Cristiana Andrade
Estado de Minas: 06/05/2013
Alunos da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) foram os grandes vencedores do Idea to Product Latin America 2012 (I2P), competição de inovação e tecnologia entre estudantes latino-americanos, promovida no Brasil pelo Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da Fundação Getulio Vargas (FGVCenn). Os estudantes apresentaram uma tecnologia inovadora de beneficiamento do óleo de candeia, muito usado em indústrias farmacêuticas, cosméticas e de fragrâncias. A tecnologia é também ambientalmente favorável, pois todos os compostos usados no processo podem ser reciclados e reutilizados.
Segundo a professora Patrícia Robles Dutenhefner, coordenadora do grupo de pesquisa alocado no Departamento de Química da Ufop, a tecnologia de beneficiamento do óleo de candeia tem o objetivo de obter os óxidos de bisabolol A e B em altos rendimentos. “Isso se dá por meio da modificação química do alfa-bisabolol, constituinte majoritário do óleo de candeia. Em geral, todos os derivados dos óleos essenciais têm ampla aplicação, como insumos de demanda da indústria química”, explica. O alfa-bisabolol tem propriedades antibacterianas e seus óxidos podem apresentar também potenciais propriedades organolépticas, aquelas que podemos perceber pelo cheiro, textura, sabor etc.
A tecnologia está sendo desenvolvida há dois anos e é tema do curso de mestrado de um dos quatro alunos envolvidos no projeto, das áreas de engenharia de materiais, química e catálise. Os demais estudantes trabalham como colaboradores. O estudo é resultado da aplicação de uma experiência da equipe em conjunto com as iniciativas pessoais dos estudantes e derivado do apoio ao longo dos anos por parte de agências de fomento como Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Fundação de Amparo à Pesqusia do Estado de Minas Gerais (Fapemig).
O grupo, segundo Patrícia, foca várias linhas de pesquisa, com destaque para o desenvolvimento de materiais com propriedades especiais para serem usados como catalisadores. “Outra vertente de nossos estudos consiste na aplicação desses materiais em reações de interesse para a química fina. O grupo é diverso, com estudantes de graduação desenvolvendo seus projetos de iniciação científica e os estudantes de pós-graduação com suas dissertações de mestrado”, acrescenta.
Para obter o óleo e dar início ao desenvolvimento da tecnologia de seu processamento, os estudantes usam madeira da candeia proveniente de manejo sustentável, que é colhida e colocada em pátios da universidade, em lotes identificados para facilitar o rastreamento de sua origem, atendendo a norma ISO-9002. “Depois, a madeira é transformada em pequenos cavacos. A extração do óleo ocorre pela aplicação de vapor d’água a pressão elevada em uma autoclave metálica. Nossa tecnologia é voltada para obtenção de derivados do alfa-bisabolol, os quais são insumos de grande interesse industrial. Dessa forma, há a possibilidade real de agregar valor ao óleo de candeia”, diz Patrícia.
Os óxidos de bisabolol A e B estão presentes em alguns óleos essenciais, como no óleo de camomila, por exemplo. Porém, os rendimentos alcançados na extração dos óxidos de plantas como a camomila são baixíssimos, em torno de 0,5%. “Dessa forma, propomos um processo inovador de obtenção desses insumos por meio de uma rota sintética com elevados rendimentos”, explica Patrícia.
As principais importâncias do óleo de candeia estão vinculadas às suas excelentes propriedades anti-inflamatória, antibacteriana, cicatrizante, calmante e desodorizante, além de o óleo não causar irritação e/ou sensibilização da pele, tornando-se assim um insumo de grande importância para a indústria. Por isso, esse material é usado em diversos produtos do nosso cotidiano, como xampu, loções pós-barba, creme para pele, protetor solar, batons, entre outros.
