos trilhando um bom caminho, mas ainda nos são cobradas as medidas certas na reforma tributária, na infraestrutura e no setor de energia. Vamos continuar em frente, o mundo não vai acabar. Mas essa estrada requer muito trabalho, porque, se a encararmos como um passeio, nossa espiral de crescimento pode ter fim. E o caminho de volta é muito mais árduo de se trilhar.
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