Estado de Minas: 03/04/2013
Não
alcanço as palavras justas para dizer de minha admiração pela Vera
Brant, minha prima querida. Sua casa é paraíso da inteligência,
sensibilidade e amizade. Recebi pelo correio seu mais recente presente,
um livro com sua correspondência com Alice Brant, pseudônimo de Helena
Morley, autora da obra-prima Minha vida de menina. A conversa das duas é
uma lição de vida, de carinho e bondade. A simplicidade e sabedoria de
Alice, aquela adolescente de Diamantina que por três anos, de 1893 a
1895, descreveu seu cotidiano com uma genialidade que nos impressiona
até hoje, se contrasta com a amiga mais jovem, sedenta de beber da
experiência da parente mais vivida. Quanta graça nos casos que nos
contam, quanta beleza.
Lido com prazer o livro publicado pela Vera, pego na estante a última reunião de poemas de Antônio Cícero, nosso candidato a imortal da Academia Brasileira de Letras. Em “Porventura”, a voz do poeta apresenta uma visão da mesma questão que, de forma diversa, Alice e Vera expressam em suas cartas. É o balanço do poeta: “A infância não foi uma manhã de sol:/ demorou vários séculos;/ e era pífia, em geral, a companhia. Foi melhor,/ em parte, a adolescência, pela delícia/ do pressentimento da felicidade/ na malícia, na molícia, na poesia,/no orgasmo, e pelos livros e amizades”.
Indo a Lisboa, não me encontrei com um outro poeta, português, mas ele me enviou, por amigos, sua poesia escolhida. Trata-se de José Jorge Letria, em livro-síntese de seus 40 anos de vida literária. Colho em sua obra versos que me encantaram.“ Minha linhagem”, por exemplo: “sou de uma estirpe desavinda com a terra/ de uma dinastia de comerciantes/ que vendeu carne aos balcões/ de mármore de bairros populosos e honrados/ de uma linhagem de heróis de bazófia/ de suicidas de fundo de quintal,/ de tias-avós dizimadas no viço da idade/ pelas epidemias do alvorecer do século”.
Ou então esse belo “ Contacto”: “Eu chamo-te e não me ouves/ estarás atrás daquela estrela, disfarçado,/ ou oculto numa nebulosa/ à espera da palavra que te resgate?/.... era como se as nuvens guardassem/ um sorriso teu no bojo de ventos e de chuvas./ Adormecia tranquilo no agasalho dessa crença/. Guardo numa gaveta de escrivaninha/ a tua carteira, os teus óculos, o lenço/ que usavas no dia que partiste. / E já se vão tantos, tantos anos./ De repente dei pela falta de teus telefonemas,/das perguntas inquietas que me controlavam/ as horas e as errâncias./ Tinhas medo, um medo terrível de me perder,/ e afinal fui eu que te perdi/. Dizem que foi/ a vontade de Deus./ E agora tu já não me ouves. Ou será que ouves/ e que a pequena estrela pálida, trêmula, esquiva/ que me ilumina a manhã é apenas/ uma forma de o céu escrever a palavra Pai?”.
Passei a santa semana em boa companhia, longe do mundo e do Brasil da vida real.
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