O pianista e compositor Daniel Jobim fala da herança musical do avô,
Tom, e do disco solo que pretende gravar ainda este ano
Ailton Magioli
Estado de Minas: 01/04/2013
O porte atlético, elegante (1,82m, 87kg) faz pensar em jogador de
alguma modalidade de esporte ou modelo. A cara de galã, no entanto, logo
diz: trata-se de Daniel, o filho de Paulo e neto de Tom Jobim. que,
além da beleza, herdou o talento musical do clã. “Sei do peso que tem
nesta história, mas não sinto a pressão”, confessa o neto do maestro
soberano da MPB, lembrando que a música está presente em sua vida desde a
infância.
Aos 40 anos, pai de Teodoro, de 7, Daniel visita
regularmente Belo Horizonte, onde, além da namorada Natália, cativa uma
série de amigos. De Xexéu (Gabriel Guedes, o filho de Beto Guedes, com
quem costuma se aventurar em voos de ultraleve), a Augusto José Vieira
Neto (o Bala Doce, juiz aposentado que fez história no Centro Acadêmico
da Faculdade de Direito da UFMG), o músico se entrega ao que a
mineiridade lhe oferece de melhor em todas as áreas. Atualmente, anda
batalhando para levar uma muda de pequizeiro para o sítio Poço Fundo,
que o avô deixou de herança em São José do Vale do Rio Preto (RJ).
“Adorava
quando meu avô chegava às 6h, buzinava e me pegava para a gente subir a
serra. Para chegar ao sítio, que fica quase no Vale do Paraíba, em vez
de Teresópolis ele preferia ir por Petrópolis”, recorda do programa
preferido ao lado de Tom Jobim. “Na Serra Nacional dos Órgãos ele me
falava dos macucos e do tipo de grota que eles gostavam. Do barulho da
jacutinga comendo palmito na mata”, relata o neto, que, ao contrário do
avô, cuja formação era à base de “ouvido”, cresceu nos livros, ganhando,
portanto, base científica para entender de fauna e flora brasileiras.
“O
pequi é ótimo para o reflorestamento”, comemora a oportunidade de levar
uma muda da fruta para o sítio. “Tem de testar para aclimatá-lo ao
local, onde os papagaios estão em declínio, diante do tráfico de animais
e outras ameaças”, lamenta. Morador de Ipanema, o músico não esconde a
paixão pelas belezas da Cidade Maravilhosa, “daquele azul da praia
inspiradora”, justifica.
A influência maior na formação musical,
segundo Daniel, vem do pai, Paulo Jobim. “Assim que comecei a tirar
músicas no piano, ele rapidamente me colocou para tomar aulas”, recorda.
“Ficava ansioso com os sintetizadores, as trocas de timbres”, afirma
Daniel, que, pouco depois, já tocava graças às aulas com Evandro Ribeiro
Rosa. “A técnica e a linha dele eram a mesma da Lúcia Branco,
professora do meu avô, com quem o Evandro também estudou”.
Rebelde
assumido, muitas vezes o próprio Tom chamava o neto e dizia: “Não
estuda!”, recorda Daniel, que, além do piano, prestou vestibular para
geografia, na PUC-RJ, e para regência, na UniRio, onde, mesmo com a
classificação em primeiro lugar, nunca frequentou o curso. Aulas
propriamente ditas ele teve ainda com o músico Antonio Adolfo, com quem
estudou arranjos e harmonia, além de Ana Cândida, amiga da família, com
quem fez piano clássico. “O meu grande professor foi Antonio Adolfo”,
diz Daniel, que toca violão apenas de curiosidade. “E muito mal”, faz
questão de acrescentar.
Clássicos
Além da oportunidade de
usar as ideias harmônicas do chefe da prole musical, Daniel recorda que
o avô recomendava a ele que escolhesse canções clássicas para estudar. O
grande desafio para o compositor, gostava de dizer Tom, é a trilha para
cinema, que o neto ainda não teve coragem de experimentar. No
repertório dos shows que faz mundo afora (Europa, Estados Unidos e
Japão), as canções de Tom são destaque. “Elas são a base”, aponta,
admitindo que tem de dar continuidade à obra do avô.
