Tiago de Holanda
Os saudosistas não se cansam de louvar o futebol de antigamente. Alguns, com implacável fidelidade ao passado, execram até as chuteiras coloridas. “Ah, mais dignas eram as pretas, que cobriram os pés de Pelé e Maradona”, defendem. À parte a nostalgia, os calçados mudaram bastante. Além de ganhar uma infinidade de cores e modelos, foram aperfeiçoados, ficaram mais confortáveis. Passaram a engordar as contas bancárias dos jogadores, que ganham uma fortuna para usar produtos de uma ou outra marca. E são cada vez mais cobiçadas por quem sonha em fazer parte de um time profissional.
A Copa do Mundo de 1958, na Suécia, foi vencida por uma encantadora Seleção Brasileira, cujo grupo tinha nomes como Pelé, Garrincha, Didi, Nílton Santos, Vavá e Djalma Santos. Quem viu a equipe jogar com tanta desenvoltura pode não imaginar que, vez por outra, os atletas sentiam uma espetada nos pés. Na época, quase ninguém usava chuteiras de origem estrangeira. Feitas de couro, as nacionais tinham travas fixadas com pequenos pregos. Não era raro que as pontas ultrapassassem a sola e afligissem os boleiros. “O roupeiro botava o calçado com a sola para cima, pegava o martelo e batia as tachinhas.
Às vezes, elas entravam no pé da gente, como se fossem agulhas. Por isso, as meias eram muito furadas”, lembra o ex-volante Wilson Piazza.
No auge da carreira, Piazza foi capitão do Cruzeiro e integrou a Seleção de 1970, tricampeã mundial no México. “Durante o jogo, às vezes os preguinhos incomodavam e você tinha que tirar a chuteira para o roupeiro rebater as travas. Além disso, ficavam encharcadas quando chovia”, conta ele, hoje aos 70 anos. Às vésperas daquela Copa, duas fabricantes alemãs se dispuseram a fornecer os pisantes dos convocados. “As marcas nacionais eram boas, mas não chegavam ao nível de Adidas e Puma”, avalia. Na disputa pela preferência dos craques, as duas concorrentes ofereceram dinheiro. “Eu jogaria de graça, o material era excelente. A oferta nos pegou de surpresa. Acho que foi nesse momento que essa coisa de patrocínio começou”, diz o mineiro. Em geral, as multinacionais deram US$ 3 mil a quem as escolhesse. “Assinei com a Adidas, porque foi a que calçou melhor.”
Com o passar do tempo, o uso patrocinado se disseminou. Atualmente, são poucos os profissionais que não firmaram contrato com alguma fabricante. No atual elenco do Cruzeiro, por exemplo, todos os jogadores lucram com isso, segundo o roupeiro Geraldo da Silva Barros, conhecido como Geraldinho, de 46 anos. Na função há 32 anos, ele acompanhou o processo pelo qual o patrocínio do calçado se difundiu. “Quando comecei, quase não existia. O clube fornecia as chuteiras para a maioria dos jogadores.” Se antes um par era usado por seis ou sete meses, hoje não costuma durar mais de dois, o que não tem a ver com a qualidade do produto. “Eles trocam muito porque precisam divulgar os lançamentos. Os jogadores gostam de chuteiras mais gastas, mas o patrocínio obriga a trocar.”
Fartura Nos clubes brasileiros de primeiro escalão, cada atleta tem três ou quatro pares de chuteiras. Quando o Cruzeiro precisa jogar fora, leva uma média de 100 pares. “Se a viagem for só para um jogo, levamos três por jogador: dois com travas de borracha e um de alumínio, para o caso de chover e o gramado ficar molhado”, explica Geraldinho.
Alguns atletas têm calçados personalizados. É o caso do atacante Élber, cujas chuteiras têm bordados o nome dele em uma das laterais e o de sua esposa, Letícia, na outra. O mesmo fez o atacante italiano Mario Balotelli, do Milan, que bordou no calçado o nome de sua namorada, a modelo Fanny Neguesha.
Escolha na base
Thalles César Silva, de 15 anos, se lembra de quando ganhou o primeiro par de chuteiras. “Fiquei muito ansioso para calçar. Queria usar para todo lado, sair com ela de noite”, conta, rindo. Ele é goleiro no infantil do Atlético e, assim como os colegas, fica atento ao que os ídolos calçam nos gramados. Porém, os futuros profissionais não se deixam seduzir apenas por cores ou desenhos chamativos. Aprenderam que devem escolher o modelo mais adequado a seus pés e à posição em que atuam.
“Chuteiras inadequadas aumentam o risco de lesões, principalmente dos ligamentos das articulações, do joelho e do tornozelo. A escolha depende mais da adaptação ao formato do pé do que da marca”, ressalta o professor José Alberto Aguillar Cortez, responsável pelo Grupo de Estudos e Pesquisas de Futebol e Futsal, da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo.
Antes de o atleta decidir qual par usar, as características de sua “pisada” deveriam ser avaliadas em um laboratório de biomecânica, segundo Cortez. “Pena que isso seja inviável para a maioria dos jogadores”, reconhece o professor. De qualquer modo, os produtos vêm se aperfeiçoando. “As principais mudanças ocorreram no posicionamento das travas, para permitir melhor apoio e equilíbrio, e na qualidade do couro, embora a maior parte dos jogadores prefira modelos sintéticos, que oferecem mais cores.”
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