domingo, 21 de julho de 2013

MPB » De bem com a juventude (Sérgio Ricardo)-Ailton Magioli‏

Sérgio Ricardo diz que seus contemporâneos sumiram e celebra o contato com os jovens. Músico teve cinco discos remasterizados 


Ailton Magioli

Estado de Minas: 21/07/2013 


Longe de querer se tornar um retrato na parede, aos 81 anos, Sérgio Ricardo comemora a proximidade de sua música com a juventude, em especial a parceria com o carioca Marcelo Caldi, de 33 anos. “Minhas canções pelo menos funcionam com jovens, não são obra do passado,” afirma. O cantor, compositor, cineasta e escritor, paralelamente à conclusão do primeiro romance (Igarandé: uma aldeia de dois caminhos), tem os cinco primeiros discos remasterizados pelo selo Discobertas.

Além do surpreendente instrumental Dançante nº 1 e de dois álbuns de bossa romântica, que ele lançou via Odeon, nos anos 1960, o box traz as lendárias trilhas que Sérgio compôs para Deus e o diabo na terra do sol (1963), de Glauber Rocha, e Esse mundo é meu, do ano seguinte, de sua própria autoria. Para ele, escrever um romance foi o caminho natural para quem mexe com cinema, meio em que, além de escrever roteiros, há que se saber lidar com dramaturgia.

 “Por que não um romance?”, interroga-se, vislumbrando inclusive adaptação do futuro livro, ainda sem editora, para as telas. Anteriormente, ele havia publicado o livro de poesia Elo, ela; Quem quebrou meu violão, no qual faz análise pessoal da cultura brasileira; e O elefante adormecido, espécie de cordel sobre o país, voltado para o público infantojuvenil. A propósito da rejeição ao passado, o próprio episódio do violão quebrado e jogado ao público, no festival de 1967, é solenemente ignorado pelo artista. “É bom não falar dessa história, que não tem mais novidade. Já nem sei o que ocorreu, de tanto que se tem contado”, desconversa.

Empolgado com a remasterização da discografia, Sérgio Ricardo lembra que a música foi o seu carro-chefe em termos de concentração. “É a única vertente do meu trabalho que não desprezei”, diz, lembrando que enquanto o cinema depende de dinheiro e gente, a música flui sozinha. Sérgio, que começou como pianista da noite carioca, em uma boate do antológico Beco das Garrafas, gravou o primeiro disco no instrumento certo de que levaria o gênero adiante. “Um dia, a dona da boate cismou que eu tinha de cantar. Daí para a frente, comecei a explorar outras vertentes”, recorda, salientando o fato de “o provável” Dançante nº 2 jamais ter aparecido na carreira.

A bossa nova foi muito importante na trajetória do músico. “Johny Alf, João Donato e eu armamos a cama para a bossa. Então, é natural que ela tenha sido importante em minha trajetória, assim como fui para ela”. A inclusão de Zelão já no disco A bossa romântica de Sérgio Ricardo, no entanto, indicou o caminho da participação política do artista, que trocou a bossa nova pela música de protesto. “Tom Jobim deu o salto qualitativo e quantitativo da bossa, enquanto João Gilberto cuidava dos detalhes da batida e da rítmica do violão”, pondera, atribuindo aos dois a transformação da MPB.

Inéditas Com repertório suficiente para fazer pelo menos dois discos de inéditas, Sérgio Ricardo lembra que hoje a convivência dele é com a juventude, já que seus contemporâneos sumiram. Dia destes, o artista travou embate, no Facebook, com Carlos Lyra. “Sou inteiramente a favor das mudanças aprovadas na arrecadação e distribuição dos direitos autorais, que na verdade vão acabar com a roubalheira na área”, posiciona-se. Sérgio acredita que este seja o momento ideal para aprovar mudanças na Câmara e no Senado, diante da pressão popular nas ruas.

A composição da antológica trilha sonora de Deus e o diabo na terra do sol, do amigo Glauber Rocha, foi vital para o artista. “Ela me auxiliou na opção por uma música mais condizente com o social, com o protesto contra a ditadura”, justifica Sérgio Ricardo, lembrando que a base da proposta do trabalho foi valorizar a cultura brasileira. “O que me fez voltar para o Nordeste, onde descobri ritmos maravilhosos. Somos um país rico em diversidade musical”, comemora a oportunidade de ter trabalhado com Glauber, um artista lúcido, excepcional. “Não havia como não ser amigo dele”, conclui.


Vida no morro

Morador da favela do Vidigal há mais de 40 anos, Sérgio Ricardo lembra que ele vive na comunidade (construiu um apartamento) por opção. “Hoje, o que pinta de gringo por aqui”, constata o modismo, admitindo que a vida no morro melhorou devido à luta do povo.
“A resistência a uma remoção imposta, na década de 1970, foi fundamental”, recorda, salientando a presença do advogado Sobral Pinto no episódio. “Foi a partir de então que começou a pintar a consciência política, a participação social, que resultaria na instalação do grupo Nós do Morro”, acrescenta, lembrando da encenação atual do espetáculo Bandeira de retalhos, de sua autoria, na sede do grupo. 

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