“Dizem que o
grande artista faz sempre o mesmo show. E Tom falou para a gente
continuar tocando suas músicas. Uso a base, sempre, acrescentando algo.”
Como quando tocou uma canção do astro pop Michael Jackson junto a uma
do avô. As músicas de Tom que não podem faltar em show de Daniel são
tantas que ele até se perde na hora de listá-las. A campeã, ele garante,
é Águas de março.
Em casa, Tom adorava tocar com Daniel. “Era
Brahms, Chopin e Debussy todo dia”, recorda, lembrando que como o avô
acordava muito cedo, ele sempre aparecia para tocar com ele trazendo
partituras, como as das mazurcas de Chopin, entre outras. Amigos de Tom,
como Vinicius de Moraes, Chico Buarque, Milton Nascimento e Caetano
Veloso, acabaram também se entrosando com Daniel, cujo apelido de
infância é Pipo. Como foi amigo de colégio de Moreno Veloso, Caetano
acabou se tornando a amizade com maior regularidade de encontros.
Paixão pela voz
Daniel
revela que, “há séculos”, vem preparando o disco solo que poderá sair
ainda este ano. Além de integrar o Quarteto Jobim Morelenbaum, ao lado
do pai e do casal Jaques e Paula Morelenbaum, Daniel também faz parte do
Jobim Trio, com o pai e Paulo Braga. Com os parceiros Ronaldo Bastos e
Dudu Falcão, o pianista está sempre compondo melodias. Já com Pedro
Baby, filho de Pepeu Gomes e Baby do Brasil, ele fez letras para duas
canções. Já com o avô, a parceria se resumiu aos estúdios, onde produziu
Antonio Brasileiro, o último álbum de Tom Jobim, de 1994, que contou
com as participações de Dorival Caymmi e Sting.
Participar
eventualmente de uma trilha de novela é, na opinião da Daniel Jobim,
importante para chegar ao público. “Nos Estados Unidos, são os filmes e
as séries, aqui são as novelas”, compara o cantor-compositor, que
dividiu com Xuxa a interpretação do clássico Garota de Ipanema, da
parceria do avô com Vinicius de Moraes, para a trilha de Aquele beijo,
da TV Globo. “As novelas são um bom canal, mas não o único. Precisamos
de outros”, reivindica o herdeiro de Tom. A vontade de fazer dueto com
uma cantora permanece desde então. “Na época, Michael Sullivan me
chamou, o Lincoln Olivetti fez o arranjo e cada um fez o seu trabalho.
Foi profissional: fiz a minha parte, o Lincoln a dele e a Xuxa a dela”,
revela, sem se incomodar com as críticas à parceria.
“Adoro o
coro feminino que meu avô usava em sua música. As vozes femininas
abrindo em harmonia, timbrando, é muito bacana. Gosto também de homens
cantando no agudo, como o Bituca”, afirma. “Música não é só aqui
embaixo”, pondera o pianista, que, além de Bebel Gilberto, já tocou com
Paula Morelenbaum, do Quarteto Jobim Morelenbaum.
Lixo no Brasil
Defensor
da música em qualquer veículo, Daniel revela que adora ouvir rádio para
saber o que está atraindo o público. “Atualmente, está tudo muito ruim.
As pessoas estão ouvindo coisas péssimas, é lixo total”, protesta o
pianista, evitando críticas diretas a artistas novos ou antigos.
Luxo no Japão
A
julgar pelo gosto do japonês, um povo de cultura e educação milenares,
Daniel acredita que a bossa nova estará viva daqui a 5 mil anos. “Eles
sabem tudo da bossa. Há lojas com estantes dedicadas ao gênero,
ronologicamente, com a discografia completa de todos os artistas do
movimento”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário