Gritos e sussurros
RIO DE JANEIRO - Na terça-feira, enquanto eu lançava meu livro "Morrer de Prazer" na Cultura do Conjunto Nacional, em SP, o pau comia lá fora entre os manifestantes contra o aumento das passagens e a polícia. Por minha causa, amigos se viram em meio a correrias, depredações, pedradas, incêndios, balas de borracha e bombas de efeito moral. Ao ouvir o relato dos que chegavam, lembrei-me de uma passeata estudantil de que participei em 1967, no Rio.Era para ser como todas as passeatas. Os estudantes sairiam pe- la avenida Rio Branco gritando "Abaixo a ditadura!". A polícia daria em cima com seus cavalos e cassetetes, e, depois das escaramuças, os garotos tentariam se dispersar, correndo em direção à Candelária ou à estação das barcas na praça 15. E assim se fez. Só que, quando atingimos a Candelária, o que havia? Um casamento na igreja. E grã-fino, com homens de casaca e mulheres de chapéu. A noiva e seus convidados preparavam-se para entrar.
Não sei de quem partiu a ordem. Mas, diante da cena, afrouxamos o passo, para não provocar pânico, e simulamos naturalidade. Os encasacados olhavam. E só voltamos a correr quando já estávamos longe da igreja. Grã-fino ou não, o casamento foi respeitado.
No Rio, também houve protesto contra o aumento das passagens. E, assim como em São Paulo, houve vandalismo: prédios históricos, entre os quais duas igrejas com mais de 400 anos, tiveram vitrais quebrados e fachadas pichadas. Alguns dos manifestantes presos eram menores, sem-teto e universitários, que não pagam passagens. O que estavam fazendo ali? O povo do RJ e de SP não apoia esses baderneiros.
Voltando a 1967. Ao passarmos pela porta da Candelária ouvimos quando dois jovens convidados ao casamento sussurraram para o nosso grupo: "Abaixo a ditadura!". Naquele dia, até os grã-finos nos apoiaram.
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