Brasileiros desenvolvem embalagens
inteligentes que aumentam o prazo de validade de um produto ou avisam
quando a comida se torna imprópria para consumo
Roberta Machado
Estado de Minas: 24/04/2013
Pesquisas
brasileiras que buscam novas formas de conservar alimentos podem mudar,
em poucos anos, o jeito de comprar e guardar comida. Os estudos
trabalham com o conceito de embalagens ativas e inteligentes, invólucros
que podem alertar o consumidor da existência de bactérias nocivas em um
produto ou até mesmo adiar o processo de decomposição de carnes e
vegetais. A ideia é nova no país, onde a forma mais popular de cuidar
dos alimentos ainda é guardá-los na geladeira e manter um olho na data
de validade.
Um projeto de mestrado da Escola Politécnica da
Universidade de São Paulo (Poli-USP) se inspirou na natureza para testar
um filme biodegradável que serve como indicador de qualidade da comida.
Se o conteúdo começa a estragar, o invólucro cor-de-rosa muda de cor,
chegando ao cinza assim que o produto se torna impróprio para o consumo.
O segredo está na antocianina, mesmo pigmento presente nas frutas e que
as torna escuras com o apodrecimento.
A substância já era objeto de
estudo no Laboratório de Engenharia de Alimentos (LEA) da Poli-USP,
quando a então aluna de mestrado Ana Maria Zetty Arenas foi convidada
pela professora Carmen Tadini a colaborar com o desenvolvimento de uma
embalagem inteligente. Testada com pedaços de peixe cru guardados em
jarros tampados com o filme, a cobertura rosada ficou cinza e escureceu
entre o segundo e o terceiro dia, quando a carne apodreceu.
A
transformação ocorre quando o pH da comida aumenta, passando do ácido
para o básico. A variação é um sinal de que o material está sendo
consumido por bactérias, que liberam substâncias ácidas, as mesmas
responsáveis pelo cheiro típico de alimento podre. “Há uma forma de
controlar a tolerância da embalagem a um nível certo de pH. Um dos
grandes resultados do trabalho foi encontrar uma correlação entre o pH
do peixe com parâmetros analíticos de cor”, explica Arenas. Com a ajuda
de uma paleta de cores demonstrativa na embalagem, qualquer consumidor
poderia descobrir se a comida ainda estaria própria para consumo.
Mandioca
A embalagem é fabricada a partir da fécula de mandioca, um material
biodegradável que é decomposto em até 12 semanas, mas que continua
íntegro durante o uso. “A embalagem não apodrece, apenas a molécula de
antocianina sofre mudanças estruturais com a variação do pH”, esclarece
Arenas. As autoras do estudo ainda acreditam que o filme tem resistência
o suficiente para proteger alimentos de origem animal tão bem quanto o
celofane, e para ser usado na fabricação de sacolas inteligentes.
A
novidade promete melhorar a segurança dos compradores. Hoje, a
data-limite para consumo impressa nas embalagens é estipulada pelos
fabricantes, que realizam testes para prever quando o alimento começa a
mudar de cor, textura ou sabor, ou quando a ingestão passa a ser nociva à
saúde. Mas esse prazo depende do estado de condicionamento da comida,
podendo, por exemplo, aumentar se ela for congelada, ou diminuir se a
embalagem tiver fissuras.
O invólucro inteligente, no entanto,
ainda está em fase de pesquisas, e especialistas alertam que a data de
validade continua sendo a melhor forma de se deduzir o estado dos
alimentos. “O consumidor ainda não tem outras ferramentas para julgar se
a informação (validade) é verdadeira ou não. Ele tem de segui-las. Não é
recomendado que se use o produto após o vencimento”, aconselha Gustavo
Peres, especialista em regulação e vigilância sanitária da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Xô, bactérias!
Enquanto o projeto da Poli-USP torna visível a ação das bactérias, outra
tecnologia desenvolvida no Brasil promete eliminar os micro-organismos,
mantendo a qualidade de perecíveis por mais tempo. A técnica nasceu em
2005 na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) como uma forma de
evitar a proliferação de bactérias em eletrodomésticos e ferramentas.
Com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(Fapesp), ganhou o mercado e foi exportada para países como México e
China.
Agora, os inventores pretendem usar o mesmo princípio
para a fabricação de potes e embalagens que multipliquem a vida dos
alimentos. Trata-se de um antimicrobiano orgânico à base de prata, cujo
nome comercial é NanoxClean. Nanopartículas do metal são misturadas com
uma matriz cerâmica, formando um pó que elimina as bactérias
responsáveis pela decomposição dos alimentos. “A prata é um bactericida
conhecido milenarmente. A nanotecnologia permite que usemos menos
material e, com isso, a produção fique mais barata. Ele ainda é mais
eficiente em relação a outros produtos”, explica Gustavo Simões, um dos
criadores do produto.
O pó de prata cria um tipo de barreira
com uma carga elétrica letal aos micro-organismos que tentam passar
pelos poros da vasilha. O produto foi testado em potes comuns, onde uma
maçã durou um mês fora da geladeira, e um tomate teve a validade
multiplicada 12 vezes. “Depende do alimento e da embalagem. Estamos
fazendo testes com várias empresas de muitos segmentos, como iogurte,
alimentos refrigerados, sanduíches e legumes”, enumera Simões.
O
protetor já obteve a aprovação da Anvisa e acaba de conseguir o
registro da Food and Drug Administration (FDA), a agência que regula
alimentos e remédios nos Estados Unidos, mas ainda não tem previsão de
chegar ao mercado. O produto não muda as características do alimento,
apenas elimina as bactérias que entram em contato com a embalagem. Essa é
uma das exigências da Anvisa, que se baseia em uma lista de substâncias
que podem ser usadas com cada tipo de material, como plástico ou metal.
“O material não pode ocasionar alterações ao produto. As embalagens não
podem ceder ao produto substâncias que levem riscos à saúde”, afirma
Gustavo Peres, da Anvisa.
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