Direito à maioridade
RIO DE JANEIRO - Em 1983, Frank Sinatra entrou com um processo na Justiça americana contra um livro que Kitty Kelley estava escrevendo sobre ele. Pelas biografias anteriores da autora, sobre Jackie Onassis e Elizabeth Taylor, Sinatra sabia o que viria. Alegou que só ele (ou alguém que ele autorizasse) poderia escrever a história de sua vida -e que, aliás, iria fazer isso. E exigia de Kelley US$ 2 milhões por perdas e danos.O processo, até no cinismo da argumentação, lembra o que Roberto Carlos moveria em 2006 contra um livro recém-lançado a seu respeito. Mas aí começam as diferenças. Roberto Carlos não é Sinatra -longe disso. E, infelizmente, nesse departamento, o Brasil também não é os EUA. O cantor de "O Calhambeque" conseguiu com facilidade que o livro fosse proibido -a Justiça acolheu seus argumentos e o juiz até lhe pediu um autógrafo.
O pleito de Sinatra não teve a mesma resposta. Contra ele levantaram-se sindicatos de escritores, editores, jornalistas e proprietários de jornais, constitucionalistas eméritos e um batalhão de advogados, todos ameaçando medidas legais. O processo feria a primeira emenda da Constituição, que garante a liberdade de expressão. Um ano depois, Sinatra o retirou e Kelley lançou seu livro, "His Way", best-seller inclusive no Brasil.
Na terça-feira, em Brasília, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou o projeto que libera a publicação de biografias sem a autorização prévia dos biografados. Com isso, devolveu aos escritores brasileiros a liberdade de expressão, já garantida pela Constituição, e, ao povo brasileiro, a maioridade -o direito de julgar um livro. Falta agora o voto do Senado.
Nas 576 páginas de "His Way", não há uma palavra simpática a Sinatra. E sabe o que aconteceu? Nada. Sinatra continuou Sinatra, e Kitty Kelley, uma biógrafa de quinta.
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