O GLOBO 10/03/2013
O artigo 196 da Constituição
estabeleceu que “a saúde é
um direito de todos e um dever
do Estado”. Não há dúvida
que é um direito, que cada cidadão
deve exercer; já quanto ao dever do Estado,
entramos no território exclusivamente
das boas intenções.
Veja-se o câncer, que envolve um cipoal
de leis, regulamentos etc. Há leis
estaduais sobre a Semana Anual de
Prevenção ao Câncer da Mama e determinando
o diagnóstico precoce do
câncer da mama pelos hospitais públicos.
Outra, federal, de 2008, diz: o SUS
deve garantir exame citopatológico a
todas as mulheres que já tenham iniciado
sua vida sexual, independentemente
da idade.
E determina exame mamográfico geral
a partir dos 40 anos.
Ótimas intenções. Mas e a capacidade
médico-hospitalar para isso? Levantamento
de 2011 mostrou que havia
1.514 mamógrafos no País, a imensa
maioria deles nas regiões mais desenvolvidas.
Precisamos, para cumprir o “dever do
Estado”, no mínimo, do dobro. Há, ainda,
maior concentração de oncologistas
em São Paulo e no Rio, onde ficam
os raros centros de excelência para tratar
o câncer. Urge, pois, descentralizar.
Dever do Estado.
A OMS definiu a extrema pobreza como
maior causa de mortalidade no planeta.
É gente que “vive” com menos de
US$ 1 por dia. Obviamente, a extrema
pobreza se associa à falta de saneamento.
No Brasil,
em 2008, houve
206.414 mortes
por gastroenterite
e diarreia. E
2.630 municípios
— 88,5 milhões
de pessoas
— não tinham
esgoto.
E, pior, mantido o ritmo de investimentos
no setor, só no ano 2166 haverá o saneamento
total no país!
Ainda sofremos com índices lamentáveis
de câncer do colo do útero (17
casos por cem mil mulheres — 17.540
casos em 2012). Um tipo de câncer, aliás,
que já foi reduzido a quase zero nos
países desenvolvidos.
Alardeamos nossas praias paradisíacas,
banhadas de sol quase o ano inteiro,
mas as campanhas que alertam sobre
o câncer da pele são escassas. Em
2012, houve 62.680 casos entre homens
e 71.490 em mulheres, sem contar melanomas,
os mais agressivos.
Por falta de prevenção — o “dever do
Estado” —, o câncer de mama é o que
mais cresce no país. E muitos casos são
detectados quando já estão nos níveis 3
e 4, com reduzida chance de cura. No
Hospital de Câncer Mario Kröeff, no
Rio, foram confirmados 1.711 casos entre
2008 e 2010. Deles, 1.140 estavam
nos níveis 3 e 4.
Há pouco, a presidente assinou lei
que dá prazo de 60 dias, a partir da confirmação
da existência do câncer, para
o efetivo início do tratamento. Quem
não cumprir, fica sujeito a processo judicial.
Mais um direito. E o dever de cumprilo?
Recentemente, O GLOBO mostrou a
crise das instituições filantrópicas de
assistência médica.
Descontados os casos de má administração,
restou a queixa generalizada:
o SUS (o do “dever do Estado”) paga a
elas menos de metade do valor dos serviços
que prestam aos cidadãos. Como,
então, obedecer ao direito de todos? E o
dever do Estado?
Hiram Silveira Lucas é médico
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