sexta-feira, 5 de abril de 2013

Feliciano volta a afirmar que africanos são amaldiçoados

folha de são paulo

Manifestação foi feita ao STF, em inquérito que o investiga por preconceito
Ao tribunal, deputado cita trecho da Bíblia usado historicamente para embasar atitudes consideradas racistas
TAI NALONRUBENS VALENTEDE BRASÍLIAEm defesa protocolada no STF (Supremo Tribunal Federal), o deputado Marco Feliciano (PSC-SP) reafirmou que paira sobre os africanos uma maldição divina e procurou justificar a fala com uma afirmação que, publicamente, tem rechaçado: a de que atrelou seu mandato parlamentar à sua crença religiosa.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara é alvo de inquérito no STF por preconceito e discriminação por uma declaração no microblog Twitter.
Em 2011, ele escreveu que "a podridão dos sentimentos dos homoafetivos leva ao ódio, ao crime, à rejeição".
Na época, Feliciano também postou que africanos são amaldiçoados pelo personagem bíblico Noé. "Isso é fato", escreveu no microblog. O post depois foi deletado, mas provocou protestos.
A Procuradoria-Geral da República denunciou o deputado ao Supremo -onde ele também responde a uma acusação de estelionato.
Feliciano é acusado de induzir ou incitar discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, crime sujeito a prisão de um a três anos e multa. Não existe tipificação penal para homofobia.
Em sua defesa no STF, protocolada no dia 21, Feliciano disse que não é homofóbico e racista. Reafirma, porém, a sua interpretação de que há a maldição contra africanos.
"Citando a Bíblia [...], africanos descendem de Cão [ou Cam], filho de Noé. E, como cristãos, cremos em bênçãos e, portanto, não podemos ignorar as maldições", afirmou, na peça protocolada em seu nome pelo advogado Rafael Novaes da Silva.
"Ao comentar [no Twitter] acerca da 'maldição que acomete o continente africano'", disse sua defesa, o deputado quis afirmar que é "como se a humanidade expiasse por um carma, nascido no momento em que Noé amaldiçoou o descendente de Cão e toda sua descendência, representada por Canaã, o mais moço de seus filhos, e que tinha acabado de vê-lo nu".
A defesa disse ainda que há uma forma de "curar a maldição", entregando "os seus caminhos ao Senhor". "Tem ocorrido isso no continente africano. Milhares de africanos têm devotado sua vida a Deus e por isso o peso da maldição tem sido retirado", diz o texto.
Historicamente, interpretações distorcidas do trecho da Bíblia citado pelo pastor serviram como justificativa para atitudes e manifestações racistas, como as dos proprietários de escravos no Brasil e nos EUA no século 19.
Ao STF Feliciano não entrou em detalhes sobre sua afirmação sobre os gays -disse apenas que não há lei que criminalize sua conduta.
O pastor também afirmou que seu mandato está atrelado à religião, embora tenha dito durante a atual crise que sua crença não afeta sua atuação na Câmara. Usou esse argumento para se manter na presidência da comissão.
Ao STF afirmou que suas manifestações no Twitter estão "ligadas ao exercício de seu mandato". A estratégia é vincular as declarações à imunidade parlamentar.
Feliciano foi eleito para a comissão em março. Após protestos contra sua permanência, o pastor conseguiu aprovar requerimento fechando as sessões para o público.

    O PASTOR E A ÁFRICA
    O QUE DIZ A BÍBLIA
    Cam, filho de Noé, viu o pai embriagado e nu e disse aos irmãos. Quando soube, Noé amaldiçoou o neto, Canaã
    O QUE DIZ FELICIANO
    "Africanos descendem de ancestral amaldi-çoado por Noé"
    No Twitter, em mar.2011
    "Minha família tem matriz africana, não sou racista"
    Em entrevista, em mar.2013
    "Africanos descendem de Cão [ou Cam], filho de Noé. E, como cristãos, [nós] cremos em bênçãos e, portanto, não podemos ignorar as maldições"
    Em defesa apresentada ao STF

    Deputado cancela visita a torcedores presos na Bolívia
    DE BRASÍLIAPressionado pelo presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), o pastor Marco Feliciano recuou e cancelou a viagem que faria à Bolívia na semana que vem.
    A viagem serviria para avaliar a situação dos 12 corintianos que estão presos no país vizinho desde fevereiro, após um jovem morrer durante uma partida de futebol.
    Num telefonema, Alves avisou a Feliciano que já tinha solicitado providências ao Ministério das Relações Exteriores e que achava desnecessária uma visita da comissão.
    Alves ainda criticou a decisão de Feliciano de proibir a presença do público nas reuniões do colegiado. "Não posso concordar com o fechamento das comissões como regra, como norma permanente. Fechamento só por excepcionalidade", disse Alves.
    Ontem o pastor participou de culto em Salvador. Ele criticou reportagem da Folha em que sua mãe relata como fazia abortos.
    "Ela errou, mas todo ser humano erra nessa vida. Pior foi a crueldade de irem até a casa dela, uma senhora de mais de 70 anos, que está doente", afirmou.

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