O que faz Dilma diferente
Dilma trouxe a visão do PT de que cabe ao governo liderar o processo de desenvolvimento
Um dos exercícios prediletos da mídia brasileira hoje tem sido o de explorar em que termos os governos Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva diferem.Entrando no terceiro ano de seu mandato, a presidenta já deixou marcas muito fortes em sua atuação como centro do poder político na democracia brasileira.
Com índices de aprovação superiores aos de Lula, Dilma revela a segurança de quem já descolou de seu antecessor e padrinho e procura deixar marcas próprias. Na coluna de hoje, vou explorar o que me parece ser uma das mais relevantes diferenças entre o governo de Dilma e o de seu criador.
Visto sob o prisma da história, os anos Lula apresentam na gestão da economia uma marca quase única entre o respeito aos princípios de mercado e a interferência na forma como os frutos do crescimento são distribuídos na sociedade.
Usando uma imagem dos já longínquos anos da ditadura militar, podemos dizer que, entre 2004 e 2008, o governo Lula conseguiu assar o bolo e distribuí-lo de forma mais equitativa.
Ao manter a direção da política macroeconômica herdada do governo Fernando Henrique e dar a seu presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, o poder total sobre a política monetária, Lula pôde colher os frutos já maduros de uma economia organizada e com futuro.
Com essa posição, seu governo pôde se aproveitar das condições microeconômicas favoráveis que existiam e surfar em um período longo de crescimento econômico, sem os gargalos de oferta que existem hoje.
O presidente, nessas condições, pôde exercitar seus instrumentos mais importantes de distribuição de renda. De longe o mais eficiente foi a política de aumentos reais do salário mínimo, que acelerou os efeitos da expansão do crédito ao consumo operada pelos bancos brasileiros.
No mandato de Lula, a parcela da sociedade brasileira que estava inserida na chamada economia de mercado passou de 45% para mais de 65% da população.
No mandato da presidenta Dilma, esse quadro virtuoso chegou ao fim. Isso aconteceu por duas razões principais: a primeira tem sua origem na própria dinâmica das economias de mercado, em que os ciclos de crescimento trazem no seu ventre as sementes de um período mais difícil à frente, em razão do descompasso entre consumo e investimentos.
A partir de 2011, começamos a viver no Brasil um período de escassez em vários mercados importantes. De mão de obra qualificada nos mercados de trabalho, de capacidade de aumentar o endividamento das famílias e de oferta de serviços públicos nos setores da infraestrutura econômica do país.
Não por outra razão os principais instrumentos usados no passado para estimular a economia não mais funcionavam.
Pelo contrário, via o canal da inflação, reduziam o poder de compra dos salários, que não contavam mais com o aumento de crédito para alavancar o consumo.
Nos últimos meses, com a inflação se acelerando, os aumentos reais de salários desapareceram. Esse efeito é sensível principalmente nas regiões atingidas pela seca e onde a inflação em 12 meses já supera os 8% ao ano.
Uma segunda mudança na gestão da economia veio de uma visão diferente em relação à presença do Estado na sua dinâmica.
Dilma trouxe ao governo a visão tradicional do PT -e que tinha sido deixada de lado por Lula- de que cabe ao governo liderar o processo de desenvolvimento da economia.
Os chamados mercados nessa visão resgatada por Dilma são apenas tolerados como parceiros secundários e silenciosos da ação oficial.
Além disso, pressionado pela desaceleração do crescimento econômico, o governo Dilma deixou de lado as âncoras macroeconômicas mantidas por Lula e que davam segurança em relação ao futuro.
Essas duas mudanças estão provocando uma reversão de expectativas entre agentes econômicos privados importantes, o que tem aumentado de forma significativa os efeitos deletérios dos problemas econômicos reais que estamos enfrentando. Por isso o mau humor geral que grassa na economia hoje.
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 70, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso). Escreve às sextas-feiras, a cada 14 dias, nesta coluna.
lcmb2@terra.com.br
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