Carapuças para brindar
DE SÃO PAULO
Seria uma reunião muito especial, por marcar os dez anos do Conselho de Desenvolvimento. Mas marcar por quê? Lula encheu aquela boa ideia com tantas "figuras de destaque", empresários em abundância, que as centenas apenas formaram um auditório em que se igualam o tamanho e a inutilidade. A reunião foi especial, no entanto. Uma espécie de celebração pelo avesso.
Sempre a principal oradora, como Lula em seu tempo, Dilma Rousseff foi aguda na defesa do governo contra o que chamou de afirmações inverdadeiras sobre a inflação e sobre a situação econômica em geral. Ei-la, em duas frases de conclusão crítica:
"A informação parcial, da forma como é explorada, confunde a opinião púbica." E: "A informação parcial visa a criar um ambiente de pessimismo".
Poderia completar, mas não o fez, talvez por entender que o óbvio é desnecessário, ao fim da primeira ou da segunda frase: "Com objetivos eleitorais". Nas frases, aliás, "parcial" é um bom duplo sentido, tanto para passar como referência a uma parte, como para apontar parcialidade, tendenciosidade intencional. Sutileza incomum em Brasília.
A carapuça podia ajustar-se muito bem aos meios de comunicação, que nunca superaram sua nostalgia dos tempos neoliberais --o que, por sinal, só permanece no Brasil. Mas o que deu caráter especial à situação foi o fato de que justamente a maioria dos ali presentes, conselheiros do desenvolvimento e do governo, é formada por patronos da criticada difusão do "pessimismo" e da "informação que confunde a opinião pública". O conselho orienta mais o que, na opinião de Dilma, desorienta.
De outra parte, no governo ninguém pediu demissão depois da fala presidencial. Se o propagado sobre a inflação e a economia falseia a verdade e perturba o país, é dever do governo prestar esclarecimento permanente à opinião pública. O governo tem dispositivos específicos para tal obrigação, no topo do qual estão um cargo e um dos 39 títulos de ministro. Apesar disso, este governo tem a peculiaridade de não se comunicar, nem diante do que considera perturbador e pernicioso. É como se dissesse: os interessados que aproveitem.
Não se pode criticar a ministra Helena Chagas porque não se tem ideia do que faz. Nem vale a pena ressaltar a inacreditável inexistência, já a meio do terceiro ano de governo, de uma política de comunicação da Presidência e, secundariamente, das extensões da administração. Jamais me constou, ao menos, uma iniciativa que desse sinal da ação esperável, em todo governo, da função tão necessária e às vezes até decisiva da comunicação. E o que fica por conta da marquetice dá, sempre, nas aparições provincianas e nos discursos ainda piores.
Como nos aniversários infantis, nos dez anos do chamado Conselhão houve farta distribuição de presentes. Carapuças.
ANEDÓTICA
Celulares são um serviço privado e lucrativo. A menos que estivesse a soldo das empresas de telefonia, a exigência de que inscritos no Bolsa Família tenham celulares, para fornecer o número ao governo, é uma das ideias mais desatinadas já surgidas entre os nossos desatinos anedóticos.
Nem se precisa considerar a desinteligência de exigir celular de quem recebe o Bolsa Família para sobreviver. Só por demonstrar a ignorância de que não há base legal para exigir a posse de celular, a quem quer que seja, Tereza Campello atesta total falta de condições para ser ministra --uma dos 39.
Janio de Freitas, colunista e membro do Conselho Editorial da Folha, é um dos mais importantes jornalistas brasileiros. Analisa com perspicácia e ousadia as questões políticas e econômicas. Escreve na versão impressa do caderno "Poder" aos domingos, terças e quintas-feiras.
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