domingo, 10 de março de 2013

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Células humanas deixam ratos mais inteligentes
Conclusão é de pesquisadores que enxertaram partes do sistema nervoso no cérebro do animal
 



Marcela Ulhoa

Estado de Minas: 10/03/2013 

O que acontece quando células do cérebro humano que dão suporte aos neurônios são colocadas em camundongos recém-nascidos? Eles ficam muito mais inteligentes e com a memória muito mais desenvolvida do que os ratos sem o enxerto humano. Isso é o que mostra pesquisa do Centro Médico da Universidade de Rochester, nos Estados Unidos. Em um surpreendente experimento, os neurocientistas extraíram as chamadas células da glia do cérebro humano e as implantaram em camundongos recém-nascidos. Com isso, além de obter o curioso resultado de tornar os roedores mais espertos, eles mostraram que essas células desempenham uma importante função para a cognição e podem ter beneficiado os humanos ao longo de seu processo evolutivo. Os resultados foram publicados na revista científica Cell Press.

Por muito tempo, as células da glia foram negligenciadas, pois acreditava-se que elas apenas davam um suporte mecânico para os neurônios, explica Ana Maria Martinez, professora do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que não participou do estudo. “Aliás, o termo glia vem do inglês glue, que significa cola. Ou seja, elas estariam apenas preenchendo um espaço entre os neurônios, como se fossem o cimento colocado entre os tijolos em uma construção”, exemplifica a professora. Nos últimos anos, entretanto, descobriu-se que, principalmente os astrócitos — células que se diferenciaram a partir de progenitores gliais —, são essenciais para garantir o funcionamento adequado dos neurônios. De acordo com Maiken Nedergaard, uma das autoras do novo estudo, os astrócitos estão presentes no cérebro de todos os mamíferos, mas foi somente nos humanos que eles se complexaram.

“Publicamos vários trabalhos mostrando que os astrócitos humanos são muito maiores e mais complexos do que os de roedores. Vimos, inclusive, que a expansão evolutiva dos astrócitos nos homens foi muito superior à evolução dos neurônios”, declara Nedergaard. A autora acrescenta que, mais do que estudar as células da glia, o grupo busca compreender o que diferencia os seres humanos de espécies animais mais simples. E as células gliais têm se mostrado importantes candidatas quando o assunto é evolução da cognição. Em outras palavras, os cientistas estão cada vez mais convencidos de que elas tiveram um papel fundamental em tornar o Homo sapiens um ser mais inteligente. “Os camundongos que receberam o enxerto aprenderam muito mais rapidamente que os demais. Essas células não conduzem impulso elétrico como os neurônios, mas elas podem modular a atividade neural”, defende a pesquisadora.

Para chegar aos resultados, os pesquisadores enxertaram células retiradas de fetos humanos abortados no cérebro de camundongos recém-nascidos. Quando os animais chegaram à fase adulta, foi feita uma bateria com os ratos “humanizados” e com roedores comuns. Comparando sempre os dois grupos, os pesquisadores realizaram medidas neurofisiológicas e comportamentais. Um dos experimentos, por exemplo, envolveu um teste de labirinto em que foi controlado o tempo que os roedores levaram para resolver o desafio e encontrar o caminho de saída. Em todos os casos, os ratos com células humanas demonstraram uma vantagem na aprendizagem, o desenvolvimento de uma memória mais apurada e a necessidade de menos tempo para resolver os desafios.

Maturação Para Nasser Allam, pesquisador adjunto do Laboratório de Neurociências da Universidade de Brasília (UnB), um dos pontos mais interessantes da pesquisa foi o sucesso da maturação das células ainda pouco diferenciadas dentro do organismo dos roedores. “Os cientistas capturaram células ainda imaturas de fetos abortados e as injetaram em ratos recém-nascidos. Mas eles não sabiam se as células gliais humanas iam se diferenciar e se integrar ao cérebro do roedor”, destaca. “As células gliais se interconectaram também com as células do rato e passaram a ter uma função igual à que teriam em humanos adultos”, acrescenta.

De acordo com Maiken Nedergaard, é provável que seja possível replicar os resultados para ajudar pessoas com disfunções nessas células e criar tratamentos para doenças como a depressão. Atualmente, o grupo desenvolve experimentos com células de pacientes com esquizofrenia e doença de Huntington, um distúrbio neurológico hereditário raro.

Quanto a questões éticas de uma possível utilização indevida de células humanas embrionárias, a autora afirma que todos os testes foram autorizados. Ana Maria Martinez, da UFRJ, ressalta que o estudo foi um passo importante para identificar o comportamento de células humanas quando implantadas em outro animal. “Isso pode nos dar uma ideia de como elas se comportariam quando enxertadas em humanos.”

Entenda o estudo

Veja como pesquisadores do Centro Médico da Universidade de Rochester mostraram a importância das células da glia no desenvolvimento da cognição

As células gliais

Compreendem uma série de tipos celulares que desempenham diversas funções, tanto no sistema nervoso central quanto no sistema nervoso periférico. Essas funções vão desde criar um microambiente propício para o funcionamento adequado dos neurônios até a produção e a manutenção da bainha de mielina, revestimento neuronal necessário para a rápida condução do impulso nervoso

A PESQUISA

1) Foram extraídos precursores da célula da glia de fetos abortados entre 17 e 22 semanas de gestação
2) As células imaturas foram enxertadas no cérebro de ratos recém-nascidos. Os pesquisadores analisaram o cérebro dos roedores humanizados desde 15 dias até
20 meses de idade
3) Quando os camundongos chegaram à fase adulta, os pesquisadores compararam a capacidade cognitiva dos ratos que receberam o enxerto com a de roedores comuns. Isso foi feito com testes como aprender a sair de um labirinto

4)Os resultados mostraram que os ratos com as células gliais humanas foram mais eficientes na resolução dos problemas. Além disso, as células imaturas enxertadas se diferenciaram dentro dos roedores e se tornaram iguais às encontradas em humanos

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