quarta-feira, 24 de abril de 2013

Tendências/Debates

folha de são paulo

RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS
TENDÊNCIAS/DEBATES
Um crime perverso
A ONU calcula que a máfia de pessoas movimente ao ano mais de US$ 30 bilhões no mundo e que cerca de 10% da cifra passe pelo nosso país
Atraídas pelo discurso do dinheiro fácil e promessas de uma vida melhor, pessoas são tiradas das periferias do Brasil e levadas para outros países para serem submetidas à prostituição, ao trabalho escravo ou transformadas em fornecedoras de órgãos para transplantes. A sociedade desperta agora para o problema, sensibilizada pela ficção da telenovela. Mas o Ministério Público Federal (MPF) há tempos volta seus esforços ao combate a esse crime.
O tráfico de pessoas suprime o direito de liberdade e de locomoção do indivíduo traficado. E é uma ofensa à dignidade e à autonomia definidoras da própria condição humana.
As vítimas são sempre obrigadas a suportar condições de vida e trabalho capazes de destruir sua integridade física e psicológica. São submetidas a ameaças e a diferentes tipos de tortura e maus tratos.
As quadrilhas que comandam o tráfico de pessoas só perdem em lucratividade para as de tráfico de drogas e de armas. A Organização das Nações Unidas (ONU) calcula que a máfia de pessoas movimente por ano mais de US$ 30 bilhões no mundo e que cerca de 10% desse dinheiro passe pelo nosso país. Estima-se que cheguem a 70 mil os brasileiros levados para o exterior por traficantes, segundo dados da Polícia Federal.
Nos últimos anos, no entanto, o Brasil tem impulsionado ações para a prevenção, repressão e punição ao tráfico de seres humanos, por meio de instituições como o MPF, a Secretaria Nacional de Justiça e a Polícia Federal.
O MPF participou da elaboração do Plano Nacional de Enfrentamento ao tráfico humano e tem discutido o assunto na Associação Iberoamericana de Ministérios Públicos.
Desde 2005, atuou em mais de mil processos judiciais relacionados ao tema, que ganha cada vez mais interesse desde que o Brasil ratificou o Protocolo de Palermo, que trata do crime organizado transnacional, incluído o tráfico de pessoas.
O MPF atua em duas frentes: a repressiva, que consiste na atuação criminal, e a preventiva, que trata do acolhimento às vítimas e de ajudar na elaboração de políticas públicas.
Na atuação criminal, os desafios incluem a dificuldade de testemunhos, a legislação ainda pouco adequada à dogmática internacional, o aspecto do crime, que exige cooperação internacional, e o tratamento dado pelo Estado às vítimas.
A exemplo de outros segmentos do tráfico, é relevante que o sistema jurisdicional foque no confisco dos bens dos traficantes.
É importante a intensificação da busca pelo sufocamento financeiro, impedindo que o criminoso usufrua do produto da prática delitiva. Além disso, pode-se ter uma noção do valor que esses grupos criminosos movimentam à medida que seu patrimônio é destituído, um indicador importante para seu combate.
Vem juntar-se a esta batalha o Congresso Nacional, onde a Comissão Parlamentar de Inquérito do Tráfico de Pessoas, na Câmara, pretende propor mudanças na legislação.
A comissão, que deve se encerrar em maio, intenta que o tráfico de pessoas seja tipificado no Código Penal, o que não ocorre hoje. Atualmente, o código praticamente só dá a denominação de tráfico de pessoas para fins de exploração sexual de mulheres.
O crescimento econômico atual oferece ao Brasil uma oportunidade única de investimentos em políticas públicas e atenção aos segmentos sociais mais vulneráveis, de modo a reverter graves violações a direitos humanos e fundamentais.
Para isso, é necessário um esforço coletivo e democrático entre todos os atores que atuam direta ou indiretamente no combate a esse crime perverso, que só assim deixará de assolar nosso país.


JOSÉ SÉRGIO GABRIELLI DE AZEVEDO
TENDÊNCIAS/DEBATES
O pré-sal, sem milagres
Um dos desafios da Petrobras é expandir sua capacidade de refino; a substituição de importações só será possível com novas refinarias
Em artigo publicado nesta Folha no último dia 18, o professor Rogério Cezar de Cerqueira Leite incorreu em erros sobre o pré-sal brasileiro, comentando, algumas vezes em tom jocoso, as relações entre essa riqueza de hidrocarbonetos com as perspectivas do etanol.
O primeiro equívoco refere-se à autoria do anúncio dos excelentes resultados da Petrobras. O recorde de 300 mil barris diários do pré-sal foi anunciado pelos veículos oficiais da Petrobras, e não por mim.
O segundo equívoco refere-se ao seu espanto com a necessidade de formar redes de pesquisa. Diferentemente de outras operações industriais, a produção de petróleo tem desafios tecnológicos constantes, de origem natural ou operacional.
Essas demandas fazem com que, mesmo com tecnologias dominadas, seja necessária a existência de uma rede de conhecimento que dê respostas rápidas aos desafios.
É esse o sentido das redes temáticas constituídas no Brasil sob a direção da Petrobras, organizando milhares de pesquisadores e expandindo a capacidade de investigações empíricas no meio acadêmico brasileiro. Não entendo o sentido do "uau" do professor da prestigiosa Universidade Estadual de Campinas.
Ele demonstra também o seu desconhecimento sobre a indústria ao minimizar o significado do declínio natural da produção. Deveria saber que, em média, a produção de petróleo decai de 7% a 10% ao ano, queda relacionada às perdas esperadas dos reservatórios em produção.
Paradas de manutenção e aumento da taxa de declínio na Bacia de Campos explicam por que, apesar da produção adicional do pré-sal, a produção brasileira não cresceu.
O professor faz uma pergunta completamente sem sentido em relação à OGX. Talvez somente a obliteração da razão por motivos ideológicos tenha levado o professor aos erros primários em relação à empresa do chamado "reconhecidamente experto empresário Eike Batista".
Ele demonstra falta de informação quando diz que a OGX foi criada para explorar o pré-sal --quando criada, não era nem sequer habilitada para operar em águas profundas.
Quanto às diferenças de produtividade na produção entre áreas vizinhas, o professor deveria saber que a geologia ensina que áreas adjacentes não necessariamente têm as mesmas propriedades.
Por fim, o professor, que por motivos profissionais deveria ser informado, parece desconhecer que, dos 237 bilhões de dólares do investimento da Petrobras, menos da metade destina-se ao pré-sal.
Um dos grandes desafios da Petrobras é garantir a expansão de sua capacidade de refino. O mercado brasileiro de combustíveis fósseis está crescendo a taxas extraordinariamente elevadas nos últimos anos, praticamente esgotando a capacidade existente nas refinarias. A substituição de importações de derivados só será possível com a construção de novas refinarias.
A comparação feita pelo professor entre produção de combustíveis fósseis e etanol não tem sentido econômico. Enquanto os investimentos previstos para o etanol são descentralizados em inúmeros agentes, a previsão do pré-sal se concentra em uma só empresa.
Os mecanismos de financiamento de um sistema dependem fortemente da produção atual; já o grande limitador do etanol relaciona-se com a plantação e a colheita da cana-de-açúcar, que pressupõe mecanismos de financiamento não estruturados. Esses últimos erros até são perdoados ao professor emérito de física da Unicamp. Afinal, economia não é sua especialidade.

    Nenhum comentário:

    Postar um comentário