Tome tenência, dona elite!
De tempos em tempos sou tomada por um espasmo de consciência que me faz querer botar ordem no balaio.
Um desses momentos ocorreu na última quarta enquanto comentava na BandNews FM as manifestações contra as tarifas de ônibus da avenida Paulista.
"Preso político no país, por acaso há?", perguntei, tal e qual um Yoda de saias. "Estamos vivendo em um regime de exceção?" Não, né? "Será que tem cabimento destruir propriedade privada?" e outras considerações assaz palpáveis, não sem antes descer a lenha nos subsídios para empresas de transporte, nossas amigas queridas, que sempre trabalham para manter margens baixíssimas e dar de si o máximo em matéria de qualidade.
Já esperava um retorno de ouvintes aplaudindo minha compostura ("Puxa, por uma vez essa dona não vai fazer um comentário atravessado!") Ou, no máximo, que alguém destoasse do meu discurso dizendo que mesmo R$ 0,20 de aumento acabam pesando no bolso do trabalhador. Até aí, tudo bem.
Somos bovídeos não afeitos à baderna, bater panela é coisa de argentino, imolar-se em praça pública e servir de estopim para revolução não é conosco.
Meu dever, naquele momento, era tentar aliviar o drama do ouvinte que tentava chegar em casa vindo de um congestionamento master para tentar usufruir do Dia dos Namorados sem maiores traumas. Nessa hora, não seria boa ideia incentivar o potencial de Nero do paulistano.
Sentadinha diante do microfone, ao lado da minha colega de infortúnio, a apresentadora do "Alta Frequência", Neli Pereira (infortúnio dela, evidentemente, porque o que essa mulher deve ter aprontado em outra encarnação para hoje ter de passar três horas corridas trancada em uma cabine de rádio comigo, só o lodo mais profundo do inferno deve conhecer), eu continuava: "Na maior parte das vezes o transporte não é pago pelo empregador? E em que lugar do mundo, na Alemanha Oriental de Erich Honecker, na Israel sonhada por Ben Gurion ou mesmo em país escandinavo alguém já viu ônibus de graça?"
No meio de uma dessas minhas jactâncias soporíferas, comecei a notar mensagens de descontentamento pipocando na tela do monitor que exibe os e-mails dos ouvintes. Guardei alguns trechos: "Não concordo com a senhora. São Paulo é um inferno social de injustiça e é isso que está causando a onda de destruição"; "O governo não escuta a população, não há diálogo"; "Desculpe-me, dona jornalista, mas não existe democracia"; "Quantos protestos pacíficos foram feitos que não serviram para nada?".
Sei não. Há pesquisadores sociais que concluem que os manifestantes sentem prazer, que encaram a atividade até como entretenimento. Outros dizem que a onda de consumo que está se esgotando gera uma rebordosa cuja angústia acaba dando nisso.
E tem outra corrente ainda que diz que há uma consciência, nascida de redes sociais e que ela é apartidária e que surgiu por conta dos grupos estudantis terem sido contaminados por politicagem.
Hmmm. Seria lindo pensar que não somos mais cordeiros, que começamos a sair na rua para dizer "Basta!" e que se foi o tempo em que o sistema financeiro e o poder podiam deitar e rolar.
Problema é que nosso "Occupy a Paulista" tem tudo para ser dominado por grupos que estão de olho na eleição. Mesmo assim, já é um passo avante que não estejamos no meio de mais um confronto entre a polícia e facções criminosas, certo biscoito?
barbara@uol.com.br
Barbara Gancia, mito vivo do jornalismo tapuia e torcedora do Santos FC, detesta se envolver em polêmica. E já chegou na idade de ter de recusar alimentos contendo gordura animal. É colunista do caderno "Cotidiano" e da revista "sãopaulo".
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