Somos tão jovens, filme de Antônio Carlos
da Fontoura sobre a juventude de Renato Russo, estreia em 3 de maio em
todo o país. Artista inspira ainda Faroeste caboclo, de René Sampaio
Mariana Peixoto *
Estado de Minas: 24/04/2013
São Paulo – O que é
real e o que é ficção? Ao final da sessão de Somos tão jovens, filme de
Antônio Carlos da Fontoura que retrata a juventude de Renato Russo
(1960/1996) na Brasília de 1976 a 1982, essa questão vai ficar na cabeça
de muita gente. Com estreia em 3 de maio – hoje haverá, para
convidados, pré-estreias em nove cidades, entre elas BH – o filme traz
muitas histórias que fãs da Legião Urbana conhecem de cor. Outras, nem
tanto. “O filme não é um docudrama, é ficção. É a minha releitura
daquela época para os jovens de hoje”, afirma Fontoura, que chegou à
história quase que por acaso.
O veterano diretor (Copacabana me
engana, 1968, A rainha diaba, 1974, e Gatão de meia-idade, 2006) tem em
comum com Renato Russo um amigo, Luiz Fernando Borges (que se tornou
produtor associado do projeto). Encontraram-se casualmente há alguns
anos, e este falou a Fontoura que havia recebido ok de dona Carminha,
mãe de Renato, para fazer um filme sobre ele. “Nunca fui um cara que
vibrava com show da Legião, na época já tinha 40 anos. Mas sempre quis
fazer um filme sobre música”, recorda o diretor.
Renato Russo
viveu 36 anos. Para o diretor, a grande questão era que período da vida
retratar. “Quando descobri a história de um moleque que, preso numa
cadeira de rodas (Renato sofria de epifisiólise, uma doença óssea e
durante a adolescência ficou dois anos numa cama), queria se tornar um
ídolo do rock, descobri minha timeline (linha do tempo).”
Em
ordem cronológica, Somos tão jovens acompanha seis anos da vida não só
de Renato, mas de sua turma de amigos. O filme termina quando a banda
está deixando a Capital Federal para seu primeiro show no Rio de Janeiro
(a última cena traz a Legião em imagens de arquivo durante show em
Volta Redonda, em dezembro de 1990, o último da turnê de As quatro
estações).
O ponto forte do filme é a interpretação de Thiago
Mendonça (o Luciano de 2 filhos de Francisco), que encarna um Renato
Russo tão intenso, melodramático e inconstante como o que povoa o
imaginário coletivo. Mas o ator de 33 anos garante uma leveza ao
personagem, e não se deixa apanhar na armadilha do histrionismo (como o
fazem Edu Morais e Ibsen Perucci, intérpretes de Herbert Vianna e Dinho
Ouro Preto, respectivamente). “O Renato tinha um pé no caricato que era
natural dele. A intenção era humanizá-lo e não retratá-lo de forma
mítica”, explica o ator, que teve que aprender a tocar baixo, guitarra e
a cantar. Teve como “professor” Carlos Trilha, que produziu discos da
Legião e assina a direção musical do filme. Na próxima semana, a trilha
sonora será lançada pela Universal. Traz além de músicas como Geração
Coca-Cola, Eduardo e Mônica e Veraneio vascaína, trechos do filme.
É
este o outro destaque: todos os números musicais, executados por
atores, foram gravados ao vivo. Como a ênfase da narrativa está nos anos
de formação, o Aborto Elétrico, banda que Renato formou com os irmãos
Flávio e Fê Lemos, aparece muito mais do que a Legião. É Fê, hoje
baterista do Capital Inicial, o antagonista da história. Protagonizou
algumas brigas com Renato, que culminaram com o fim do trio de punk. A
paixão platônica que o cantor e compositor nutria por Flávio, baixista
do Capital, é bem explorada na primeira metade da narrativa.
No
filme, a vida pessoal do músico é ainda marcada por dois relacionamentos
com personagens ficcionais. Aninha (Laila Zaid), amiga inseparável para
quem ele teria composto Ainda é cedo, é quase uma coprotagonista. “O
filme é amarrado em fatos e ficcionalizado nas conversas. Sintetizamos
todas as namoradinhas que ele teve numa só personagem”, explica
Fontoura. Aparece em cena também, em curta participação, Carlinhos
(Antônio Bento), um jovem humilde que teria se tornado muito próximo de
Renato. “O Luiz Fernando me disse que ele tinha desejo de conhecer
meninos que não eram de seu grupo. Como era fascinado por Taguatinga
(que acabaria se tornando quase uma personagem da canção Faroeste
caboclo), criamos esse personagem, que era de lá, e de outra classe
social.”
Mestre da performance
Carlos Marcelo
Renato Manfredini
Júnior pisou em um palco pela primeira vez como ator, não como cantor.
Na tediosa, porém cosmopolita, Brasília dos anos 1970, ele encenou com
os colegas da Cultura Inglesa textos dos dramaturgos J. B. Priestley e
Tom Stoppard. A performance daquele adolescente baixinho e elétrico, em
inglês irrepreensível, chamou a atenção dos amigos e professores. Nada
que os familiares não conhecessem – desde pequeno, os pais, a irmã e os
primos conviviam com a habilidade do garoto para imitar diferentes vozes
e dublar seriados e filmes enquanto os mesmos eram exibidos na tevê.
É
sintomático e oportuno, portanto, o redescobrimento pelo cinema por
meio da vida e das músicas do líder da Legião Urbana. Mais do que as
outras vozes de sua geração, ele desenvolveu desde cedo o talento para
criar personagens e incorporá-los em suas performances. Ainda no fim da
adolescência, chegou a inventar a história completa de uma banda, 42nd
Street Band, na qual encaixou seu alter ego, Eric Russell. O mais
conhecido dos personagens, claro, foi o que teve o nome inspirado em
variações dos sobrenomes de pessoas que admirava, como os filósofos
Bertrand Russell e Jean-Jacques Rousseau. Vê-lo agora na tela grande,
interpretado pelo ator Thiago Mendonça, não deixa de ser uma forma de
conhecer, ou reviver, esse múltiplo processo de transformação: da
tradição das artes cênicas para a energia da música urbana, do Planalto
Central para o resto do país, do menino ao mito, de Renato Manfredini
Júnior a Renato Russo.
. Jornalista do Estado de Minas, Carlos Marcelo é autor do livro Renato Russo: o filho da revolução (Agir).
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