ZERO HORA - 10/03/2013
Talvez isso diga tudo sobre aquela incômoda sensação de inferioridade que ainda não conseguimos vencer
Venerar:
prestar culto, adorar. Respeitar ou admirar muito. Reverenciar. Isso
segundo os dicionários, pois eu ainda acrescentaria: ficar com os quatro
pneus arriados, perder o senso, surtar. Pois é, tenho pensado nesse
verbo venerar e descoberto coisas.
O que você venera? Refiro-me a
algo que você idolatra íntima e secretamente, algo que lhe parece
inatingível – ao menos você supõe que é inatingível. Não estou falando
de se aproximar de ídolos ou visitar lugares paradisíacos, e sim das
suas carências de infância: o que você venera e que nunca possuiu, e,
por não possuir, acabou tornando-se refém?
O que você venera é seu ponto fraco.
Digamos
que você venere a inteligência e a cultura. Foi criado sem acesso a
cursos, livros e cinema, e acabou desenvolvendo uma fissura por tudo o
que pareça intelectualizado num grau acadêmico que você nunca sonhou
roçar. Fica pasmo diante de qualquer pessoa que fale sobre o que você
não conhece, extasia-se diante de tanta erudição, que talvez nem seja
tanta assim, mas que você vê como imensa. Olhe para si mesmo: tão
aparentemente seguro, mas embasbacado diante de qualquer um que saiba
meia-dúzia de palavras em latim ou que lembre quem ganhou o Oscar em
1972.
Digamos que você venere a beleza. Foi o patinho feio da
escola, desde cedo compreendeu que não ganharia nem o título de miss
simpatia, e foi o que bastou para dar pane no cérebro: diante de um belo
espécime, cai de joelhos. De que adianta tanta leitura, tanto estudo,
tamanho acervo de conhecimento? Basta um par de olhos verdes piscantes
em sua direção e seu QI cai a níveis subterrâneos.
Digamos que
você venere a segurança, já que nunca teve certeza de que seu pai
voltaria para casa ao fim do dia e de que sua mãe não fugiria com o
vizinho. Basta que alguém tenha um cargo de poder, opiniões bem
sedimentadas e um endereço fixo para que você o adote como pai ou mãe
substitutos. Enfim, uma muleta que o sustente. A pessoa eleita sabe como
conduzir o dia, articula claramente as ideias, reage bem a imprevistos.
Você funda uma religião: ele ou ela é agora seu Deus, e você será um
eterno discípulo.
Digamos que você venere o dinheiro: sempre
teve que implorar por trocados, nunca teve o suficiente para seus
sonhos, considerava-se o mais pobre da turma, aquele que os professores,
insensíveis, delatavam na frente da classe como o aluno com a
mensalidade da escola atrasada. Basta saber que a parceira de escritório
passa as férias em Fort Lauderdale ou que o companheiro de bar tem um
carro que vale um iate, e seu conceito de “amizade de infância” se
expande a uma velocidade surpreendente.
O que você venera? Seja o
que for, preste atenção. Talvez diga tudo sobre aquela incômoda
sensação de inferioridade que cada um de nós, disfarçadamente, ainda não
conseguiu vencer.
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