Um dos incentivos ainda maiores para essa tecnologia desenvolvida em Ouro Preto é o fato de o setor da beleza apresentar números cada vez mais positivos: em 2011, ele movimentou aproximadamente R$ 30 bilhões, com um crescimento de 18,9% em relação ao ano anterior, segundo dados divulgados pela Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec). A coordenadora do grupo de pesquisas diz que a técnica desenvolvida na Ufop pode ser usada por grandes indústrias cosméticas e farmacêuticas, mas, devido ao fato de a universidade ainda não ter uma unidade-piloto para a produção dos óxidos de bisabolol ainda não obtiveram uma prova de conceito junto à cadeia produtiva, pois a tecnologia ainda é incipiente.
VISIBILIDADE Questionada sobre a importância do prêmio, Patrícia diz que desenvolver tecnologias nesse setor é desafiador, primeiramente pelo fato de o Brasil ser um grande produtor de diversos óleos essenciais, inclusive o de candeia, e não dispor de tecnologias eficientes para agregar valor a esses óleos. “Por isso, somos obrigados a exportá-los e importar seus derivados para abastecer a indústria nacional. Desta forma, o desenvolvimento de uma tecnologia de beneficiamento de óleo de candeia pode trazer benefícios ao Brasil, invertendo a balança comercial deste setor. Além disso, o mercado mundial de óleos essenciais e seus derivados constitui um dos ramos industriais mais promissores e aquecidos da economia moderna”, pontua. Além disso, Patrícia Robles não esconde o orgulho da premiação: “Todas as ações envolvendo o crescimento da visibilidade da Ufop em diversos setores do conhecimento com certeza são louváveis. A universidade tem diversos talentos que têm resultado no aumento dessa visibilidade.” A continuidade do projeto consiste na otimização da tecnologia.
ÓLEO POTENTE
O óleo de candeia é direcionado para produção do alfa-bisabolol, que por sua vez é empregado na formulação de fármacos e cosméticos por apresentar algumas propriedades biológicas como ação bactericida, fungicida, cicatrizante etc. Já os derivados do alfa-bisabolol têm propriedades superiores e potencializadas, além de apresentar aroma floral agradável. O óleo de candeia é largamente produzido no Brasil em virtude de grande ocorrência da árvore no país. “Já o cenário da produção do alfa-bisabolol e seus derivados é monopolista e dominado por países europeus e pelos Estados Unidos”, diz a professora da Ufop Patrícia Robles.
A PREMIAÇÃO
O Idea to Product Latin America contou com 39 inscritos em sua fase inicial, sendo que 15 equipes foram selecionadas para as três rodadas semifinais, no ano passado. Seis times disputaram a etapa final. Também estiveram representadas na competição as federais de Minas Gerais (UFMG), de Juiz de Fora (UFJF), de Pernambuco (UFPE), a Fundação Getulio Vargas (FGV), a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Universidade de Salvador (Unifacs), Universidade Estadual de Londrina (UEL), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Universidade Estadual Paulista (Unesp), Universidade Federal de Lavras (Ufla), além da Embrapa.
Palavra de especialista
Rene José Rodrigues Fernandes - diretor do I2P e gerente de projetos do Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da FGV
Inovação e PIB
“Ao longo dos últimos cinco anos, o I2P tem mostrado resultados de sucesso. A trajetória do grupo Febetech, da Universidade Federal de Ouro Preto, em 2012, e de outros concorrentes de anos anteriores, que já estão com suas tecnologias no mercado, nos fazem imaginar quantas soluções relevantes estão sendo desenvolvidas no Brasil. Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a média de patentes em seus países-membros é de 60 em cada mil habitantes economicamente ativos. Por aqui, esse número é próximo de zero. Evidências empíricas mostram que há uma relação positiva no cruzamento entre a taxa de empreendedorismo e o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) dos países. O programa Idea to Product vem, dessa forma, com o objetivo de criar uma comunicação permanente entre o universo das pesquisas e o mundo dos negócios.”
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