Mariana Peixoto
Estado de Minas: 27/05/2013
Ontem à tarde, quatro marchas reuniram em Paris milhares de opositores ao casamento homossexual. Legalizado há pouco mais de uma semana na França, vem provocando reações como o estarrecedor suicídio do historiador Dominique Venner, de extrema direita, que se matou na terça-feira, em plena Notre Dame. Novecentos quilômetros ao Sul da capital francesa, o cinema deu, neste domingo, sua resposta às manifestações que vêm ocorrendo desde a promulgação da lei, no dia 18, pelo presidente François Hollande: o vencedor da Palma de Ouro da 66ª edição do Festival de Cannes, o mais importante do mundo, celebra a paixão lésbica. La vie d'Adele –Chapitre 1 & 2 (A vida de Adele – Capítulos 1 & 2), do cineasta franco-tunisiano Abdellatif Kechiche, relata o despertar sexual de uma adolescente por uma jovem de cabelos azuis em uma história com quase três horas de duração.
Também vencedor do prêmio Fipresci, concedido pela crítica estrangeira, o longa-metragem adaptado de uma HQ de Julie Maroh traz cenas de forte teor erótico, abusando dos closes. O filme, que desde sua exibição oficial entrou com força na bolsa de apostas, tem entre seus méritos a interpretação das duas protagonistas: a então desconhecida Adèle Exarchopoulos e Léa Seydoux (de Meia-noite em Paris e Missão: Impossível – Protocolo fantasma). A primeira vive uma estudante de 15 anos que se envolve com o sexo oposto até conhecer Emma, aluna de belas-artes. As atrizes, aos prantos, e o diretor foram ovacionados pela plateia presente no encerramento do evento. Em uma decisão fora dos padrões, o júri reconheceu o trabalho das atrizes Adele Exarchopoulos e Léa Seydoux junto com o filme ao anunciar a Palma de Ouro.
Ainda que fosse forte concorrente, o prêmio do filme de Abdellatif Kechiche surpreendeu àqueles que não acreditavam na ousadia do presidente do júri, Steven Spielberg. Pois o diretor mais conhecido da indústria cinematográfica norte-americana ainda fez questão de negar que a decisão tenha sido política. Bem-humorado, Spielberg disse: “A propósito, as personagens não se casam". O drama já tem título em inglês: Blue is the warmest colour (Azul é a cor mais quente).
Mas Spielberg não deixou a cinematografia norte-americana ficar de fora. Já vencedores da Palma de Ouro (por Barton Fink, de 1991), os irmãos Joel e Ethan Coen receberam o Grande Prêmio (grosso modo, uma medalha de prata em Cannes) por Inside Llewyn Davis. Com boas pitadas de comédia (marca dos Coen) e uma dose de nostalgia, o longa estrelado por Oscar Isaac, Justin Timberlake e Carey Mulligan é ambientada na região nova-iorquina do Greenwich Village que, no ano de 1961, assiste à ascensão da música folk.
O júri que reuniu nomes como Nicole Kidman, Daniel Auteuil e Christoph Waltz deu os prêmios de ator ao veterano Bruce Dern, que vive um velho amargo e alcoólatra em Nebraska, nova comédia dramática de Alexander Payne (Os descendentes); e à franco-argentina Bérénice Bejo (que ganhou fama pelo oscarizado O artista), por seu papel de uma mãe destroçada em Le passé, do iraniano Asghar Farhadi (de A separação, vencedor do Oscar de Filme Estrangeiro). Dern sai de Cannes com grandes chances de indicação ao Oscar. Outro ator que também deve ser referendado pelo maior prêmio da indústria americana é o jovem guatemalteca Oscar Isaac.
Quem saiu de mãos abanando foi o italiano Paolo Sorrentino, cujo La grande bellezza foi apontado como um dos grandes filmes dessa edição do evento graças ao roteiro e à interpretação de Tony Servillo (já esnobado por outros festivais) como um rei mundano em plena crise existencial. O festival preferiu premiar o mexicano Amat Escalante, melhor diretor por Heli, filme que mostra sem pudores os estragos causados pela corrupção e pelo narcotráfico em seu país. Outro drama, só que sobre troca de bebês, recebeu o Prêmio do Júri: foi o japonês Like father, like son, de Hirokazu Koreeda. (Com agências)
PRÊMIOS
Mostra oficial
Palma de Ouro
La vie d'Adele, de Abdellatif
Kechiche (França)
Grande prêmio
Inside Llewyn Davis, dos irmãos Coen (EUA)
Melhor atriz
Bérénice Bejo, de Le passé (França)
Melhor ator
Bruce Dern, de Nebraska (EUA)
Melhor diretor
Amat Escalante, de Heli (México)
Melhor roteiro
Jia Zhangke, do filme Tian Zhu Ding
(A touch of sin, China)
Prêmio do júri
Like father, like son, de Hirokazu
Kore-Eda (Japão)
Câmera de Ouro
Ilo Ilo, de Anthony Chen (Cingapura)
Melhor curta
Safe, de Moon Byung-gon
(Coreia do Sul)
Mostra
Um certo olhar
Melhor filme
L’Image manquante, de Rithy Pahn (França/Camboja)
Carreira vitoriosa
O diretor, ator e roteirista Abdellatif Kechiche nasceu em 7 de dezembro de 1960, em Túnis, capital da Tunísia.
Aos 6 anos, seus pais decidiram migrar para a cidade francesa de Nice, onde ele cresceu.
A estreia na tela grande foi como ator, em 1978 – já integrou o elenco de oito filmes. No cinema, a maior influência é o diretor japonês Yasujirô Ozu (Fim de verão, 1961). Os filmes de Kechiche demonstram sabedoria em falar sobre o universo adolescente. La vie d'Adele não é a primeira obra dele de destaque. La faute à Voltaire (2000) recebeu ótimas críticas e A esquiva (2003) também conquistou grande repercussão quando recebeu os César de melhor filme e diretor. Em 2007, outra surpresa veio quando ele apresentou O segredo do grão, em Veneza, conquistando o Grande Prêmio Especial do Júri. No mesmo festival, voltou a vencer como diretor e levou o prêmio de Melhor Filme. Em 2010, lançou o longa Venus negra.
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