Apolpando
DE SÃO PAULO
Eu gosto de goiaba, mas não gosto de comer goiaba. Ela tem uns caroços que não são grandes, mas são duros: você deve mastigar com cuidado, só até seus dentes tocarem um caroço, então para --é como se nunca pudesse fruir plenamente das potencialidades da goiaba.
Eu gostava da Alice, mas não gostava de namorar a Alice. Ela tinha umas implicâncias que não eram grandes, mas eram pétreas: eu tinha que me aproximar com cuidado, só até roçar em suas defesas --era como se eu nunca pudesse fruir plenamente das potencialidades da Alice.
Quando terminamos, pensei: nossa, que mulher incrível seria Alice sem caroços!
*
Uma noite, muito tempo depois de terminarmos, Alice apareceu aqui em casa. Com outras palavras, disse que eu só era capaz de me relacionar com maçãs: pessoas homogêneas, medíocres, com quem você pode conviver sem se preocupar com a casca, os caroços, segurando pelo cabinho, sem melar as mãos.
Acho que ela via a si própria como uma espécie de romã.
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A banana é uma das frutas mais saborosas que existem e é, sem dúvida, a mais fácil de comer. O que joga por terra a falácia de que as pessoas interessantes ou inteligentes ou talentosas devem ser antipáticas, cheias de caroços ou difíceis de descascar. (Pena que, naquela noite, não pensei nisso.)
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Chega de Alice. Falemos de coisas boas.
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A manga é a picanha do reino vegetal. Se o mundo fosse justo, seria a manga, não a maçã, o paradigma da fruta; "pomme", em francês, seria manga; a serpente ofereceria manga a Adão e Eva (ah, o sexo que perdemos!*); Steve Jobs teria ficado rico pondo suas manguinhas de fora; Newton teria tirado a famosa soneca à sombra de uma mangueira.
Não: se uma manga caísse na cabeça de Newton, ele a teria comido e mandado a física pras cucuias --que gravidade resiste a este Sol da Terra?
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Nunca achei a menor graça na Audrey Hepburn --uma uva, diriam muitos: não discordarei, mas prefiro as mangas; ah, Scarlett Johansson!
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Outro dia, meu pai veio me visitar e trouxe uma caixa de caquis, lá de Sorocaba. Eu os lavei, botei numa tigela na varanda e comemos um por um, num silêncio reverencial, nos olhando de vez em quando. Enquanto comia, eu pensava: Deus do céu, como caqui é bom! Caqui é maravilhoso! O que tenho feito eu desta curta vida, tão afastado dos caquis?!
Meus amigos e amigas e parentes queridos são como os caquis: nunca os encontro. Quando os encontro, relembro como é prazeroso vê-los, mas depois que vão embora me esqueço da revelação. Por que não os vejo sempre, toda semana, todos os dias desta curta vida?
Já sei: devem ficar escondidos de mim, guardados numa caixa, lá em Sorocaba.
*Ver "A Verdadeira História do Paraíso", de Millôr Fernandes (Editora Desiderata).
antonioprata.folha@uol.com.br
@antonioprata
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Antonio Prata é escritor. Publicou livros de contos e crônicas, entre eles "Meio Intelectual, Meio de Esquerda" (editora 34). Escreve às quartas na versão impressa de "Cotidiano".
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