quarta-feira, 3 de abril de 2013

Jardins, hortas e cafés da manhã - Nina Horta

folha de são paulo

Vocês sabem, não é que o primeiro passo para um dia bom é um café da manhã sem pressa, cafezinho simples, com pão fresco e manteiga, não precisa mais? Precisa, sim, precisa estar vendo alguma paisagem verde pela janela ou pela porta. Se os jornais estiverem ao lado, melhor ainda. Há por trás daquilo uma ligação com o mundo. Nem que não dê tempo de ler, é só a âncora daquele costume arraigado.
Uma vez, roubei do jardim de um cliente uma muda de florzinha amarela. Acontece que todo jardim plantado com a mesma coisa por um quilômetro fica lindo quer queira quer não. O dele era assim, e consegui repetir a façanha num canteiro. Está lá. É a hora das flores pequenas e amarelas, e resolvi que vou fazer com que elas tomem conta da antiga horta. Vou deixar a pimenteira, o pé de louro, a jabuticabeira. E que as flores amarelas imperem sozinhas.
Nesta altura da vida, já me convenci de que a natureza de mãe não tem nada. Está sempre ali para dar o bote, mesmo que a gente não se distraia. Há aquelas pestes de bichinhos pretos ou de lesminhas incolores. Aprendi que morrem se a gente derrete um sabão na água e rega tudo. Até dá certo.
Acontece que a sálvia não sabe direito se gosta de sol ou de sombra, tem que ser meia-sombra. O coentro morre depressinha. Parece que a raiz da pimenteira tão querida está com cupim, e as heras estão umedecendo as paredes da casa.
Lá no sítio, é ainda pior. Não falo mais de caseiro que não planta nada, que só come Danoninho da cidade, mas coitado, é plantar e vem a chuva, e vem o vento, e vem a pulga, e zero. Começar de novo. Melhor plantar árvore, daquelas conhecidas. Não há vento que entorte.
E as galinhas? Seu Antonio me disse que uma delas estava com o pé machucado, com o dedo inflamado. Não me lembro de ter respondido nada, talvez um murmúrio, “vou à farmácia”. Não sei mesmo.
Ontem perguntei como ia a galinha. Ele respondeu que o dedo dela caiu com o remédio que eu mandei passar.
“Eu?” “É, a senhora disse para eu passar água sanitária.” “Seu Antonio, o senhor sabe que odeio água sanitária, nem compro…”
É, mas diz ele que mandei e quero morrer de dó da galinha sem dedo, que desastre!
E aquelas plantas que “pegam demais”? Hortelã, bonina, aquela florzinha caipira com cheiro de vaselina barata e feijão de rama vão nascendo, vão nascendo e, de repente, é preciso arrancar e jogar longe.
Com o tempo, vai dando uma saudade, mas, na hora da invasão, são mortos a sangue frio.
Pois é, o pão está crocante, perigo continuar comendo. Se começo a ler o jornal, perco a hora. Imagine um catálogo de plantas comestíveis que veio junto com um deles. Uma ervilha-verde de trincar nos dentes, uma salsinha-crespa que sozinha dá gosto a um omelete inteiro…
Foi-se o tempo de inventar hortas novas. Ainda tenho uns desvarios de canteiros altos que batam na minha cintura e com rodas para serem levados ao sol da tarde ou tirados das tempestades que Deus dá. É possível, seria o máximo. Tomo o último gole de café já frio e corro para o trabalho. Amanhã tem mais.
   

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