ANÁLISE
KATIA STOCCO SMOLEESPECIAL PARA A FOLHAAntes dos sistemas de avaliação, já se sabia que as dificuldades com a matemática eram uma das causas mais evidentes do fracasso escolar (reprovação ou abandono).Há uma etapa em que o problema é grave, mas estamos olhando pouco para ela: os anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano).
É aí que a matemática começa a ganhar complexidade, que as turmas passam a ter mais alunos e que os professores ficam com menos tempo para os estudantes.
Essa dificuldade vai ser levada para o restante da vida acadêmica do aluno.
Pesquisa do Observatório Ibero-Americano de Ciência, Tecnologia e Sociedade (2008 a 2010) com jovens de 15 a 19 anos da América Latina (São Paulo incluída) e Espanha, revela que só 2,7% pensa em seguir carreira em ciências da natureza e em matemática.
O desinteresse vem da dificuldade para aprender, dos assuntos desinteressantes, da impressão de poucas oportunidades profissionais, da forma como o conteúdo é ensinado e da limitação dos recursos utilizados nas aulas.
Para melhorar esse ambiente de aprendizagem, falta uma orientação clara do que ensinar em cada etapa escolar, além de deixar de dar continuidade a programas a cada mudança de gestão.
Temos hoje o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. Talvez tenhamos de adotar um pacto pela aprendizagem da matemática.
Estudante de matemática piora entre o 5º e o 9º ano
Estudo indica que percentual de alunos no nível adequado cai de 22% para 12%
Para especialistas, carência e má formação de professores estão entre os principais problemas enfrentados
A constatação é de levantamento inédito da ONG Todos pela Educação, que detalha a evolução do rendimento dos alunos de escolas públicas do país na Prova Brasil, exame do governo federal.
O percentual de estudantes com rendimento adequado na disciplina de uma turma caiu de 22% no quinto ano, em 2007, para 12%, quando ela chegou ao último, em 2011.
Ou seja, 88% deles não sabiam calcular porcentagens ou a área de uma figura plana ou mesmo ler informações em um gráfico de colunas. E levam essa defasagem para os ensinos médio e superior.
Em língua portuguesa, o recuo entre as séries não foi tão intenso (26% para 23%).
Uma das explicações mais citadas por especialistas é a falta de professores na área. É na etapa final do fundamental que os alunos passam a ter aulas com docentes especialistas nas matérias.
"Um jovem com habilidade em matemática pode ter salários mais altos se for para engenharia, para bancos. Poucos querem lecionar", disse o professor Rogério Osvaldo Chaparin, do Centro de Aperfeiçoamento do Ensino da Matemática, da USP.
No último levantamento federal, matemática apareceu como a área de maior deficit de professores (65 mil).
Igor Willian, 17, ficou quase 2010 inteiro sem docente da disciplina, na zona leste da capital. "Até hoje tenho dificuldade com matemática, física e química, porque fiquei aquele ano no pátio."
Ele recorreu ao Henfil, cursinho popular, para diminuir a defasagem. "Gostaria de fazer engenharia civil, mas tenho medo dos cálculos."
Para a gerente da área técnica do Todos pela Educação, Alejandra Meraz Velasco, há dificuldades adicionais nos anos finais do fundamental.
Uma delas é que os alunos são divididos entre municípios e Estados. "O final do fundamental fica num limbo, quase sem políticas para melhoria. E em matemática o problema fica mais evidente, porque há uma sequência difícil de recuperar depois", diz.
MEC minimiza queda e afirma que as 'perspectivas são positivas'
Pasta diz que se apoia em outra medição, que aponta perdas menores do que as apresentadas
Para especialistas e entidades, problema passa por falta de professores e falha na didática de ensino
O Ministério da Educação afirma que a qualidade do ensino está melhorando e que a queda entre séries não é tão intensa quanto a que foi apresentada pela Todos pela Educação.
O presidente do Inep (instituto de pesquisas do MEC), Luiz Cláudio da Costa, diz "respeitar" o trabalho da ONG, mas afirma que a União se apoia em outra medição.
Ele citou o Ideb, índice federal de 0 a 10 que mescla o desempenho em português e em matemática na Prova Brasil com as taxas de aprovação dos alunos.
No índice, os anos finais do ensino fundamental público foram de 3,5 para 3,9 entre 2007 e 2009 (atingindo as metas que foram estabelecidas pela pasta).
"Nossa medição olha a média, não só os melhores alunos", diz Costa. "Claro que há alguma perda com o passar das séries, que vão ficando mais complexas, mas as perspectivas são positivas."
PROFESSORES
Cleuza Repulho, presidente da Undime (entidade dos secretários municipais de Educação), diz que o maior problema é a falta de docentes. Para ela, as redes precisam ter carreira e salários mais atraentes e são necessárias mais verbas para o setor.
Heleno Araújo, dirigente da CNTE (que representa docentes da rede pública), diz que um problema dos anos finais do fundamental é que começam as diversas disciplinas. "O que é ensinado tende a perder a unidade", afirma.
Para Angela Dannemann, diretora-executiva da Fundação Victor Civita, que investigou boas práticas no ensino de matemática, os cursos de formação dos professores têm falhas. "Falta a didática do ensino da matemática."
A docente da PUC-PR Neuza Bertoni Pinto cita a dificuldade para mostrar a relação da matemática com o mundo real. "O aluno deve ser seduzido para a aprendizagem."
Já uma aluna de 14 anos reclama das faltas dos professores. Até este mês, estava no 8º ano da escola municipal Paulo Carneiro Thomaz Alves, uma das piores públicas de São Paulo. "Ano passado ficamos no pátio quase todas as aulas de matemática."
A Secretaria de Educação afirma que o quadro está completo, mas que está preocupada "com o elevado número de ausências dos professores".
FOCO
Baixa rotatividade de professores e alunos alavanca escola campeã em SP
JOÃO ALBERTO PEDRINIDE RIBEIRÃO PRETOBaixa rotatividade de docentes, participação dos pais e permanência dos alunos na unidade por todo o ensino fundamental (1º ao 9º anos) são a base do sucesso da escola municipal José Negri, em Sertãozinho, que obteve a maior nota de matemática do Estado na Prova Brasil - 2011.Segundo a diretora, Inês Angélica Servidoni Cabril, duas das três professoras de matemática atuam há mais de uma década na unidade.
A permanência de alunos na escola por muitos anos ajuda, diz a professora de matemática Luciane Pereira.
"Já conhecemos deficiências de cada aluno desde cedo e, por isso, podemos atacar os problemas pontuais, individualmente. Os professores acabam trocando informações. Um ajuda o outro."
Luciana Cancian, também professora de matemática, disse que os alunos registram bons desempenhos em competições pelo país. Na última Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas, dos 21 que participaram, 20 ganharam prêmios.
Rafaela Milene do Carmo, 12, do 8º ano, diz que a escola estimula o compartilhamento de informações entre os alunos. "Tenho uma amiga que diz que sou a melhor professora dela", conta.
"Ajudamos uns aos outros. E isso contribui com quem não está conseguindo aprender", diz Pablo Henrique Ninin, 13, também do 8º ano.
A diretora ressalta ainda a cobrança por resultados, o planejamento e a disciplina. "Qualquer problema envolvendo um aluno já acionamos imediatamente os pais."
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