domingo, 10 de março de 2013

Entrevista Samuel Pinheiro Guimarães Neto

folha de são paulo

É um equívoco dizer que Hugo Chávez era populista
Ex-secretário-geral do Itamaraty diz que sucesso de Nicolás Maduro vai depender de manter prioridades de antecessor
ELEONORA DE LUCENADE SÃO PAULOHugo Chávez fez uma série de programas importantes para a população pobre. Por isso é admirado. "Mas não é mito. É uma realidade."
Assim, se a nova liderança venezuelana prosseguir com esses projetos terá a mesma popularidade. Se, ao contrário, tiver uma orientação "mais favorável às elites hegemônicas do país", vai "perder apoio interno".
A análise é do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães Neto, 74, ex-secretário-geral do Itamaraty. Para ele, Chávez transformou a Venezuela na economia, na política e no social, deixando um "legado extraordinário".
Ex-alto representante geral do Mercosul, Guimarães compara Chávez a Getúlio Vargas e condena a expressão "populismo".
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Folha - Qual o legado de Hugo Chávez?
Samuel Pinheiro Guimarães - É um legado extraordinário. Ele promoveu uma verdadeira revolução social na Venezuela. Em educação, saúde, habitação, construção de infraestrutura, estímulo à industrialização. A Unesco declarou a Venezuela como um território livre do analfabetismo.
Na América Latina, deu apoio aos pequenos países do Caribe em termos de petróleo a preços mais baixos. Apoiou a Argentina na época da renegociação da dívida.
Em nível internacional, houve uma atitude de independência e de autonomia diante da pressão de grandes Estados e a uma reorientação das relações da Venezuela em direção à América do Sul.
Como fica a Venezuela sem Chávez?
Vão se realizar eleições no prazo previsto pela Constituição. Nicolás Maduro será o candidato natural. O candidato da oposição será o mesmo que enfrentou o presidente Chávez. Nas circunstâncias atuais, é muito provável que Maduro seja eleito.
Não haverá mudanças?
Se Maduro for eleito e sua orientação for mais favorável às elites hegemônicas do país, ele vai perder apoio interno. Coisa que eu não acredito que ele faça.
Como o sr. analisa o enraizamento do chavismo na sociedade? Ele está muito centralizado na figura do presidente?
As pessoas não têm admiração pelo presidente porque ele tem um determinado aspecto físico. As pessoas reconhecem nele a pessoa que executa certas políticas e lutou por programas. Por isso a popularidade de Chávez é extraordinária. Se a nova liderança prosseguir com esses programas, ampliá-los virá a ter a mesma popularidade.
O mito Chávez vai perdurar?
O povo tende a se lembrar daqueles governantes que fizeram políticas que lhes foram favoráveis. Veja o caso de Getúlio Vargas. Pode não ser a opinião da imprensa paulista. Mas o fato é que Vargas criou uma série de políticas, a lei trabalhista, instituiu o voto feminino. Por isso ele era apreciado e criou-se um mito. Por que não há um mito em relação a outros presidentes? É porque não fizeram.
O sr. compara Chávez a Getúlio?
Estou dando um exemplo. Os programas sociais, a legislação é que fazem com que haja grande apoio popular a uma liderança. Chávez executou uma série de programas para a maioria da população da Venezuela. Por isso tem essa admiração. Mas não é um mito. É uma realidade.
E a questão do populismo? Ele se enquadra nesse termo?
Populismo é um termo extremamente equivocado gerado pela academia. Inclusive contra o presidente Vargas, especificamente. O fato é o seguinte: se uma liderança política, um governante tem apenas promessas retóricas e não as realiza, isso seria chamado de populismo. Mas, se ele realiza os programas sociais e beneficia a maioria da população e isso é populismo, viva o populismo.
Chávez sempre foi uma voz forte contra os EUA. Quem vai assumir esse papel?
Os EUA apoiaram o golpe de 2002. Há fundações americanas que financiam a oposição na Venezuela há anos. Chávez nunca procurou promover mudança de governo dentro dos EUA nem financiou movimentos nos EUA.
Os EUA estão menos intervencionistas na América do Sul?
Hoje em dia, os EUA estão num processo econômico interno muito delicado e complexo, com a questão orçamentária, a China. Os governos progressistas na América do Sul nunca afetam de forma mais profunda os interesses norte-americanos. Isso nunca ocorreu no Brasil, nem na Argentina.
Nem na Venezuela. Os EUA são o principal mercado para o petróleo venezuelano.
E grande parte das importações da Venezuela vem dos EUA.
As Forças Armadas estão alinhadas com Maduro?
Acredito que sim. Imagino que, se os programas de Maduro vierem a ser semelhantes aos de Chávez, certamente estarão alinhadas com ele.
A questão econômica, a excessiva dependência do petróleo, é problema?
A dependência da economia do petróleo é algo histórico, mas tem se reduzido e estão tentando diversificar a economia. Dificuldades estão tendo as economias norte-americana e europeia.

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