sexta-feira, 19 de abril de 2013

A ameaça do nitrogênio-Roberta Machado‏

Pesquisadores da América Latina alertam que crescimento mal planejado da região afeta a concentração do elemento. Consequências poderão ser sentidas em todo o planeta 


Roberta Machado

Estado de Minas:
19/04/2013 


Brasília – Pesquisadores latino-americanos se uniram para publicar um alerta sobre o impacto que o desenvolvimento acelerado da região exerce sobre o ciclo mundial do nitrogênio. A mobilização teve início na Universidade de Brasília (UnB), onde alguns representantes da Iniciativa Internacional do Nitrogênio (INI, na sigla em inglês) se reuniram em 2011 para debater o tema. O resultado do encontro foi um artigo aceito e publicado sábado pela revista Science, chamado “O desafio de nitrogênio da América Latina”, assinado por cientistas da Argentina, Venezuela, Bolívia, México e do Brasil.

Segundo os especialistas, o elemento, essencial para o desenvolvimento das plantas, tem sua concentração alterada por fenômenos como a urbanização não planejada e o desmatamento. Tais ações podem resultar na extinção de espécies de biomas como o cerrado, no agravamento do efeito estufa e em outras consequências ainda desconhecidas. Por isso, a deposição de nitrogênio é considerada a terceira maior causa da perda de biodiversidade registrada na última década, atrás somente das mudanças no uso da terra e da mudança climática.

“É importante colocar em uma revista como a Science, e chamar a atenção para o problema da América Latina. É uma situação complexa. A região vem avançando muito em termos econômicos e sociais, mas ainda enfrenta problemas ambientais de países em desenvolvimento”, avalia Mercedes Bustamante, professora de ecologia da UnB e uma dos autores do trabalho. A especialista, que faz parte da INI, trabalha com o assunto há mais de 20 anos e é diretora de Políticas Públicas e Programas Temáticos do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação.
Mesmo com as diferenças culturais e econômicas entre os países latino-americanos, a biodiversidade é um fator comum no subcontinente. O grupo internacional aponta no artigo que essa riqueza depende da adoção de políticas públicas que garantam o balanço entre o desenvolvimento socioeconômico e a conservação dos sistemas naturais. “A sociedade civil tem um papel muito importante na orientação e na cobrança”, acredita Mercedes. Além de investimentos na prevenção de incêndios florestais, o texto enumera outras medidas urgentes como o uso eficiente da terra e de nutrientes na agricultura e a implementação de um sistema de tratamento adequado de esgoto.
O nitrogênio está presente nas plantas e nos seres vivos, formando um delicado ciclo em que a substância é transferida de um meio para outro: a planta que consome o nutriente cresce e morre no mesmo solo, onde o elemento é novamente absorvido. “Todo mundo fala do carbono, mas o nitrogênio é o elemento mais versátil da natureza, é quem trabalha mesmo”, compara o professor de ecologia Luiz Martinelli, da Universidade de São Paulo (USP).

Se uma floresta ou um combustível são queimados, por exemplo, o óxido nitroso é arrancado do seu meio e depositado na atmosfera. Dali, o nitrogênio agrava o efeito estufa e nem sempre retorna para seu local de origem. “Ele volta pela chuva para biomas sensíveis que não deveriam recebê-lo, de altíssima biodiversidade. E o nitrogênio é como um remédio: se usado na hora certa, no lugar certo, é benéfico. Fora disso, ele se torna um poluente”, ensina Martinelli.

Níveis perigosos O tipo de atividade econômica e a concentração urbana de cada país criam um mosaico de questões particulares a ser resolvido e que afetam o cenário global. No Nordeste da Argentina, por exemplo, a recente substituição de áreas nativas por plantações de grãos criou  um grave dilema ambiental. A cada safra, um cenário menos fértil se forma. “Na verdade, estamos perdendo nitrogênio, não ganhando”, lamenta a professora Amy Austin, da Universidade de Buenos Aires.

A especialista diz que ainda são necessários novos estudos para quantificar o estrago que a interferência no ciclo do nitrogênio tem causado na América Latina, mas alerta que as atitudes precisam ser tomadas antes que a crise cause danos mais visíveis. “Há muitas coisas sobre esse tipo de práticas sobre as quais ainda não conhecemos o impacto. Mas elas estão ocorrendo numa escala muito grande.” O grupo de pesquisadores estima que, no ritmo atual, metade dos pontos ameaçados de alta biodiversidade do continente devem apresentar níveis perigosos de nitrogênio até 2050.

No cerrado, ambiente em que o nitrogênio é naturalmente escasso, seu excesso representa uma ameaça para as espécies nativas. O aumento da oferta da substância pode favorecer o crescimento de espécies invasoras, que colocariam em risco o equilíbrio do bioma.
“Isso já está ocorrendo, principalmente nas áreas próximas de centros urbanos. O entorno da capital federal é uma área com potencial para o problema, pois as queimadas não estão só nos meios urbanos. Elas estão também no meio rural”, explica Gabriela Nardoto, professora da UnB e também autora do artigo.

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